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Certificação: o que a pecuária de corte pode aprender com o café

Nathan Herszkowicz, Diretor Executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café – ABIC foi palestrante no Workshop BeefPoint – Certificação e Rastreabilidade, realizado nos dias 07 e 08 de agosto/12 em São Paulo. Nathan foi convidado para apresentar o histórico da busca pela certificação e agregação de valor do café nacional, mostrando o caminho percorrido, dificuldades e aprendizados.

A ABIC reúne hoje toda a indústria do café com 450 associados, inclusive lojas ou cafeterias (varejistas), devido ao crescimento da demanda pelo café de maior valor agregado, o café gourmet. Historicamente, de 1965 a 1985, Nathan explica que houve queda no consumo de café no Brasil, caindo de 40L per capita/ano para metade disso. Diante deste cenário, a ABIC buscou recuperar o consumo, identificando que os principais pontos negativos para a cadeia produtiva eram a baixa qualidade do café de forma geral e sua reputação no mercado. O trabalho da ABIC nasceu de uma crise.

Desta forma, os desafios a serem superados eram:

  • Recuperar o consumo do produto;
  • Melhorar e assegurar sua qualidade;
  • Desmistificar preconceitos (como “vilão da saúde”);
  • Difundir conhecimento, informações, benefícios (estimulante natural, previne diabetes tipo 2, antioxidantes (mais que frutas e verduras), opositor a radicais livres, cosméticos para pele, previne AVC);
  • Garantir o desenvolvimento competitivo das indústrias.

Como resposta, a ABIC decidiu criar um selo de qualidade após estruturação da indústria, garantindo ao mesmo tempo a pureza do café e sua desmistificação, melhorando a percepção de sua qualidade pelos consumidores. Para isso, o selo passaria a ser evidenciado em todas as embalagens e pontos de venda. Como plano fundamental, Nathan citou os quatro pilares estratégicos que foram adotados para se buscar o maior consumo de café no país:

  • Programas de qualidade
  • Marketing e promoção
  • Comunicação positiva Café & Saúde
  • Formação do hábito Consumidor Futuro

Nathan explica que desde a fundação da ABIC, em 1973, diversas certificações foram sendo adotadas de acordo com a sofisticação da demanda. O primeiro selo, o Selo de Pureza ABIC, foi iniciado em 1989, e garante a ausência de impurezas. Em 2004, foi lançado o Programa de Qualidade do Café, dedicado à comercialização, para melhorar o mercado e oferecer um produto bom a preço justo. A última certificação lançada, “Cafés Sustentáveis do Brasil”, promove a sustentabilidade do produto e da cadeia produtiva do café, “o que hoje é exigência de compradores mundiais, agregando valor ao produto”, explica Nathan. Ainda, o selo sustentável demanda diversas alterações nos processos produtivos dentro das fazendas, pois o produtor deve ter certificações de terceiros comprovando que sua produção pode levar o selo da ABIC.

Após estes programas, o crescimento do consumo de café no Brasil é contínuo, “de 1985 até 2011, o consumo cresceu de 6 milhões da sacas para 20 milhões”.

Detalhando mais o Programa de Qualidade do Café, o executivo cita seus principais objetivos, mostrando a mesma orientação do projeto inicial, de aumentar e manter o consumo em níveis satisfatórios. Esses pontos são garantir a qualidade com boas práticas no processo produtivo, diferenciar o produto e agregar valor e aumentar seu consumo procurando por novos meios de divulgação e pontos de venda.

O Programa de Qualidade é organizado e controlado pela ABIC, e os processos são executados pelos elos da cadeia produtiva: empresas, certificadoras, coletoras de amostras, laboratórios e gerenciadoras. A qualidade é estabelecida pela ABIC por meio de análise sensorial auditada, criando um nível mínimo de qualidade. Entre notas de 01 a 10, a ABIC só recomenda para consumo cafés com pontuação acima de 4,5.

De forma interessante, a ABIC aproveitou esta pontuação e dividiu a classificação de café recomendável para consumo em três níveis:

  • Tradicional: de 4,5 a 6,0
  • Superior: de 6,0 a 7,2
  • Gourmet: de 7,3 a 10

Assim, o consumidor tem mais opções de escolha, com uma classe intermediária, e não somente produto tradicional e premium. Desta forma, criam-se oportunidades de escolha entre diferentes níveis de preço, permitindo ao usuário optar por produtos intermediários, acima dos tradicionais e abaixo do café gourmet, que tem preço em média quatro vezes maior do que o tradicional. Nathan conta que 54% da preferência dos consumidores é pelo café Tradicional, 22% é pelo Superior e 24% pelo Gourmet.

