Chefs, especialistas e pesquisadores da cozinha brasileira classificaram como hipócritas as reações negativas à apresentação de Alex Atala na terceira edição do MAD Symposium, na semana passada, em Copenhague.
Na ocasião, o chef do paulistano D.O.M. (o sexto melhor do mundo segundo ranking da revista inglesa “Restaurant”) matou uma galinha no palco.
O tema do simpósio internacional, um dos principais do setor, era “guts” – em português, coragem, entranhas.
Vídeo, fotos e relatos do evento geraram repercussão em redes sociais e na imprensa.
“É uma crueldade irrestrita. Ele quer simplesmente aparecer. Não há necessidade de comer outro animal”, diz Izabel Cristina Nascimento, presidente da Suipa (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais).
A repercussão ganhou força nas redes sociais também graças aos relatos contraditórios sobre o que aconteceu na apresentação de Atala, que teve como tema “o elo da morte com a gastronomia”.
Estamos há 6.000 anos consumindo aves domésticas e matando-as na hora de comer, disse Ricardo Maranhão, doutor em história e professor da Anhembi Morumbi. Essas pessoas que acharam cruel são equivocadas, burras e reacionárias.
Para o chef Laurent Suaudeau, francês radicado no Brasil, a apresentação foi um marco. “Alguns vão dizer que é marketing, mas Alex Atala não precisa disso. Ele está, sim, em em uma posição em que precisa ser polêmico”.
Segundo Suaudeau, o gesto de Atala foi uma forma de nos propor a pensar na origem do alimento que consumimos. Hoje há muita hipocrisia com a alimentação, as pessoas não querem enxergar a realidade: a gente come um animal que morreu.
O chef André Mifano (do Vito), que estava presente na plateia, compartilha opinião semelhante. “A nossa geração acha que a comida vem do supermercado”, disse.
René Redzepi, um dos mais importantes chefs do mundo, fez ecoar a frase “Por trás de cada prato há uma morte” durante a apresentação de Alex Atala, no último MAD.
Ela foi proferida três vezes no escuro, sempre após um dos vídeos exibidos por Atala. Vídeos curtos e plásticos, que mostravam o abate de animais como um peixe, um porco, um bode. Em seguida, surgiam os pratos do D.O.M. aos quais os animais davam forma. Estética impecável.
Vídeo
Impossível recriar a escuridão que fez cena para quase a aula inteira. Tampouco a presença de Redzepi, que leu o capítulo “Morte”, impresso no livro de Alex Atala “D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros”, da britânica Phaidon, com lançamento mundial previsto para o mês que vem, a começar por Londres – no Brasil, sairá pela Melhoramentos.
“Terminei a aula, as luzes foram acesas e eu estava com uma galinha no colo. A criadora, mesma fornecedora de galinha orgânica do René, do Noma, estava sentada à minha esquerda”.
O chef fez um gesto com o polegar erguido, que sugeria um “mato ou não mato?” à plateia, com cerca de 300 pessoas, que gritou, em uníssono, “kill, kill, kill” (mata, mata, mata).
Ele então torceu o pescoço do animal, que depois do evento, limpou e transformou em um brasileiro frango à passarinho, servido no jantar de encerramento aos participantes.
O MAD é um “congresso-conceito” de cozinha. “Sem fogo, sem receita”, disse Atala. “As pessoas esperam algum tipo de performance. Eu usei a teatralidade na busca da interação com o público.”
Trechos do livro
No livro “D.O.M.- Redescobrindo Ingredientes Brasileiros” (ed. Melhoramentos), o chef Alex Atala comenta a relação da morte com a gastronomia.
A morte é um elemento de vida, a morte é um elemento inerente ao ato de cozinhar e, mesmo que essas palavras firam você, para cada peixe, para cada pedaço de carne, talvez até mesmo para todas as saladas que você come, a vida foi interrompida, direta ou indiretamente, diz.
Matar frangos, patos e porcos era parte da experiência de nossos antepassados recentes -nossos avôs e avós sacrificavam os animais rotineiramente. Mas o homem urbano e moderno distanciou-se das atividades básicas necessárias à efetiva execução das receitas, como o fato de que, muitas vezes, sua refeição demanda o término de uma vida. Afirma Atala.
Fonte: Folha de São Paulo, Caderno Comida, resumida e adaptada pela Equipe BeefPoint.
4 Comments
Entendo que é muito importante conectar o consumidor a cadeia produtiva dos alimentos, porque os abates realmente existem e as pessoas precisam conhecer as boas e más práticas em execução hoje. Já existe muita ciência sobre abate humanitário de animais e produção. Em estabelecimentos comerciais estrutura, equipamentos e equipes capacitadas é possível realizar o abate de animais sem dor, estresse, angústia e de forma rápida (humanitário). Mas matar animais em público, para fazer show, na minha opinião é desnecessário, beira psicose.
Pelo jeito você nunca comeu uma galinha caipira em uma fazenda. Este é o dia a dia de quem vive no campo, para eles é natural, sem questionamento.
Na cidade as pessoas perderam isto, que faz parte da cultura, infelizmente agora é politicamente incorreto!
Inicialmente, eu tb achei um exagero, um show. Mas analisando melhor o fato, acho que foi muito bom isso ter acontecido para mexer com as pessoas e fazer com que elas tenham consciência de que carne vem de animais e eles precisam ser mortos. As pessoas querem o prazer sem culpa. Empurram a responsabilidade para os outros. Se para comer carne cada um precisasse abater o animal, a maior parte da população não comeria e isso seria bom tanto para os animais como para o planeta.
Achei muito interessante e criativa a apresentação. Sou engenheira agrônoma e já vi muitos animais domesticados morrerem para alimentar pessoas. As pessoas só acharam polêmico porque compram carne morta, não tem a mínima ideia de como são os matadouros. Então parabéns ao chefe, que mostrou pro mundo como os animais morrem para que possamos nós alimentar.
Aplaudo-o.