Por Francisco Vila1
Esse artigo é um comentário sobre o último editorial (Mudando o foco, virando moda e, é claro, tendo muito lucro). Gostaríamos de convida-lo a participar dando sua opinião, comentando e criticando sobre esse tema, através da seção Cartas do Leitor ou com um artigo para essa seção Espaço Aberto. Muito obrigado, Equipe BeefPoint.
Caro Miguel,
Como mostra o teor das cartas de diversos leitores, o artigo ´Foco´ cumpriu sua missão de levantar a poeira criativa. Além disso, espero eu e torço por isso, começou-se a criar uma plataforma de ´diálogo circular´ e de formação de uma ´rede do bem´ que me parece condição indispensável para sair da prática confortável das ´manifestações avulsas´ em direção de uma ação mais coletiva e contínua. Dito isto gostaria, e já incluindo argumentos de outros leitores, colocar alguns pontos à discussão pública.
O artigo do Miguel é oportuno, claro e impecável como ´instrumento de comunicação´. Como tal merece os aplausos e o apoio dos leitores. Porém, já sabemos que o Miguel escreve muito bem e assim podemos passar à próxima etapa, que é a transformação de idéias e voluntarismos em sementes para a modernização da realidade atual que interessa ao vasto universo dos (150.000) pecuaristas brasileiros.
O uso de metáforas fortes é uma ferramenta didática extremamente valiosa, ainda mais quando se trata de atacar a letargia de uma massa amorfa e bastante heterogênea. Mais um ponto ganho para o Miguel e as suas sandálias chiques.
Porém, como o urânio que serve tanto para fins pacíficos (saúde) como diabólicos (bomba), a metáfora é uma matéria prima que pode explodir sem controle de direção. Tendo observado o entusiasmo, que pode e deve ser aproveitado como energizante para a travessia longa e árdua do ´túnel de modernização´ do setor, cabe agora preparar os correligionários desta luta para o ´fogo amigo´ dos cientistas que possam não concordar com a lição sobre a Alpargatas.
Por isto pretendo revelar algumas fraquezas da metáfora que, em parte, já foram abordadas nos comentários (i) e (ii) da carta do Carlos Ortenblad. Juntamente com ele, gostaria de assumir o papel de ´advocatus diaboli´ para depois nos reunirmos, todos, de novo para aproveitar e operacionalizar o élan que as palavras do Miguel impulsionaram. As minhas observações seriam as seguintes:
Sob a ótica didática é sempre muito saudável usar metáforas para explicitar conteúdos abstratos através de imagens já prefixadas na mente do leitor.
Parabéns, as havaianas e o seu sucesso no exterior representam uma ótima combinação, tipo ´corrimão´, para uma mais fácil compreensão dos desafios mercadológicos que a carne bovina está enfrentando. Porém, o problema do uso de metáforas reside no perigo de não acertar no alvo específico, pois a generalização é o inimigo do foco, o Duda Mendonça e o nosso presidente que o digam.
Não dá para comparar success stories de mercados com estruturas diferentes. E é ainda menos recomendável comparar a formulação ´estratégica unipolar´ com as necessidades de uma ´estratégica pluralista´. [Só o comparável pode e deve ser comparado!]. Passo a explicar:
No caso da Alpargatas bastava uma pessoa (ou no máximo um pequeno project team) para 1o tocar-se (acordar), 2o decidir e 3o executar uma estratégia de reorientação do foco de marketing de um produto que se encontrava num ponto avançado do ciclo de maturidade (veja os estudos de Ichak Adizes). Por isto é correta a colocação ´reinventar´ (algo que, em sua essência qualitativa, já existia antes).
No caso da carne bovina são 150.000 tomadores de decisão que são operadores no mercado (numa concorrência exemplar, conforme os requisitos mais perfeitos de Adam Smith) que precisam:
– 1o conscientizar-se,
– 2o tomar decisões (que envolvem sempre uma boa porção de capital de giro) e
– 3o desenvolver uma nova ´disciplina de execução´.
Ou seja, no bem da verdade, não dá para comparar. E assim, a metáfora, em termos científicos, não funciona. Isto, no entanto, não diminui o mérito de seu esforço no sentido de ´esclarecer´ e ´cutucar´ um grande público espalhado num imenso território.
Um segundo aspecto problemático é a transferência da imagem de um produto que precisava apenas uns toques complementares (havaianas) para um produto longe de ser consolidado (carne bovina).
