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Pedro de Camargo Neto: necessidade de mudanças no SISBOV


Pedro de Camargo Neto é pecuarista em São Paulo e doutor em engenharia de produção. Foi um dos fundadores do FUNDEPEC (Fundo de Desenvolvimento da Pecuária de São Paulo), sendo seu presidente de 1991 a 2000. O Fundepec foi a primeira entidade privada a realizar ações no combate a febre aftosa em parceria com o serviço público.

Foi presidente da Sociedade Rural Brasileira de 1990 a 1993. Foi também secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento de 2001 a 2002. Atualmente é consultor na área institucional e comércio exterior e conselheiro da Sociedade Rural Brasileira.

Pedro de Carmargo Neto concedeu essa entrevista ao BeefPoint, onde fala sobre as exportações, do controle da aftosa e comenta sobre a necessidade de mudanças na rastreabilidade brasileira.

BeefPoint: O senhor esteve a frente de uma importante secretaria do MAPA durante o governo FHC, num momento em que o Brasil expandiu enormemente suas exportações. Como o senhor vê o atual desempenho das exportações brasileiras?

PCN: O setor agropecuário no Brasil atingiu importante posição que acredito irreversível. Finalmente ocuparemos a posição de destaque que temos direito. Isto foi conseguido através de muito trabalho interno, desde a questão da Lei Kandir que desonerou as exportações de produtos primários, melhores portos e infraestrutura além dos importantes aumentos de produtividade tanto no setor produtivo como industrial além claro do progresso na aftosa para o caso da pecuária.

BeefPoint: Quais são os desafios para expansão das exportações em volume e principalmente em valor? O que precisa ser feito para aumentar o valor agregado das exportações de carne brasileira?

PCN: Volume e valor, precisamos dos dois. A primeira obrigação é erradicar a aftosa de maneira definitiva. Estamos patinando e acostumando a conviver com a doença. É preciso também se preparar para atender um consumidor cada dia mais exigente em questões sanitárias e organolépticas. Existirão nichos e segmentação do setor de carne bovina.

BeefPoint: Como o senhor avalia a evolução do controle da aftosa? O que precisa ser feito para erradicarmos em todo o Brasil, tendo em vista que ainda existem grandes desafios no Nordeste, por exemplo?

PCN: No nordeste sim, e pior do isto, no Paraguai e Bolívia, regiões pecuárias mais integradas com o rebanho do centro-oeste do que a região nordeste. Não existem dúvidas, é repetir o que já foi feito, vacinar, vacinar e vacinar e para conseguir isto é preciso existir vigilância sanitária, controle de trânsito e rebanho, barreiras, multas e tudo que fizemos e é o motivo de termos chegado aonde chegamos.

BeefPoint: Qual é o seu posicionamento em relação a rastreabilidade no Brasil?

PCN: O consumidor mostra-se cada vez mais preocupado com a segurança dos alimentos e do ambiente em que são produzidos. A rastreabilidade veio para ficar. O aparecimento do primeiro caso de Encefalopatia Espongiforme Bovina nos EUA acelera esta tendência. Precisamos nos preparar para isto.

Infelizmente o programa do Ministério da Agricultura, o SISBOV, que tem sido apoiado por muita gente do setor, está equivocado. O SISBOV ignorou todo o sistema de saúde animal existente. O cadastro de propriedades e do rebanho desenvolvido para a febre aftosa precisaria ter sido fortalecido com o acréscimo e aprimoramento de informações. A rastreabilidade da aftosa era e continua sendo um importante ponto a ser trabalhado.

Cadastraram quase 10 milhões de bovinos. Um investimento privado de cerca de R$ 30 milhões. O máximo que indica atualmente é que o animal possui um brinco na orelha por um mínimo de 40 dias. Esta informação é irrelevante para qualquer análise sobre a saúde do rebanho ou mesmo do bovino identificado.

Lamento dizer isto, mas está mais para “piercing” bovino do que rastreabilidade. A falta de credibilidade do programa dificulta vislumbrar um futuro promissor. Deixo de comentar os boatos que ficam para a fiscalização oficial ou jornalismo investigativo.

Será preciso recomeçar tudo de novo. Fortalecer o cadastro da aftosa, acrescentar informações sobre as propriedades e rebanho. Construir aos poucos com a obrigação: só dar um passo quando o outro estiver consolidado e trabalhar sempre com seriedade, nunca admitir a fraude. Existe um conceito básico: quem paga pela rastreabilidade, isto é, a qualidade adicional fruto da informação que contem, é o consumidor, nunca o pecuarista. O consumidor deve receber o que deseja e está disposto a pagar.