Outra certificação importante da ABIC é o “Círculo do Café de Qualidade”, pois é um programa de certificação de pontos de venda de café. Assim, a ABIC avalia o estabelecimento, orienta os processos de melhoria e faz um acompanhamento por meio de auditorias de verificação até o varejista receber o certificado de qualificação final. Importante destacar que a associação promove treinamentos para capacitação das pessoas envolvidas na venda do café ao consumidor final. Desta forma, o serviço e o produto oferecido atendem à exigência do cliente, que passa a preferir cafés de maior qualidade, aumentando a demanda pelo produto Gourmet.

A ABIC também promove o consumo pelo programa Café & Saúde, transmitindo comunicação positiva sobre o café por diferentes meios de publicidade. E para garantir consumo de café no futuro, há o programa “Café na merenda, saúde na escola”, o qual promove o consumo de café nas merendas de escolas públicas, “criando o hábito saudável”, diz Nathan.

Desta forma, pode-se verificar o bom trabalho realizado pela ABIC há décadas, envolvendo e organizando toda a cadeia produtiva do café. O passo a passo começou pela base produtiva, garantindo a qualidade do produto, assegurando a ausência de impurezas e boas práticas de produção. A partir daí, programas de divulgação foram sendo implantados, acompanhando o desenvolvimento da demanda e aumentando o nível de qualidade de suas certificações (até exigindo certificações de terceiros). Fechando o ciclo produtivo, o acompanhamento dos processos internos da venda varejista garantem a boa experiência de consumo, fomentando a demanda por café de qualidade.

Na seção de perguntas após a palestra, Miguel Cavalcanti (BeefPoint) pergunta quais conselhos Nathan daria “ao Nathan de vinte anos atrás”, se referindo aos programas de qualidade, procurando saber o que se pode aprender com o início do programa. Nathan acredita que sua leitura de mercado naquela época é bastante parecida com sua leitura atual. Desta forma, acha que a “conversa seria muito parecida” em relação à orientação para garantia de qualidade e agregar valor ao produto.

Paulo Loureiro (pecuarista e consultor) pede para Nathan contar o caso da produção de café de Pirajú-SP, onde as condições climáticas são inadequadas para o cultivo desta lavoura. É um caso de sucesso, pois a região desses produtores (sul do estado de São Paulo) tem umidade alta, fica perto de uma grande represa, chove na época da colheita e está em baixas altitudes, prejudicando o produto final.  Ao mesmo tempo, os produtores não tinham boas práticas produtivas, Nathan dá o exemplo de executarem a colheita em momentos não ideais, quando o fruto do café não estava no ponto ideal de amadurecimento. Portanto,  o produto não alcançava boas pontuações de qualidade, ficando com valor até 30% abaixo da média do mercado.

Para superar estas condições, um grupo de produtores de Pirajú passou a utilizar outro método para secar o fruto, chamado de “cereja descascado”. Assim o fruto é seco depois de descascado, evitando sua fermentação que acontecia pela alta umidade na casca. Dois anos depois, este grupo de produtores tiveram seu café premiado como o melhor em um concurso de qualidade. Nathan comenta que o caso serve de exemplo para qualquer produtor de café que se diz em “regiões inóspitas” para a produção, e ao mesmo tempo servindo de exemplo para qualquer pecuarista, mostrando que é possível buscar por inovações.

Miguel volta a perguntar, e questiona sobre as etapas dos programas de qualidade de café, nas quais há um caminho, um passo a passo para se chegar à melhor condição, sendo que este caminho é formado por níveis de qualidade. Um café não recomendado para consumo, conquistará a maior pontuação somente passando pelos programas de melhoria, alcançando a recomendação para consumo, depois o nível Superior e por último a classificação Gourmet. Miguel comenta que tem a impressão de que na pecuária, há muitos programas buscando como primeiro resultado o último nível, “o último degrau da escada”, se referindo à busca direta pela melhor qualidade, sem o aprendizado dos passos anteriores, e pede para Nathan comentar sobre isso.

