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Perspectivas da produção de carne bovina no Brasil

Por Antenor de Amorim Nogueira1 e Paulo Sérgio Mustefaga2

A pecuária bovina de corte brasileira vem crescendo, se modernizando e expandindo mercados em um ritmo bastante acelerado, apesar dos eventos sanitários que vem abalando o mercado mundial de carnes nos últimos anos. A produção brasileira de carne bovina em 2004 deverá alcançar 8 milhões de toneladas (t.e.q.), o que representa um crescimento em torno de 4% sobre o resultado de 2003. O rebanho bovino brasileiro também continua a crescer, atingindo 191,2 milhões de cabeças em 2004, conforme dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O abate total em 2004 deverá situar-se em 40 milhões de cabeças bovinas, indicando uma taxa de abate de 21%. A produtividade do setor também vem avançando, com redução da idade de abate e aumento da taxa de desfrute do rebanho. Os ganhos de produtividade têm sido fundamentais face à necessidade crescente de geração de excedentes para atender ao crescimento da demanda do mercado externo e para compensar à perda de rentabilidade da atividade, provocada por custos crescentes e pela incapacidade de repasse dos aumentos de custos aos preços finais, acarretando perdas nas relações de troca da carne bovina com os principais insumos utilizados na pecuária.

O consumo per capita de carne bovina no País vem se mantendo estagnado nos últimos anos, devendo permanecer em cerca de 36,7 Kg, praticamente o mesmo nível de 2003. O baixo nível de crescimento da economia nos últimos anos tem sido apontado como o principal responsável pela estagnação no consumo de carne bovina, especialmente nas classes menos favorecidas, que apresentam taxa elevada de elasticidade-renda da demanda no consumo de carne bovina.

Com os custos da atividade pressionando a rentabilidade do setor, cresce também o desestímulo à atividade, o que pode levar, no médio e longo prazos, a comprometer os investimentos e o crescimento do setor. O aumento da taxa de abate de fêmeas e o avanço das áreas de lavouras agrícolas, principalmente de soja e cana-de-açúcar, sobre as áreas de pastagens são indicadores preocupantes dessa situação. Resta então perguntar se os ganhos de produtividade têm sido suficientes para compensar a perda de rentabilidade da atividade e estimular os investimentos necessários para manter o setor em trajetória de crescimento e desenvolvimento.

No mercado internacional, o Brasil vem ano a ano aumentando sua participação nas exportações mundiais, conquistando novos mercados e expandindo suas vendas para mercados já tradicionais. A desvalorização cambial a partir de 1999 e os problemas sanitários em países concorrentes permitiram ao País ocupar novos espaços no mercado internacional, apesar da tendência de redução no comércio de carne bovina em decorrência da propagação de doenças como a febre aftosa e a encefalopatia espongiforme bovina (EEB). As exportações também vêm crescendo em relação ao total da produção, indicando que o mercado externo vem impulsionando o crescimento da produção brasileira. Em 1998 o País exportava cerca de 6% de sua produção, devendo chegar a 19% do total em 2004. As importações, por sua vez, vêm se mantendo constantes, girando em torno de 1% do consumo doméstico nos últimos anos.

O trabalho realizado no campo sanitário, com a ampliação da área livre de febre aftosa, tem sido fundamental para a comercialização da carne brasileira no mercado externo. Em 2003 o Brasil completou 24 meses sem apresentar nenhum foco da doença. O rebanho brasileiro em área livre de febre aftosa já chega a 161,6 milhões de cabeças, o que representa 84,5% do total. Além disso, o Governo Brasileiro vem trabalhando para obter a certificação da região centro-sul do Estado do Pará e do Estado do Acre como áreas livres de febre aftosa com vacinação, com reconhecimento da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). A previsão para que todo o País seja declarado livre de febre aftosa é 2005.

Em 2003, as exportações brasileiras de carne bovina in natura e industrializada somaram US$ 1,5 bilhão, com o embarque de 1,3 milhão de toneladas em equivalente carcaça (t.e.q.), com crescimento de 29% em relação a 2002. Esse resultado levou o Brasil ao primeiro lugar no ranking dos maiores exportadores mundiais, à frente da Austrália e dos Estados Unidos, historicamente os dois maiores exportadores mundiais.

No primeiro trimestre de 2004, as exportações brasileiras de carne bovina tiveram crescimento de 51% em relação ao mesmo período de 2003, alcançando US$ 483 milhões. Esse desempenho reflete o aumento de 17% no volume embarcado e de 29% de recuperação dos preços médios do período. Os principais mercado da carne bovina brasileira no período foram o Egito, Chile, Países Baixos, Reino Unido, Alemanha e Itália. A Rússia também vem aumentando as compras de carne bovina do Brasil, após a imposição de quotas que reduziram as vendas brasileiras para o mercado russo no início do ano. Considerando os últimos 12 meses, de abril de 2003 a março de 2004, as vendas externas totais de carne bovina do Brasil atingiram US$ 1,67 bilhão (+45,6%), com o embarque de 1,355 milhão de toneladas em equivalente carcaça (+25%). A expectativa é de que as vendas externas brasileiras aumentem entre 15% e 20% em 2004, devendo superar 1,5 milhão de toneladas em equivalente carcaça, com participação de 25% das exportações mundiais.

