Paulo Costa é Médico Veterinário e especialista em instalações e manejo racionais de bovinos de corte. É sócio da CERCAR – Currais e Manejo Racionais de Bovinos, empresa que se dedica à montagem de currais e equipamentos de contenção animal na linha de manejo racional.
BeefPoint: Paulo e André, vocês poderiam dar uma idéia geral da experiência de vocês com manejo racional de bovinos?
Paulo Costa: MRB é o manejo baseado nos princípios de comportamento do animal, objetivando mais segurança, eficiência e menor estresse do gado e pessoal. Pessoalmente tenho trabalhado com instalações e consultoria nesta área. Cada vez mais as vantagens nos aspectos produtivos da pecuária com o uso do manejo racional de bovinos – MRB – na lida e no planejamento dos currais são mais evidentes para mim.
André Galassi: Tenho notado grandes perdas no processo de produção de carne relativas ao manejo inadequado dos bovinos.
BeefPoint: As perdas no processo se referem especificamente a carne ou couro? Quais seriam as vantagens iniciais?
André Galassi: Tenho percebido grandes vantagens em relação a ganho de peso. Índices como taxa de desmame e outros têm influência diretamente relacionada ao manejo adequado.
Os prêmios por qualidade ainda são muito baixos. O problema é que o pecuarista não é responsável pelo transporte e quando vamos discutir isso nos frigoríficos eles também dizem que o transporte é terceirizado e não tomam providências.
Paulo Costa: As vantagens iniciais são maior segurança para homens e animais e rapidez no trabalho.
No curto prazo temos de imediato menos acidentes, com menos pessoal para trabalhar e menor queda no ganho de peso depois do manejo de curral. Além de ganhos “visíveis” no curto prazo, ainda temos ganhos reprodutivos, pois com o stress temos mais abortos precoces e cios silenciosos. E uma melhor resistência a doenças – que cai com o estresse -, ganho não tão aparente, mas significativo.
Para a avaliação do MRB as contusões são evidentes e facilmente mensuráveis no frigorífico. Os acidentes também facilmente identificados e visíveis na fazenda, com o pessoal e o gado. Com as doenças pode-se fazer uma comparação entre anos.
Existem as mudanças “subjetivas” como a lida mais fácil que pode ser vista e discutida pelo próprio pessoal. Por problemas de manejo os melhores animais podem ser descartados na seleção por nossa culpa.
É fundamental saber que o investimento no MRB é baixo e o retorno altíssimo e oriunda muito mais de mudanças de cultura do que materiais.
BeefPoint: Vocês saberiam quantificar os ganhos em peso (por evitar o stress), aumento do rendimento de carcaça (menos contusões) e qualidade do couro?
André Galassi: Em um trabalho feito no Triangulo Mineiro, reduzimos em 8 por cento as contusões relativas a transporte. Nas fazendas ainda temos muitos problemas também, falta de consciência do produtor.
É importante salientar, que o erro está em todo processo. E é exatamente de maneira acumulada que ele causa esse grande prejuízo.
Paulo Costa: Em confinamento temos diferenças de ganhos de até 150 gramas dia para animais de temperamento inadequado durante o manejo de curral.
Enquanto os sérios problemas no transporte e currais dos frigoríficos ocorrerem, teremos problemas com quaisquer animais. No momento, apenas com diferenças de pagamento para as transportadoras de gado gordo podemos ter resultados satisfatórios nesta etapa.
BeefPoint: E dentro do frigorífico? Vocês conhecem exemplos de manejo bem realizado nos currais dos frigoríficos?
André Galassi: Os frigoríficos preparados para exportação têm bons currais e bebedouros, mas no que diz respeito a manejo pré-abate ainda estou para conhecer um frigorífico adequado. Começando pelo treinamento das pessoas que lidam direto com os animais vivos. O ambiente é estranho e mesmo os animais mansos têm algum estresse.
Paulo Costa: No Brasil tenho conhecimento apenas de casos isolados, mas ainda sem muita consistência. Um bom exemplo é o Programa Carrefour.
André Galassi: Aqui no Triangulo Mineiro treinamos 40 motoristas e obtivemos bons resultados. Esses animais eram encaminhados para o Programa do Carrefour e diminuímos as contusões em 8%.
BeefPoint: Vocês poderiam falar um pouco mais sobre requerimentos de mão-de-obra e tempo gasto? Acredito que muitos têm dúvidas do tipo: “É preciso mais gente para fazer desse jeito” ou “Gasta-se muito mais tempo para se fazer dessa maneira”.
Paulo Costa: Com um trabalho bem feito na fazenda, 2 a 3 pessoas são suficientes – com mais segurança, fluidez e menos estresse. Isto por experiência própria, em curras racionais.