Se ele quer rastreabilidade individual vamos nos preparar para oferecer, será complexo, caro e não se fará de improviso.

BeefPoint: Como o senhor vê o avanço da agricultura em áreas de pecuária? Qual será o impacto disso na velocidade das mudanças que a pecuária vem vivenciando?

PCN: O avanço é positivo, valorizou nossas terras. A velocidade de transformação da pecuária já era enorme e continuará firme.

BeefPoint: O senhor acredita numa possível mudança na relação entre frigoríficos e produtores? Como essa relação pode se tornar mais transparente e tranquila?

PCN: Acho que até tem melhorado, falta, porém colocar ordem nesta questão do peso e balança que deve ser liderada pelos frigoríficos sérios. Não sei como aceitam conviver com este grau de desconfiança.

BeefPoint: Qual a sua visão de futuro da pecuária de corte no Brasil?

PCN: Muito, muito, promissor. Precisamos, porém trabalhar de maneira mais organizada.

0 Comments

  1. Vantuil Caneiro Sobrinho disse:

    Como sempre o Pedro emite opiniões abalisadas e firmes, que sem dúvidas são necessárias ser ouvidas por aqueles que tem o poder de legislar sobre o assunto.

  2. Edgard Pietraroia Filho disse:

    Primeiramente gostaria de dar o meu parabens a Pedro de Camargo Neto pelos comentarios sobre a rastreabilidade (SISBOV), que foram claros e precisos.

    Achei a analogia da identificaçao animal através de brincos com colocação de “piercing” interessante, mas gostaria de ressaltar que as normas do SISBOV para a rastreabilidade de origem, alimentar e sanitária, se cumpridas, nos dariam a credibilidade necessária para encararmos este desafio (de um processo globalizado e sem volta), de maneira séria e com ética.

    A irresponsabilidade e permissividade com que o assunto foi tratado pelos órgaos competentes e pela maioria dos envolvidos no processo ao longo destes dois anos foi assustador, mas mesmo frágil em alguns pontos o programa vem evoluindo, e o que realmente precisamos para deslanchar é a fiscalizaçao ostensiva do Ministério e punição contundente aos que estão encarando o processo como uma oportunidade de ganhar dinheiro a qualquer custo.

  3. Pedro de Camargo Neto disse:

    Caro Edgard,

    Agradeço seus comentários. Existe uma contradição entre as normas do SISBOV e seu processo de implantação. Será sempre essencial que a rastreabilidade, isto é, o valor agregado ao produto fruto do conhecimento do processo produtivo, seja do interesse do consumidor e este esteja disposto a pagar por isto. Quando ninguém esta disposto a pagar pela informação adicional ela não é desenvolvida. Para alguém estar disposto a pagar a informação precisa dizer alguma coisa.

    O SISBOV pretendeu fazer muito começando pelo lado errado. Quis fornecer algum tipo de informação sobre o animal individual acabado. Pretendia, ou talvez ainda infelizmente pretenda, aos poucos ir rastreando um período maior ate chegar ao bezerro. Começaram com 40 dias, deverão ir a 90 dias e chegaria no final ao nascimento.

    Acontece que um brinco nos 40 dias finais do animal é mesmo “piercing”. Não tem qualquer relevância técnica. Não diz quase nada sobre o animal ou seu processo produtivo. Não tem real valor. A carne de um animal com ou sem brinco é a mesma seja do lado sanitário ou organoléptico.

    Dirá o MAPA que no final do processo a informação seria muito importante. Que a identificação individual desde o nascimento é mais do que a Europa ou EUA tem hoje. Que o SISBOV esta ainda em implantação. Será preciso porém chegar ao final.

    É verdade, porém escolheram um processo de implantação complexo, para uma identificação individual dificílima e não conseguiram garantir credibilidade. Pretenderam em um país de dimensão continental onde nem a população humana é corretamente identificada fazer isto nos bovinos que sequer ainda são todos vacinados contra aftosa. Infelizmente fracassaram. Exigiram muito da fiscalização oficial, que sabemos é frágil para questões muito mais importantes do que “piercing”.