A nossa carne (sempre falando da média) ainda não corresponde aos requisitos de qualidade e sanidade conforme padrões internacionais. Nos poucos casos em que isto acontece (1 a 2% do universo), a regularidade do fornecimento passa a ser o problema (confiabilidade). E se isto for resolvido resta ainda toda a problemática da logística que também tem a ver com ´qualidade´, ´pontualidade´ e ´custos´. Ou seja, não falta apenas ´embalagem´ (onde a propaganda é de fato a alma do negócio); falta, sim, ainda muito ´conteúdo´ ao produto.
O terceiro aspecto é a diferenciação do posicionamento da Alpargatas e do produtor em suas respectivas ´cadeias de valor´. A Alpargatas usa uma commodity tecnicamente simples como matéria prima, fabrica o produto final e ajuda o comércio (através de um inteligente CRM) a escoar a produção através de canais tradicionais e novos de distribuição.
O caso do pecuarista é diferente: ele depende de um fornecimento de uma matéria prima mais sofisticada (bezerros com características específicas para produzir carne de qualidade) e com maior regularidade. Depois, ele ainda precisa melhorar o sistema de produção para conseguir produzir carne de qualidade de uma forma mais padronizada. Por final, e aí está a diferença, ele não manufatura um produto final! Isto é tarefa do ´processador´ e ´confeccionador´ que são os frigoríficos, cada um com perfis de produção diferenciados. Ou seja, não existe ´um produto´ no qual se podia focar e o nosso produtor representa apenas uma parte (o ´elo fraco´ entre criador e frigorífico) cuja contribuição é importante, mas não suficiente.
A propaganda não é (mais) a alma do negócio. Este é um conceito dos anos 70 ou, no cenário atual, do ´mensalão político´. Hoje, a alma do negócio passa a ser a relação de confiança com o cliente, como referido no artigo. Uma aftosezinha no Pará, por exemplo, poderia estragar todo o esforço da propaganda. Ou seja, a metáfora é muito valiosa para incentivar um processo de reflexão no leitor (aliás, objetivo e tarefa principal e legítima de um portal), mas ela induz a erros estruturais se for levada à segunda etapa, a da implementação do processo de modernização.
Caro Miguel, eu também costumo usar metáforas e também já entrei diversas vezes numa fria quando um ouvinte atento me chamou a atenção sobre a ´inviabilidade´ da minha comparação. Felizmente, estes ´chatos atentos´ são raros (no caso presente sou eu e talvez o Ortenblad) e assim a ´razão do estado´ (= cutucar os 150.000 produtores) se sobrepõe de forma legítima sobre o ´primado da verdade´ que teria que condenar a metáfora usada.
Pois, nada neste mundo é perfeito! E neste sentido peço perdão aos colegas Janete e Bogas que entenderam muito bem a mensagem principal do artigo sobre o FOCO e não se preocuparam com detalhes de segunda ordem. No entanto, as explicações aqui registradas podem eventualmente servir para preparar uma defesa, no caso de outros chatos pipocarem no horizonte. De resto, repito, o artigo é bem escrito e muito útil para a ´causa´.
Abraços construtivos,
Francisco Vila
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1economista e consultor
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Meu caro Francisco,
“A Alpargatas mudou seu foco, mudou o paradigma. Antes era focada em produção, em produto, em custos. Agora é focada no cliente. No momento estuda a oferta de total customização dos pares de sandálias, isto é, você vai à loja e escolhe exatamente qual cor, tira, modelo deseja, faz “a sua sandália”. A empresa deseja oferecer o conforto emocional junto ao conforto físico, que já oferece”.
Comecei com esse pequeno trecho, pois achei a parte mais importante do uso de comparativo metafórico feito pelo Miguel, sou leitor assíduo dos comentários do mesmo e acredito que como você elogiou e fez uma crítica construtiva sobre o artigo dele, aproveito para dar mais uma “cutucada” em nossa classe pecuária, não somente aos produtores, mas como um todo, precisamos quebrar “OS PARADIGMAS” muito bem falado e ter mais atitude, queremos vender sermos bons então temos que mudarmos a nossa velha e arcaica forma de pensar e sermos mais empresários do negócio, ver que tem saída para essa crise e “copiar” experiências de sucesso…
Olhar para dentro de nosso negócio “ver o cisco no olho do vizinho é fácil, e muitas vezes não vemos a tora no nosso próprio olho”… Comecemos logo… Atitude.
É uma grande distância se percorre com o primeiro passo… O qual vejo tem muita gente com preguiça de dar… E sobre os 150.000 pecuaristas eles precisam de ajuda de alguém que os auxilie… Nossa função como consultores é encontrar a forma de levar até eles essas mudanças.
Obrigado pelo espaço.
Leandro Carlos Freling