Por exemplo, o tempo de encher o tronco coletivo em curva é metade do em linha (dados australianos).
BeefPoint: E na questão de treinamento? Qual o tempo e tipo de treinamento para peões e capatazes que vocês têm realizado/recomendado?
Paulo Costa: Infelizmente, é difícil – não impossível – a mudança de cultura apenas com o treinamento. Tenho notado as mudanças mais significativas apenas depois de mudanças nas instalações, quando o pessoal vê, eles passam a acreditar nos princípios.
André Galassi: Bom, os treinamentos variam muito e dependem da necessidade de cada propriedade. Não tenho tido demanda para treinamentos em relação a manejo racional, os mais procurados tem sido na parte técnica.
Paulo Costa: A mudança é um processo gradativo, de tempo variável em função das pessoas. E em primeiro lugar é fundamental a mudança na gerencia do trabalho para mudanças no sistema.
BeefPoint: Existe alguma avaliação de diminuição de mão-de-obra entre o manejo racional e o tradicional?
Paulo Costa: No curral racional duas a três pessoas são suficientes para qualquer trabalho.
Todas as fazendas em que montamos currais racionais ou adequamos os existentes houve diminuição da mão-de-obra, com melhora na qualidade do trabalho de curral, mesmo sem treinamento.
Além da economia direta e significativa de menos mão de obra, há o menor índice de acidentes com o gado. Há fazendas onde todas as vezes que se trabalha com gado no curral, ocorrem acidentes de fraturas.
BeefPoint: Vocês já estão percebendo que existe um bom número de produtores adotando essas técnicas? Ou ainda é assunto de um número muito pequeno de produtores?
Paulo Costa: Ainda são poucos, mas os primeiros passos e mais importantes são as informações na mídia, que felizmente estão aparecendo.
André Galassi: Para ser sincero percebo que isto ainda é utopia na cabeça dos produtores. Quando o frigorífico oficializar bons prêmios por redução de contusões ou por qualidade da carne, aí sim veremos mais mudanças.
Paulo Costa: A receptividade em palestras e cursos tem sido muito boa, a consciência do problema existe, o maior entrave é o comodismo dos técnicos e fazendeiros. Mas concordo com o Galassi: sem dúvida a recompensa econômica direta é o mais fácil.
André Galassi: As falhas ainda são muito graves. Talvez estejamos falando de uma fatia muito pequena dos produtores que aderiram as novas tecnologias. Porém é inadmissível que técnicos ainda não tenham se conscientizado.
Paulo Costa: E o retorno é no curto, médio e longo prazo – sem utopia. E realmente o mais incrível é que justamente com os técnicos que noto a maior reserva, COMODISMO!
BeefPoint: Vocês acreditam que no futuro além de gerar ganhos de eficiência (mais ganho de peso e menos contusões) será possível ter acesso privilegiado a nichos de mercado, que desejam comprar carne oriunda de sistemas de produção que prezam pelo bem-estar animal?
André Galassi: Sem dúvida nenhuma! Mas não no curto prazo. Acredito que devemos colocar em prática já, pois o ganho financeiro é evidente.
Paulo Costa: Sem dúvida, Europa a curto prazo e Brasil no médio em nichos de mercado, ainda que bem pequenos.
BeefPoint: Na média, qual o investimento na implantação de instalações de manejo racional de bovinos?
Paulo Costa: O valor de um curral novo varia muito, mas na adequação do tradicional em geral com menos de 1000 reais você já pode melhorar muito seu embarcadouro e tronco coletivo.
BeefPoint: Existe um movimento bastante forte nos EUA em relação ao bem-estar animal, principalmente em relação ao abate humanitário. O que tem acontecido por lá? Quais as mudanças já ocorreram? Isso poderá ocorrer no Brasil?
Paulo Costa: Mudanças enormes ocorreram com fornecedores do McDonalds, conseguidas especialmente em função da desqualificação de alguns fornecedores que não alcançaram os padrões exigidos pela empresa. Acredito que uma preocupação maior com o abate humanitário ainda vai demorar muito para ocorrer no Brasil.
André Galassi: Não acredito essas questões sejam necessidades tão urgentes de quem consome carne no Brasil. Não a curto prazo.
BeefPoint: Qual a sua visão da pecuária de corte no Brasil?