    Repito, o grande equivoco foi ignorar todo o sistema de saúde animal existente. O cadastro de propriedades e rebanho desenvolvido para a febre aftosa precisaria ter sido fortalecido com o acréscimo e aprimoramento de informações. A rastreabilidade da aftosa era e continua sendo um importante ponto a ser trabalhado. O controle de vacinação e movimentação do rebanho bem como a já existente emissão de guias de transito, um sistema de vigilância epidemiológica frágil, com tendência de entrar em decadência, mas responsável pelo inegável sucesso na questão da febre aftosa, foi ignorado.

    É preciso construir começando pela base e não o inverso. Adicionar informações ao animal aos poucos. Primeiro: é vacinado contra aftosa. Segundo: vem de uma fazenda com praticas zootécnicas adequadas. Terceiro tem toda a sua vida controlada.

    Abraço,

  4. Pedro Eduardo de Felício disse:

    É impressionante a capacidade do Dr. Pedro de Camargo para fazer um diagnóstico da problemática atual da cadeia produtiva da carne bovina, com ênfase para o Sisbov (rastreabilidade). Penso que as lideranças do segmento de frigoríficos deveriam promover uma reunião de revisão de conceitos a partir dessas e de outras idéias do ilustre engenheiro da pecuária brasileira.

  5. Luiz A.M.Villela disse:

    É sempre interessante observarmos a reação perante o óbvio quando emitido por pessoas de credibilidade. O SISBOV nasceu, já tem nome, mas acredito que a função principal será proporcionar a integração entre os elos da cadeia pecuária, para que informações adicionais ao GTA que ele agregue sejam passíveis de ser transmitidas ao longo da mesma, com informações sobre a sanidade e qualidade individual de cada rês e das fazendas onde se originaram orientadas ao consumidor final, e das carcaças e couros de qualidade obtido das mesmas, informando de forma retroativa ao pecuarista, pois a rastreabilidade é uma via de mão dupla.

    O valor que ela agregar à carne de qualidade obtida sempre será proporcionado pela interação adequada entre o produtor e a indústria. E os dois necessariamente merecedores do fruto resultante, sendo este processo auditado por uma empresa certificadora desta gestão de informações necessárias a este contexto.

    É imprescindível, para o gradual desenvolvimento e maturidade efetiva do Sisbov, a eficiente e proativa participação das indústrias processadoras de ponta, focando que aumento de volumes exportados, balizados nos menores preços praticados pelo comércio mundial, não são estimulantes para seus fornecedores de gado de qualidade.

    Parabéns por seu comentário, Dr. Pedro, que na minha modesta opinião, juntamente com o ex ministro Pratini, são dois “esteios de aroeira”, firmes e a toda prova, na defesa dos interesses da pecuária brasileira.

  6. Antonio Carlos Lirani disse:

    Caro Dr. Pedro,

    Como é bom ler a sua entrevista. Devo ao Sr. a minha entrada nas “trilhas da rastreabilidade”. Muito antes do Sisbov, quando ainda havia tempo. Sentimos que o nosso trabalho valeu a pena quando identificamos que alguém do seu gabarito demonstra alinhamento com aquilo que vimos pregando durante todos estes anos, as vezes ao vento… Chegamos a debater algumas vezes. Aguardamos sua liderança num movimento para colocar nosso sistema de certificação de origem nos devidos eixos.

    Parabéns e um grande abraço.

  7. Edgard Pietraroia Filho disse:

    Caro Pedro

    Primeiramente gostaria de agradecer a atenção da resposta. Muito tenho ouvido dizer sobre a rastreabilidade e certificação em diversos meios de comunicação oficial ou não e confesso que pouco me pronunciei por achar as manifestações oportunistas e na maioria das vezes infundadas ou fundamentadas em opiniões pessoais e ou de interesses promocionais e comerciais. Sou uma pessoa bastante envolvida no processo, apresentei em 2001 um plano de rastreabilidade desenvolvido por mim e uma equipe técnica ao MAPA representado pelo então ministro Pratini de Moraes e seu secretario Luis Carlos de Oliveira, o nosso objetivo na época era atender um pedido direto do mercado atacadista europeu que queria comprar a nossa carne, mas exigia um processo de identificação de origem e sanitária reconhecidas pelo nosso governo, para a nossa surpresa o governo apresentou um compromisso já firmado com o mercado europeu que a partir de 2002 teria que ter um programa próprio, recebemos as prévias do SISBOV e interferimos no que foi possível, bom daí para frente você conhece a história.

