O Brasil bateu mais um recorde do agronegócio. Dono do maior rebanho bovino comercial do mundo, o País já passou, em dezembro de 2003, os Estados Unidos em número de couros exportados. No ano passado, o Brasil enviou para o exterior 21,8 milhões de couros. Até dezembro, a liderança deverá ser consolidada, com vendas externas de 26 milhões de peles, prevê o diretor-superintendente do Grupo Braspelco, Arnaldo Frizzo Filho. Se for confirmada essa previsão, as exportações brasileiras abrirão uma vantagem de 30% sobre as dos EUA, que estão com volumes praticamente estagnados na faixa de 20 milhões de couros.
A cadeia do couro é um negócio promissor. Entre couros, peles e calçados, o setor movimenta no mundo US$ 43,8 bilhões por ano, duas vezes e meia a receita obtida com carne vermelha e quatro vezes mais que o açúcar, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). As exportações brasileiras da cadeia do couro, que engloba, além da matéria-prima básica, calçados e componentes, ainda representam menos de 10% do negócio mundial. Em 2003, somaram US$ 3,3 bilhões.
Apesar de ser hoje o maior exportador do mundo em volume total, o Brasil ainda está longe de ser o primeiro em termos de receita. O País não consegue obter uma fatia maior da receita de exportação, segundo os representantes do setor, porque grande parte da venda é do couro no estágio semibruto, conhecido como wet blue. Esse couro é cotado a US$ 40 a unidade, ante US$ 60 e US$ 70 do couro semi-acabado, de estágio mais avançado.
Dos 15,6 milhões de couros exportados de janeiro a julho que renderam US$ 710,6 milhões, 9,6 milhões de unidades, ou 61,5% do volume total, são de wet blue, cujas exportações cresceram 34,3% em quantidade e 22,9% em receita ante igual período de 2003. Ao contrário de outros países que taxam as exportações do couro no estágio mais primitivo de processamento para ampliar as vendas externas de maior valor, o Brasil reduziu, desde janeiro, o imposto de exportação de 9% para 7%. A meta é zerar a alíquota em 2006.
Perdas
“Já estamos perdendo espaço no mercado internacional de produtos acabados de couro de maior valor”, afirma o presidente do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Amadeu Pedrosa Fernandes. Ele destaca que por conta dessa decisão do governo, a receita com os embarques de couros semi-acabados caiu 8,6% entre janeiro e julho deste ano ante 2003. O ritmo de crescimento das receitas com exportações de couros acabados desacelerou-se no período: aumentou 38,2% na comparação anual, depois de ter crescido 42,2% entre janeiro e julho de 2003.
Na prática, o boi está dividido entre a carne e o couro. O setor de couros diz que os frigoríficos pressionaram para reduzir as alíquotas porque, além da carne, passaram a produzir o couro wet blue.
Segundo o diretor do Sindicato da Indústria do Frio do Estado de São Paulo (Sindifrio), Hélio Carlos Toledo, o setor entrou na exportação direta do wet blue porque, com a receita extra do subproduto couro, consegue manter o equilíbrio financeiro e banca o custo do capital de giro, que é alto. Ele diz também que os curtumes não têm capacidade para processar todo o couro, argumento contestado pelo presidente do CICB. “Temos 50% de ociosidade”, rebate Fernandes.
Procurado pela reportagem, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) informou que em meados do mês que vem, técnicos do governo vão se reunir com os representantes dos curtumes para reavaliar os efeitos da redução na alíquota do imposto.
Entre os argumentos apontados na época pelos técnicos do governo para sustentar a decisão de reduzir o imposto estão o preço deprimido do wet blue e o aumento da oferta interna em razão do crescimento da produção de carne bovina. O governo também assinalou que o imposto de exportação poderia abrir precedentes para que outros setores reivindicassem o mesmo direito, além do que a taxação poderia provocar processos contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). É que a reserva de mercado para a indústria de couro acabado e de calçados propiciada pela taxação poderia ser vista como concorrência desleal por outros países.
A perda de competitividade das exportações dos curtumes vai além da menor taxação às exportações do couro wet blue. Frizzo, do Grupo Braspelco, ressalta que a exportação do couro wet blue está isenta de ICMS, PIS/Cofins.
Por isso, a indústria brasileira que compra a matéria-prima aqui paga esses tributos e fica em desvantagem em relação aos concorrentes internacionais que fabricam couros acabados, calçados e outros artefatos e se abastecem do couro brasileiro. Juntos, esses três tributos somam uma carga de 21,25% a 27,25%.
“Há uma miopia por parte do governo”, diz Frizzo, ressaltando que para cada milhão de couros exportado em estágio primário, são eliminados cerca de 30 mil empregos diretos no Brasil. Esses postos de trabalho seriam criados na cadeia de produção, se o País estivesse ampliando as exportações de produtos de maior valor agregado. Com essas vantagens tributárias, Frizzo diz que o wet blue é entre 10% e 15% mais barato no Brasil.
Essa vantagem explica o crescimento da receita de exportações para Itália e China, de 19% e de 69%, respectivamente, de janeiro a julho. Asiáticos e europeus estão comprando o couro bruto brasileiro e processando a matéria-prima em seu país. Estão até importando técnicos brasileiros para processar a matéria-prima nacional, já que falta conhecimento para lidar com o couro zebu, que tem características específicas.
Fonte: O Estado de S.Paulo (por Márcia de Chiara), adaptado por Equipe BeefPoint