O tema mercado do boi gordo é um dos mais relevantes relacionado a rentabilidade do setor pecuário. Por isso é o assunto mais procurado, conversado e discutido. Entender as tendências de mercado dos mais diversos fatores que influenciam o mercado do boi é fundamental para se planejar e aproveitar as oportunidades.
Com o objetivo de conhecer os principais profissionais que trabalham direta e indiretamente com análise de mercado pecuário, o BeefPoint preparou uma série de entrevistas para compartilhar o trabalho destes profissionais, buscamos reunir informações consistentes sobre o tema.
Queremos conhecer mais como essas pessoas pensam, o que prestam atenção, o que consideram mais importante e o que sentem falta ao fazer seu trabalho de análise de mercado.
Para conhecer melhor quem tem se destacado no mercado pecuário no Brasil, acompanhe nossa série de entrevistas.
Confira a entrevista com Rogério Goulart, administrador de empresas, editor da Carta Pecuária e pecuarista em MS e TO.
Saiba mais sobre Rogério Goulart e sua empresa:
Rogério Goulart: A Carta Pecuária nasceu dez anos atrás fruto de uma necessidade na época em que ainda trabalhava no mercado financeiro em São Paulo. Não existia, então, relatórios de mercado pecuário abrangentes nos mesmos moldes que são elaborados para outras commodities, como café e soja, por exemplo. São relatórios que envolvem dados e números do mercado, porém com diferencial de ter uma postura crítica. Ou seja, emitiam opinião.
Concordando ou não com essas opiniões, o fato é que elas nos ajudam a pensar criticamente nos preços e no mercado do momento. No boi, não tínhamos nada parecido com isso no Brasil. Daí, por necessidade, resolvi começar a escrever.
Através de uma assinatura anual, o objetivo do serviço desde o início é ajudar e democratizar a comercialização de gado, buscar os bons momentos para se comprar reposição e vender animais gordos para os frigoríficos, buscar os bons momentos para se negociar na bolsa e, no que tange a direção dos preços no longo prazo, auxiliar o pecuarista para seus investimentos dentro das fazendas.
BeefPoint: Quais as principais ferramentas para conseguir analisar o mercado de forma ampla?
Rogério Goulart: Não tem muito segredo aqui. Qualquer commodity é sempre um fluxo contínuo de oferta x demanda e as variações nos preços em função dessas flutuações. As informações mais pertinentes giram ao redor de exibir os dados da oferta, demanda e preços da pecuária. Aqui uma reflexão: o problema é achar as informações que são importantes para aquele momento, mas, de um modo geral para os dados brasileiros uso os preços da pecuária (boi gordo, vaca, bezerro, touro, milho, etc) publicados pela Esalq/BVMF, pelo IEA e Broadcast. Para informações de oferta/demanda uso CONAB, DIEESE, SIF, IBGE, entre outros.
BeefPoint: Quais são os gráficos que você acompanha diariamente para fazer uma boa análise?
Rogério Goulart: Enviamos diariamente mais de 90 gráficos de pecuária para acompanhamento do mercado diário, semanal e mensal para nossos assinantes formarem e tomarem suas decisões de mercado. Esses gráficos são estudos aprofundados e técnicos dos preços gerais da pecuária, como boi gordo, bezerro, contratos futuros, índice de vendas de supermercados, variação de preços no atacado, frango, crescimento da população brasileira, entre outros.
BeefPoint: Quais são os principais indicadores para analisar o mercado do boi, na sua opinião?
Rogério Goulart: Acompanho diariamente o indicador Esalq/BVMF do boi gordo e bezerro, diferenciais de base da arroba entre os estados, escalas de abate dos frigoríficos e os preços da carne bovina, frango e suína no atacado, entre outras coisas citadas acima.
BeefPoint: O que você lê de notícias, análises e relatórios de mercado? Quais são as leituras indispensáveis?
Rogério Goulart: Tem gente boa aqui. Gosto do que o Fabiano, do frigorífico Minerva, o Miguel Cavalcanti, do BeefPoint, o Scot, da Scot Consultoria, o Sérgio DeZen, do Cepea, o Rodrigo Albuquerque, o Flavio Abdo, o Leandro Bovo, a Lygia Pimentel e o Maurício Bigma, escrevem. Além desse grupo, tem outras pessoas que falo por telefone ou e-mail, pessoas que sabem muito de mercado pecuário, com vivência e técnica em seu respectivo campo de domínio no seu elo da cadeia pecuária, mas que optam por não tornar públicas suas opiniões. Para notícias uso os bons filtros de pecuária que o sistema do Google Notícias me envia. Uso também o Broadcast, terminal pago de notícias e preços da Agência Estado.
BeefPoint: Quais os principais fatores devemos olhar pelo lado da oferta e do consumo para uma análise de curto e médio prazo?
Rogério Goulart: Curto prazo é sempre um terreno perigoso de se analisar com uma visão clara, mas para isso especificamente é bom olhar como auxílio e guia os preços do atacado, mas, veja bem, não os preços em si de forma isolada, e sim um comparativo entre eles e os preços da arroba do boi gordo. É impressionante como a arroba do boi gordo acompanha o atacado. Da mesma forma um comparativo entre frango e dianteiro bovino é útil, além das escalas de abate.
BeefPoint: Você poderia nos contar uma história ou um acontecimento, em que conseguiu entender as relações do mercado, fazer uma análise correta da situação, e acertar a tendência de preços? Quais as lições você tirou desse episódio?