    A necessidade comercial fez com que o SISBOV permitisse a inclusão de animais adultos no programa com a proposta de buscarem-se as informações anteriores deste animal, exigência utópica uma vez que as informações de origem e sanitária são coletivas e não individuais, porem os nossos compradores que precisam e querem o nosso produto, verbalmente relevaram este fato e fazem vista grossa até quando os for conveniente. Este fato na minha opinião foi o início das distorções do SISBOV, a permissividade é um câncer que se alastra e degrada o que temos de melhor, que é a moral e a decência. Vi meus companheiros que lutaram desde o inicio por este programa, sucumbirem a interesses particulares e financeiros e cometerem atos ilícitos de validação de certificação que poderiam ter comprometido a pecuária nacional em termos de mercado internacional e comprometeu em muito a evolução de um programa que se bem informado e cuidado já teria mudado a pecuária no que ela tem de mais precioso, que é a produtividade.

    É neste ponto que eu discordo parcialmente com você, a identificação individual não é necessária apenas pelo aspecto de uma exigência internacional, a identificação individual é uma exigência técnica que qualquer empresa de assessoria necessita para tratar a propriedade rural como uma indústria de carne, já foi o tempo dos controles serem no papel e coletivos, hoje a estabilidade econômica obriga a atividade ser produtiva e não especulativa como era no passado e é neste ponto que o SISBOV ira mudar a pecuária, isto se forem retirados dele os abutres que continuam se beneficiando e usurpando de um patrimônio que é do pecuarista.Temos um verdadeiro exercito de técnicos graduados que não tem onde trabalhar e entre nós eu não acredito em rastreabilidade sem acompanhamento técnico, não só na informação mas também nas correções, e na verdade o que veremos na próxima instrução normativa é a autorização oficial para que o serviço de rastreabilidade seja feito na fazenda e depois vistoriado por um técnico, o caminho na minha opinião é o contrario o técnico é que tem que autorizar ou não o trabalho feito na fazenda uma vez que a responsabilidade técnica do serviço é dele e as penalidades também.

    Concordo que as nossas dimensões continentais dificultam o processo mas não o inviabilizam, discordo comparar a identificação humana com a bovina pois uma é uma obrigação social e a outra uma oportunidade comercial e não necessitamos de cem por cento do nosso rebanho rastreado para atender as exportações.

    Na questão do programa de saúde animal existente ter sido ignorado eu concordo cem por cento, todo o SISBOV deveria ser integrado a este sistema e a rede técnica que eu me referi acima não só estaria envolvida com a rastreabilidade como também seriam ótimos colaboradores do serviço das secretarias estaduais, que como nos sabemos são tocadas por verdadeiros heróis que ganham muito pouco para a responsabilidade que tem nas mãos. O governo se fez tão confuso nesta situação que ao invés de integrá-los ao SISBOV os credenciou a serem certificadoras sem a mínima estrutura operacional e querendo sobrecarregar ainda mais os heróis das secretarias.

    Gostaria que você avaliasse estas considerações e a minha proposta é que coloquemos em debate através do BeefPoint a moralização do sistema, já que as falcatruas são aparentes para quem quiser ver, e discutíssemos também ações direcionadas para promovermos a conscientização do produtor da real importância da implantação do sistema

    Um abraço

  8. Breno Augusto de Oliveira disse:

    Excelente a entrevista com Dr. Pedro, porém o reporter esqueceu de perguntar sobre a operacionalização desta rastreabilidade, que na prática é bem dificil devido à qualidade da mão de obra empregada nas fazendas e suas instalações. Para se ter uma idéia de números nas propriedades que atuo nos estados de SP, MG, MS, TO, GO e PR em apenas 40% há brete de contenção.

    Ainda com indústrias frigoríficas sem conscientização da importância deste processo e certificadoras apenas com mentalidade extrativista. Se o Ministério da Agricultura não reunir todos envolvidos na cadeia produtiva, os consumidores de carne vermelha serão (e estão sendo) enganados.

  9. Paulo Sérgio Telles da Cruz disse:

    Parabéns ao Dr.Pedro Camargo Neto pela lucidez da entrevista. As deficiências apontadas no SISBOV são mais do que notórias. Por onde tenho andado, venho chamando a atenção para que se tomem medidas corretivas.

