Por Paulo Rossetti1
O preço da arroba do boi gordo tem sofrido quedas constantes desde meados de janeiro deste ano. Dentre vários fatores, o mais relevante tem sido a grande pressão que os frigoríficos têm feito sobre os pecuaristas. Um grande número de frigoríficos que trabalham com o mercado interno vem pressionando os preços através das paradas simultâneas das compras de gado, aumentando a oferta de boi gordo, e, conseqüentemente, derrubando os preços. Já os frigoríficos exportadores não participam desta pressão, pois esses são obrigados a seguir seus rigorosos programas de compra de gado meses antes da entrega da carne pré-determinada com os compradores externos.
O otimismo de pecuaristas e frigoríficos é grande para 2004. Tal otimismo se sustenta sobre a expectativa do aumento significativo das exportações de carne bovina brasileira. Este aumento já era previsto, porém o maior otimismo nos números de exportação veio com a notícia da doença da vaca-louca nos Estados Unidos, que tem ajudado o Brasil a conquistar rapidamente novos mercados de carne para a substituição da carne americana. Um exemplo disso é a negociação já avançada para a venda para o Japão, Coréia do Sul e Taiwan. Os Estados Unidos eram os maiores fornecedores de carne bovina para Ásia, exportando 450 mil toneladas anuais; contudo, depois de ter confirmado casos da doença nos EUA, o Brasil tem um potencial alto de assumir grande parte destas exportações. Simultaneamente, os Estados Unidos também poderão começar as importações de carne bovina brasileira, que já era prevista no passado, processo que agora poderá ser acelerado.
De acordo com a ABIEC (Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne), as exportações brasileiras de carne bovina tiveram um aumento de 28,6% em fevereiro comparado ao mesmo mês no ano passado, somando um faturamento de U$ 143,37 milhões. Na comparação contra janeiro deste ano as exportações de fevereiro subiram 28,3%. Em termos de volume, o aumento não foi tão expressivo, significando que os bons preços internacionais e a venda de carne de melhor qualidade têm contribuído bastante para a elevação da receita de exportação.
Boas notícias também vieram com o crescimento de 6,22% do PIB da pecuária brasileira, que teve desempenho de R$ 63,39 bilhões no ano passado comparado ao PIB de R$ 59,67 bilhões da pecuária em 2002.
O grande problema hoje que frigoríficos exportadores estão encontrando é o de achar gado rastreado. A partir do dia 15 março de 2004, entrará em vigor a exigência do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) de compra de gado certificado pelo SISBOV (Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina) pelos frigoríficos voltados para a exportação de carne bovina. Em resumo, a carne exportada terá que vir de gado rastreado, aumentando, assim, a confiança de importadores da compra de carne vinda de gado sadio. A medida tem visa colocar o Brasil no rumo de conquistar novos e mais exigentes mercados quanto à qualidade da carne bovina importada. Anteriormente, somente exportações para a União Européia exigiam o rastreamento.
Se por um lado o rastreamento garante uma melhor qualidade da carne exportada pelo Brasil, por outro a medida tem causado muitos problemas no mercado interno brasileiro de boi gordo, pois, somente uma porcentagem muito pequena do gado brasileiro é rastreada. Por essa razão, frigoríficos exportadores encontram grande dificuldade em encontrar gado com certificado do SISBOV, mesmo sob pressão de recompor seus estoques de boi gordo para abate. Como conseqüência, estão sendo registrados negócios com gado não-rastreado com um deságio de até R$ 2/arroba.
Já era previsto que o gado rastreado se tornaria mais caro do que o gado sem rastreamento. A grande pergunta é se o deságio para o gado não-rastreado desaparecerá à medida que o número de gado rastreado aumente em grandes proporções. O cenário mais provável é de que esse “mercado paralelo” de gado rastreado continue pelo menos até o fim de 2004, pois, apesar de queda na demanda, o mercado interno ainda é muito superior em quantidade do que o mercado exportador. Sendo assim, a demanda de gado sem rastreamento ainda é grande pelos frigoríficos voltados para o mercado interno.
Até que a quantidade de gado rastreado se torne expressiva, o grande risco para o setor é que as exportações diminuam pelo simples motivo de frigoríficos exportadores não conseguirem comprar a quantidade necessária de gado rastreado. Se isso ocorrer o Brasil arriscará prejudicar um importante período de crescimento em suas exportações de carne bovina, por isso o MAPA, necessariamente, terá que encontrar maneiras mais viáveis para incentivar pecuaristas a rapidamente aumentar o número de gado rastreado. O atual incentivo é o ágio automaticamente criado pelo mercado, por isso é provável que ele permaneça até que incentivos mais oficiais sejam criados pelo governo.
Os preços do boi gordo também têm sido muito influenciados pelas condições climáticas do país. As chuvas no centro-oeste, norte e nordeste têm forçado um aumento no preço da arroba, pois, a grande dificuldade de transporte tem diminuído a oferta nestas regiões. Já a estiagem no sul do país tem forçado pecuaristas a ofertar mais agressivamente o gado que se encontra nas pastagens secas.
Apesar das boas notícias para o mercado do boi gordo, a rentabilidade dos pecuaristas tem caído bastante. Enquanto os custos operacionais aumentaram 4,7%, o preço por arroba teve aumento somente de 1,8%. Por essa razão, muitos pecuaristas têm trocado os pastos pela lavoura de soja, onde encontram maiores lucros. Por outro lado, tendo-se em vista um esperado aumento das exportações de carne bovina de aproximadamente 20% no ano de 2004, espera-se que o preço da arroba de boi gordo comece a recuperar já nos próximos meses, o que provavelmente fará com que a margem dos pecuaristas aumente.
0 Comments
Acho conveniente que o CADE seja acionado pelas associações e federações competentes, ligadas ao setor da carne bovina, pois é certo que os frigoríficos e/ou supermercadistas exercem um poder de manipular os preços em detrimento da classe produtora.
Essas paralizações temporárias e coletivas do processo de abate tem nítido objetivo de manipulação de mercado, poderando configurar também lock-out, o que é legalmente proibido.