Além do crescimento dos embarques, a recuperação dos preços de exportação também vem reforçando o desempenho do setor em 2004. De janeiro a março de 2004, o preço médio da carne in natura teve uma recuperação de 34%, em relação ao mesmo período de 2003, passando de US$ 1.583 para US$ 2.124 a tonelada, valor ainda bastante inferior ao praticado em 2000, que foi de US$ 2.670 em média. A carne industrializada teve recuperação de 26% de janeiro a março de 2004, passando de US$ 1.960 para US$ 2.468 a tonelada.

Em que pese o aumento da participação do Brasil no comércio internacional de carne bovina, o setor ainda enfrenta sérias restrições de acesso aos principais mercados mundiais, além de obter baixos preços pelo seu produto, quando comparado a outros grandes exportadores mundiais. Restrições sob argumentos de natureza sanitária, relacionados principalmente à febre aftosa, dificultam a venda da carne bovina in natura brasileira para diversos países. É o caso do Japão, Coréia do Sul, e os países do NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México), que devem importar cerca de 2,7 milhões de toneladas (t.e.q.) de carne bovina em 2004, ou 60% das importações mundiais do produto. O Brasil submeteu-se ao processo de análise sanitária por parte do governo dos Estados Unidos, como parte dos requisitos para acesso ao mercado norte-americano de carne bovina in natura. Mas o processo ainda poderá levar cerca de um ano para ser concluído. Com a aprovação, o Brasil dará um grande passo para poder ter acesso a outros importantes mercados, como os demais países do NAFTA e os mercados asiáticos.

Internamente o Brasil vem desenvolvendo um trabalho importante no campo sanitário, avançando na erradicação da febre aftosa e implantando programas de rastreabilidade e de combate a outras doenças do rebanho bovino, como a brucelose e a tuberculose. O aumento dos controles sanitários, aliado à incorporação de tecnologias ao sistema produtivo, vem permitindo ao País aproveitar as oportunidades do mercado internacional e abastecer o mercado interno com competência. Mas é necessário que o setor público reforce os investimentos na área de saúde animal e apóie também programas sanitários em países limítrofes, como o Paraguai e a Bolívia, para assegurar a consolidação do Brasil como líder absoluto do mercado mundial de carnes.

Apesar do bom desempenho do setor no mercado externo, o pecuarista não tem tantos motivos para comemorar. Pressionado por custos crescentes e preços deprimidos, o segmento de produção primária vem tendo sua renda achatada e não vem recebendo os benefícios do aumento da participação do País no mercado internacional. No médio e longo prazo, o aumento dos custos fixos e a perda de rentabilidade do setor comprometem a capacidade do pecuarista em realizar os investimentos necessários para manter ou aumentar a produção e a produtividade, como a reforma e manutenção de pastagens. Além disso, essa situação representa um desestímulo ao setor, levando muitas vezes o pecuarista a buscar alternativas para sua produção.

Os preços reais médios da arroba do boi gordo, recebidos pelos produtores, no Brasil, mostram tendência de queda a partir de 2002, em relação aos anos anteriores. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, deflacionados pelo IGP-DI, o produtor brasileiro recebeu, em média, R$ 54,47 pela arroba do boi gordo em 2003 (-4,71%), contra R$ 57,16 em 2002 (-2,21%) e R$ 58,45 em 2001 (-0,43%), acumulando uma perda de 6,8% em termos reais entre 2001 e 2003

O setor da carne bovina brasileira vem tendo um ano bastante favorável do ponto de vista da comercialização, mas fraco para o pecuarista, que vem tendo consideráveis aumentos de custos que pressionam a renda do setor. O fraco desempenho do segmento de produção primária pode desestimular a atividade e comprometer a capacidade de crescimento nos próximos anos, que é necessária para fazer frente ao aumento da demanda interna e externa. Um indicador desse desestímulo pode ser representado pela proporção de abate de fêmeas do rebanho bovino brasileiro. De acordo com dados da Pesquisa Trimestral de Abate de Animais, do IBGE, a taxa de abate de fêmeas no primeiro semestre de 2003 foi de 31,9%, contra 23,5% no primeiro semestre de 2002. Essa mesma taxa foi de 34% no mês de junho de 2003, a mais alta desde fevereiro de 1997, quando atingiu 34,5%.

O Brasil está entre os países mais competitivos do mundo na produção de carne bovina e as perspectivas são muito promissoras no mercado externo nos próximos anos. Mas é importante que o setor se articule para reverter a tendência de desestímulo à atividade, de forma a reduzir custos e a promover um crescimento mais equilibrado entre os elos da cadeia produtiva da carne bovina. Nesse sentido, é fundamental que os frigoríficos passem a remunerar melhor os pecuaristas, distribuindo os ganhos auferidos com o aumento da participação do País no mercado internacional, sob risco de comprometer a base de sustentação da cadeia de produção da carne bovina. O setor só poderá manter a força propulsora do crescimento por meio de uma distribuição mais eqüitativa dos ganhos aos agentes da cadeia produtiva.

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1Antenor de Amorim Nogueira é economista, empresário rural e presidente do Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

2Paulo Sérgio Mustefaga é economista e assessor técnico da CNA

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