    Da forma como estamos, o programa corre o risco de cair em total descrédito. Não é excessivo lembrar que o principal objetivo do SISBOV, deveria ser conseguir segurança alimentar a partir da sanidade animal.

    Neste particular, para que a supervisão da rastreabilidade, pudesse ter, efetivamente, um responsável técnico, torna-se indiscutível que a atividade deva ser executada exclusivamente por Médicos Veterinários. A luta prossegue. Esta tese, por ser correta, haverá de vencer.

  10. Tito Livio Maschado Jr. disse:

    Concordo com a opinião do Dr. Pedro Camargo Neto e gostaria de reforçar o artigo que ressaltamos os principais problemas do Sisbov e a solução que passa pela utilização da estrutura de saude animal existente.

    Rastreabilidade – Quando o Brasil vai ter?
    Dr.Tito Livio Machado Jr – Medico Veterinário, M.V.P.M., Ph.D.

    Os episódios de doença da vaca louca e contaminação de produtos lácteos pela dioxina, na Europa, geraram um pânico que reverteu definitivamente os critérios da valorização dos produtos de origem animal.

    Com mais de 370 milhões de consumidores, o mercado europeu é um dos mais vastos do mundo. Melhor informados e organizados, os consumidores têm exigências crescentes em matéria de segurança e de qualidade dos alimentos que os profissionais do setor não podem continuar a ignorar.

    Essa nova consciência do consumidor levou a União Européia a definir uma legislação especifica para garantir a segurança alimentar, reafirmando o caráter integrado da cadeia alimentar e que, para garantir a eficácia global, é fundamental assegurar um nível elevado de segurança dos alimentos em todas as etapas da cadeia alimentar, do produtor primário até ao consumidor, exigindo a rastreabilidade dos produtos em todas as etapas da cadeia alimentar. (www.europa.eu.int/scadplus/leg/pt/lvb/f80000.htm)

    No caso da carne bovina, nesse momento em que o Brasil assume a liderança das exportações mundiais, é imprescindível perguntar quando teremos condições de atender às exigências do mercado consumidor? O que acontecerá no futuro, pois, para termos rastreabilidade da carne seriam necessários, no mínimo, três anos, considerando-se que esse animal deveria ser identificado e acompanhado desde a propriedade em que foi parido até o abate.

    Quantos criadores de bezerros estão integrados no sistema de identificação? Qual o lucro e, conseqüentemente, o interesse do criador de contratar uma empresa para fazer a identificação e acompanhamento individual deste bovino?

    Torna-se imprescindível e urgente que se criem mecanismos que incentivem o produtor de bezerro e boi magro a se integrar ao processo, para isso é necessário que o serviço oficial defina uma identificação física permanente e não fraudável que permaneça no animal desde o parto até o abate (ex. brincos metálicos, tipo grampo, que só saem do animal arrancando a orelha(Irlanda)).

    A caracterização física aliada à documentação oficial do SISBOV permitiria que fossem criados preços diferenciados para bezerros e bois magros rastreados, trazendo com isso o interesse na participação efetiva de todos os criadores em uma parcela do lucro marginal, hoje só auferido pelos vendedores de boi gordo, integrados ao SISBOV.

    O esquema atualmente aceito, pela Comunidade Européia, para importar carne do Brasil, deve ser entendido como uma etapa cujo objetivo final é garantir a segurança do consumidor que, se por um lado, o tempo esta ficando cada vez mais premente, por outro, nenhum país no mundo tem melhores condições de oferecer um aval de serviço oficial tão seguro.

    As condições do Brasil, favorecidas pela estrutura dos Serviços Veterinários Oficiais (estadual e federal), mantidos atuantes pelas atividades de erradicação da febre aftosa, permitem que se disponham de informações de todos os estabelecimentos que possuem bovídeos, atualizados através de censo(vacinação contra a febre aftosa), duas vezes por ano, da população por faixa etária.

    Essas informações estão armazenadas em escritórios locais e mantém igualmente todos os dados de movimentação de animais. Com a utilização de tecnologia de informática hoje disponível, é possível lançar essas informações desde a unidade local em uma base de dados a nível central do estado.

    A entrada de informações oficiais, por grupo de animais, como existem nas fichas dos criadores no escritório local, bem como as consultas para permissão de movimentação e emissão do documento de trânsito (com avaliação automática do risco de movimento entre regiões segundo o estado sanitário) poderão ser feitos remotamente, do escritório local, usando softwares hoje já operacionais e disponíveis.