Nathan diz que para o café há estes níveis intermediários, nos quais podem ser trabalhadas diferentes classificações de qualidade. “Há cafés de R$10,00/kg, R$19,00, R$40,00/kg e até R$300,00/kg”, mostrando que o produto de qualidade intermediária pode ser rentável ao produtor,  pois tem custos menores que possibilitam margens satisfatórias. Ele comenta que estes níveis não são utilizados pela maioria dos industriais, inclusive torrefadores. Estes querem “pular do tradicional para o gourmet”, não conseguindo manter o nível de qualidade com volume suficiente e suportar os custos/investimentos. Nathan comenta que muitas vezes a indústria tem um produto de qualidade maior que o tradicional e não aproveita esta oportunidade da melhor forma possível.

Luiz Orcírio (Embrapa Pantanal) questiona como a ABIC controla a relação entre a exigência por sustentabilidade e ao mesmo tempo por qualidade para as fazendas certificadas com o selo sustentável. Nathan comenta que os programas de certificação em sustentabilidade trabalham com o conceito, trabalham de forma geral toda a estrutura da fazenda, e a qualidade do produto não é o ponto principal. A ABIC uniu este conceito com a exigência de se produzir um café Superior ou Gourmet para a fazenda ou a indústria receberem o selo Cafés Sustentáveis do Brasil. “É um exemplo de agregação de valor para a indústria e para o produtor, pois a indústria vende seu produto por um preço maior, e compra sua matéria-prima também por um maior valor”, explica Nathan.

Miguel Cavalcanti pede para Nathan comentar mais sobre o histórico de preços do café no Brasil e também questiona o que a cadeia produtiva cafeeira poderia copiar e aprender da indústria vinícola. Sobre os preços, Nathan explica que até dois anos atrás, o valor do café era mais influenciado pela taxa de câmbio do que atualmente. Hoje a demanda é maior e os preços estão em níveis superiores historicamente. Ao mesmo tempo, os custos também estão maiores, o que reduz as margens da indústria.

Já em relação ao mercado do vinho, a metodolgia de pontuação para o café foi desenvolvida por meio de comparação (benchmarking) com a cadeia produtiva vinícola. Nathan diz que no mercado de vinho, também há o vinho tradicional (de mesa) e os de qualidade diferenciadas. Um ponto interessante é que um enólogo participou da construção do programa do café, junto com a ABIC. Porém, Nathan faz uma crítica sobre os programas de qualidade de vinho: o entendimento do consumidor sobre o produto é muito difícil, desta forma, os próprios especialistas em vinho aconselharam à cadeia produtiva do café a simplificarem a diferenciação por níveis de qualidade. “Excesso de sofisticação não é um caminho bom para buscar o consumo. É preciso ensinar ao consumidor como conhecer um café bom ou ruim, quem classifica o produto devem ser os especialistas”, Nathan recomenda.

Artigo escrito por Marcelo Whately, analista de mercado do BeefPoint.

2 Comments

  1. Rui Queiroz Guimarães disse:

    Senhores,

    Algumas correções precisam ser feitas no comparativo acima. Não foi um grupo de cafeicultores de Pirajú que desenvolveu o método de preparo chamado de “cereja descascado” eles simplesmente passaram a utilizar esta tecnologia.Também o que evidencia o relativo sucesso do agronegócio café se deve à gestão compartilhada dos negócios cafeeiros por todos os componentes da cadeia torrefadores( Abic), exportadores (ABECAFE) , Industria do Soluvel (Abics), produtores cooperados ( CNC) e produtores sindicalizados ( CNA) pelo lado privado e governo através dos ministérios envolvidos, Agricultura, Indústria e Comércio, Itamarati, Agricultura, Planejamento.

    Esta gestão compartilhada amenizou as arestas naturais entre os setores e salientou a sinergia na busca de soluções . O sucesso da Abic, em consequência da ampliação do mercado consumidor de qualidade vem da visão de suas lideranças à época do lançamento do Programa “Selo Pureza”, que além da auto regulação da qualidade dos cafés vendidos,permitiu à entidade a geração de vultuosas receitas para o desenvolvimento de campanhas de marketing entre outras ações.O que o setor de pecuária de corte para ter sucesso em processos de certificação da carne, como instrumento de alavanca mercadológica é começar pelo começo. Deve se inspirar no setor café na busca da gestão compartilhada dos negócios do setor .É o exercício equilibrado das forças entre os diversos atores do mercado na busca de melhores desígnios para o setor como um todo. Isto é muito difícil, mas não intangível.

    Rui Queiroz
    Presidente da Comissão nacional do Café da CNA de 1991 a 2000

    • Marcelo Alcantara Whately disse:

      Rui, boa tarde.

      Muito obrigado pelas correções e informações adicionais.

      Um abraço,

      Marcelo Whately
      Equipe BeefPoint.