Rogério Goulart: Em 2006 pelos nossos estudos foi me formando um sentimento de que o mercado deveria mudar. Tínhamos preços baixos, margens baixas para a engorda e cria, um desânimo na atividade pecuária de um modo geral predominava naquele momento. O sentimento se tornou convicção no primeiro semestre de 2006 quando saí para uma rodada de compras de boi magro. Notei que a conversa dos vendedores tinha endurecido, não queriam dar desconto à vista, não queriam dar prazo, não queriam dar aparte no gado.
Vimos então que o mercado a partir dali era de alta, e nosso objetivo era não pagar mais caro no boi magro por causa disso. Assim montamos uma operação de três anos na bolsa: 2006, 2007 e 2008, para conseguir comprar boi magro de forma mais barata. Foi excelente: conseguimos baratear nossa compra de boi magros em mais de 250 reais por cabeça nesse período.
BeefPoint: Você poderia nos contar uma história ou um acontecimento, em que aconteceu o contrário, onde não conseguiu entender as relações do mercado, fazer uma análise correta da situação, e errou a tendência de preços? Quais as lições você tirou desse episódio?
Rogério Goulart: Em 2003 acreditávamos que o bezerro iria subir mais, afinal, ele já estava subindo há seis anos. Para nos proteger de uma nova rodada de alta usamos os (agora extintos) contratos futuros de bezerro na bolsa. Não enxergamos que a partir dali o bezerro iria cair pelos próximos quatro anos. Falhamos ao não conectar a retenção de fêmeas dos anos anteriores ao que iria acontecer com as margens do bezerro. Perdemos dinheiro na bolsa em 2003 e 2004 por causa dessa visão equivocada de tendência de preços.
BeefPoint: Em sua opinião, quais são os principais dados em falta na pecuária brasileira para que se possa fazer uma análise consistente do mercado? O que poderia ser feito para reduzir esse problema? Qual órgão poderia contribuir de forma mais efetiva?
Rogério Goulart: A informação existente já é um diferencial enorme para quem se interessa em estudar o mercado pecuário. Dito isso, acredito que há detalhes que podem melhorar e fazer a diferença como, por exemplo, uma informação semanal de abate de gado faz falta. Gostaria também de ter acesso ao volume e preços semanais de escoamento de carnes para o varejo.
O varejo é uma caixa preta. Ninguém sabe o que acontece lá dentro. Também gostaria de saber quanto há de estoque de gado por faixa etária nos estados, nos moldes que o Mato Grosso fez uns anos atrás. São todas informações que existem, mas não são públicas. Ah, sim, também gostaria que o IBGE não demorasse três meses para publicar os dados de abates brasileiros.
BeefPoint: Qual o maior desafio do analista do mercado da pecuária?
Rogério Goulart: Ter disciplina para acompanhar as variáveis do mercado de forma rotineira e sistemática. Ter a humildade de sempre olhar para o mercado sem preconceitos e tendências pré-definidas na cabeça.
BeefPoint: Qual profissional da área é sua referência?
Rogério Goulart: Sobre mercado pecuário, nem todos são analistas, mas destaco quatro. O Scot, por me trazer uma dose de ceticismo e choque de realidade ao analisar o mercado. O Fabiano Rosa, hoje no Minerva, por me mostrar uma sistemática de análise de pecuária (aprendo com ele até hoje).
O (hoje) pecuarista em Goiás, Flávio Pereira, ex-Credit Suisse, por me mostrar uma forma diferente de pensar pecuária. Sempre saio confuso de nossas conversas, mas na confusão vem o aprendizado. O Miguel, do BeefPoint, por abrir a minha cabeça (e do setor) que marketing com responsabilidade e qualidade de produto é tudo.
BeefPoint: Qual conselho você daria para quem quer começar a trabalhar na área?
Rogério Goulart: Estude obsessivamente o mercado e use sua própria base de dados. Seja mais íntimo dela que de sua namorada/esposa. Seja honesto em seu raciocínio, sem buscar muletas e atalhos para conclusões precipitadas. Sempre, obrigatoriamente, sem exceção, cheque suas informações até a origem dos dados e sempre faça um teste retroativo de suas opiniões na sua base de dados para ver se essa ideia se sustentaria no passado.
Busque saber qual a “agenda” da pessoa que lhe passa informações, especialmente informações que você não solicitou. Mantenha uma boa amizade com seus colegas. O mercado pecuário brasileiro é pequeno e quase todos se conhecem.
E, importante, quando tiver confiança que sua opinião é suficientemente boa, aja.
Comentário BeefPoint: Nosso muito obrigado ao Rogério Goulart, Carta Pecuária, por contribuir com nossa série de entrevistas, e trazer seu arsenal de ferramentas de trabalho. Mostrar o mercado de forma consistente, simples, clara e objetiva. E principalmente pelos conselhos relevantes para aqueles que querem iniciar e se destacar nesta atividade.
Acompanhe nossa série de entrevistas de mercado:
O mercado te amassa quando você acha que sabe tudo sobre ele [Rodrigo Albuquerque]
Aprenda o operacional e evite surpresas desagradáveis no seu negócio! [Flavio Abdo Saraiva Santos]
2 Comments
Grande amigo, grande analista.
Parabéns pelo trabalho, Rogério. A Carta Pecuária é leitura obrigatória.
Abraço
Fabiano
Parabéns Rogério por compartilhar suas análises e recomendações, melhorando de fato a comercialização e tomada de decisão na pecuária brasileira.
Abs,
Luciano.