    A segurança da entrada de dados e consultas é assegurada por sistemas de nomes e senhas semelhantes aos hoje usados por terminais bancários, em qualquer parte do país.

    O sistema permite que se tenha uma população fechada de bovídeos, numa área definida (estado), incrementando-a através de nascimentos ou importações e diminuindo-a através de abate (com SIF) ou morte com registros da causa, que em três anos, atualizados pelos censos semestrais das vacinações, tornaria essa base de dados totalmente consolidada e imune a erros ou fraudes.

    As empresas privadas prestadoras de serviços de rastreabilidade individual, teriam permissão de acesso aos dados do estabelecimento, que contratou o serviço, na base de dados oficiais, segundo sua responsabilidade e senha, e fariam a identificação individual dos animais, bem como poderiam solicitar permissões para movimentação de indivíduos entre propriedades rastreadas e ou estabelecimento de abate.

    Nesse processo, seria possível que o criador pagasse por indivíduo rastreado somente para aqueles que tivessem uma valorização na comercialização futura (novilhos), ou por uma consultoria técnica integral para a propriedade como um todo, redundando em aumento da produção e produtividade da propriedade, adicionado do lucro marginal dos indivíduos valorizados pela condição de animal rastreado.

    O cômputo dos totais de animais por grupo, dentro da propriedade, e a movimentação entre os estabelecimentos, é automaticamente acertado pelo sistema, quando da emissão da autorização de despacho dos animais para outra propriedade ou abatedouro (que, no caso, informa o dia e hora do abate do grupo ou indivíduos através de seu acesso remoto à base de dados).

    Experiências reais demonstraram que, era muito importante para a saúde animal (surto de aftosa da Inglaterra), além do trânsito de animais, se registrassem os veículos e empresas transportadoras, para permitir rastrear episódios de doenças disseminadas por veículos de transporte de animais.

    Finalmente é importante ressaltar que só teremos rastreabilidade no futuro, se hoje for criado mecanismo que consiga interessar o produtor de bezerros a se integrar no processo, e que todo o processo de segurança alimentar e a rastreabilidade dos produtos de origem bovina, no Brasil, terão muito mais credibilidade técnica, se o aval oficial for baseado nos sistemas de informações, hoje existentes, nos serviços de saúde animal dos estados, modernizados por ferramentas de informática já disponíveis, economicamente viáveis.

  11. Humberto de Freitas Tavares disse:

    O dr Tito Livio Machado Jr, em seus comentários mostrados em Clique aqui discorre longamente sobre a identificação individual exigida pelo SISBOV, apoiando-se no Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Européia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos gêneros alimentícios.

    Curiosamente, neste Regulamento, mostrado em Clique aqui em nenhum lugar se exige a identificação individual de animais. O parágrafo segundo do artigo 18 é muito claro: “Os operadores das empresas do sector alimentar e do sector dos alimentos para animais devem estar em condições de identificar o fornecedor de um género alimentício, de um alimento para animais, de um animal produtor de géneros alimentícios, ou de qualquer outra substância destinada a ser incorporada num género alimentício ou num alimento para animais, ou com probabilidades de o ser”. Se alguma dúvida restar, podemos consultar a versão em inglês: “Food and feed business operators shall be able to identify any person from whom they have been supplied with a food, a feed, a food-producing animal, or any substance intended to be, or expected to be, incorporated into a food or feed”.

    Venho afirmando repetidamente que a UE não exige a rastreabilidade individual de animais de países de Risco 1 (risco mínimo), como o Brasil. A quem não leu, sugiro consultar o artigo Clique aqui no qual eu relaciono, com links, os regulamentos da EU aplicáveis ao caso.

    É estarrecedor que o MAPA tenha cometido um erro tão crasso. Pior ainda é que esteja insistindo em impor, a um dos setores que mais geram divisas em moeda forte, um regulamento entreguista, oneroso e desatinado. Será que Rodrigues e Furlan já se deram conta do absurdo perpetrado durante o governo anterior e alegremente endossado por seus subalternos?

    Nunca vi um setor tão mal representado como o da nossa pecuária de corte. Pedro de Camargo Neto, Nasser Iunes e Cesário Ramalho foram exceção absoluta num quadro que misturou ingenuidade mal-informada com mercantilismo deslavado. Basta!