André Galassi: Devemos considerar vários pontos na análise da pecuária de corte no Brasil. Temos hoje a grande vantagem de produzirmos a custos mais baixos e possibilidade de colocação de produtos no mercado externo, porém considerando uma cadeia produtiva totalmente desarticulada e sem transparência. A atividade pecuária historicamente trabalha com índices de rentabilidade muito baixos, o que de certo modo pode ser espremido por outras atividades rurais, principalmente as agrícolas. Temos conseguido grandes avanços no setor produtivo e ainda pouca adesão a novas tecnologias. Outro fator que dificulta o pleno desenvolvimento do setor é a cultura do pecuarista que ainda não trabalha eficientemente questões relativas à gestão de seu negócio
BeefPoint: Qual a sua visão do futuro da pecuária de corte brasileira?
Paulo Costa: Minha visão é positiva. Acredito que o país vai se firmar como o maior exportador de carne bovina, posição que poderá ser ameaçada apenas por fatores atípicos, fora de nosso controle. Os produtores que vão se destacar serão aqueles que tiverem uma estrutura profissional de gestão. Quanto a técnicas de produção, já possuímos conhecimentos vastos, que tendem sempre a crescer. Infelizmente acho que ainda teremos por muito tempo problemas sérios na integração de toda a cadeia, especialmente de produtores e frigoríficos, que percebo como o maior entrave para pecuária de qualidade, junto com a instabilidade da economia.
André Galassi: Acho que a pecuária caminha finalmente em um sentido onde estamos aproveitando e aplicando muito mais as novas tecnologias disponíveis para tornar a atividade mais rentável e com retorno mais rápido. Ao mesmo tempo vemos uma invasão de áreas tradicionalmente pecuárias para áreas de agricultura, o que obriga o pecuarista se tecnificar mais, para poder alcançar os mesmos índices de rentabilidade atingidos com culturas agrícolas. Nesse contexto devemos analisar pontos importantes que podem de certa forma comprometer o desenvolvimento desejado da pecuária no Brasil, entre eles a grande expansão e utilização do cerrado brasileiro como área fértil ao plantio de culturas como soja, milho, algodão, cana, entre outras e também tecnologias como irrigação e melhoramento genético as quais possibilitaram utilização de novas áreas antes não aproveitadas.
A expectativa de melhoria nas condições de escoamento de produção para o norte do país e para o oeste, levando a produção diretamente aos portos de escoamento mais próximos dos EUA, Europa e Ásia, está possibilitando que novas áreas sejam abertas.
Na pecuária temos a possibilidade de crescer vertiginosamente nossa produção, abrindo novas áreas, integrando com lavoura e também intensificando os sistemas de produção. O que realmente nos favorece e ainda não nos preocupa muito nessa competição agricultura X pecuária é que temos ainda milhões de hectares sub-utilizados ou ainda não utilizados. Temos seguramente espaço para todos, sempre atentando para o equilíbrio entre oferta e demanda do mercado, seja ela interna ou externa. E aí entramos em um ponto sensível para se discutir, ou seja, quais seriam as condições ideais para direcionarmos nossa produção pecuária. Seguramente vamos aumentar nossa produção, tanto por área como em kgs de produtos, estamos abrindo novos e importantes mercados, nos fixando lá fora como fornecedores e agregando mais valor ao produto exportado.
Tendências firmes mostram uma reação em um médio prazo no consumo interno, levando pra cima os números per capita/ ano, aumento significativo na exportação em equivalente-carcaça e melhoria na qualidade do produto final, seja no aspecto de segurança do alimento consumido ou em suas características físicas e organolépticas, sinalizações essas exigidas pelo consumidor final.
Temos uma mudança significativa na cultura de como gerir a propriedade rural, ainda muito discreta, porém com números já interessantes.
Todas essas colocações refletem um equilíbrio interessante para posicionar o Brasil como fornecedor de alimentos, e para o futuro cabe entender que somos ainda um país com grande potencial, ainda não aproveitado da maneira correta. A pecuária se destacará e só sobreviverá nesse contexto se trabalhar com alta tecnologia, alcançar índices comparáveis aos da agricultura, estabelecer ações políticas, sanitárias, logísticas e mercadológicas a favor da cadeia da carne, anelando os setores e trazendo desenvolvimento para todos eles.
0 Comments
Parabéns ao BeefPoint por abordar este tema tão pouco discutido e que é muito importante para o aumento da produtividade na pecuária.
Conheço pessoalmente o Paulo Costa e já pude verificar alguns dos seus trabalhos na prática.
Cabe salientar que através de cursos internacionais, alguns frigoríficos já estão atentando para a questão do transporte do gado e melhorando o processo.
Adorei este artigo, pois foi realmente o que foi dito num curso de qualidade e conservação do couro ministrado pelos curtumes do Brasil. Onde o manejo da qualidade do couro gera qualidade na carne diminuindo as perdas.
Parabéns!