Atualmente é sócio-diretor da Boi & Beef Consultoria, empresa voltada as atividades agropecuárias, atuando desde a produção animal (nutrição), processamento (produção, fluxo industrial e C.Q) nos frigoríficos e projetos de viabilidade econômica.
Marcello concedeu essa entrevista ao BeefPoint onde fala sobre os desafios dos projetos focados em produção de carne de qualidade.
BeefPoint: Como o senhor analisa a evolução do relacionamento do produtor com a indústria frigorífica?
Marcello Anastasio: Quem está procurando pelo melhor relacionamento é a indústria frigorífica, principalmente plantas exportadoras, com intuito de acompanhar as exigências que o mercado internacional vem impondo. Vejo como um grande caminho a ser percorrido, mas, por outro lado, como uma evolução.
BeefPoint: Quais os desafios enfrentados pelos produtores especializados em produzir carne diferenciada hoje?
MA: Para estabelecimento de carne diferenciada ou carne com marca, devemos ter em mente a preocupação de um fornecimento constante (ano todo), volume definido e produto padronizado.
Os grandes atrativos em investimentos em pecuária de corte, são alta liquidez e baixo risco e essas características são colocadas em cheque a partir do momento em que o projeto se define pelo desenvolvimento de um sistema de produção de carne diferenciada, pois além de assumir um custo de produção maior, perde liquidez e aumenta o risco do negócio.
Em resumo, a definição de volumes e padrão animal deve ser muito bem discutida entre os participantes da cadeia (Produtor, Indústria e Varejo), pois a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. O excesso de oferta prejudica as empresas que produzem carne diferenciada.
BeefPoint: Qual o caminho para garantir uma melhor remuneração do produtor, por esse produto diferenciado?
MA: Quando os frigoríficos exportadores deixarem de defender individualmente sua qualidade de carne e adotarem uma metodologia em comum, como por exemplo avaliação e classificação de carcaças, pré-abate e outros, para atender o mercado, estariam adotando uma regra, onde, a produção, para conseguir uma melhor remuneração deveria se adaptar a atender, caso contrário, tudo pode ser comprado.
BeefPoint: O que os frigoríficos estão exigindo, quando falam em carne de qualidade?
MA: Hoje quem dita a regra é o mercado. No caso da exportação, compradores dos nossos produtos exigem mudanças até mesmo estruturais em plantas frigoríficas (processamento) para minimizar riscos ao consumidor final. Podemos dizer que este é um lado da moeda, que somado ao outro (produção), ou seja o chamado “animal ideal” , que oriunda uma carne macia e suculenta.
BeefPoint: A demanda por serviços de auditoria de abates vem crescendo? Por quê?
MA: Existe uma diferença entre auditoria de abate e acompanhamento de abate. Quando este trabalho é executado por um técnico capacitado e treinado pode-se afirmar que é uma auditoria de abate, estabelece um histórico do produtor, por propriedade e o desempenho dos animais (rendimento e manejo adotado).
Bem como aponta determinadas falhas operacionais na indústria, resultando numa melhora de rendimento de carcaça. Deve ser aplicado dentro dos padrões adotados em cada sala de abate.
Às vezes, imagina-se que somente o acompanhamento de abate resulta em benefícios ao produtor. Mas este deve ser somado a outros fatores: transporte, jejum e dieta hídrica, que contribuirão para os resultados positivos.
Empresas agropecuárias clientes estão satisfeitas com os resultados obtidos.
BeefPoint: Quais os principais pontos críticos que devem se observados pelos produtores ao vender seus animais a um frigorífico?
MA: Sem dúvida nenhuma, seria a idoneidade do frigorífico com relação aos vencimentos. No processamento, procurar saber por intermédio de outros produtores que já realizaram trabalhos nesta planta, se ficaram satisfeitos com os resultados obtidos.
BeefPoint: E a demanda por construção (ou compra/arrendamento e melhorias) de plantas frigoríficas por produtores ou associações?
MA: Está sendo uma tendência. Associações realizando trabalhos em conjunto com frigoríficos. Destinam os animais dos associados para o abate, contratam uma empresa de consultoria no ramo para acompanhar o processo.
Outros formatos são: grupos de pecuaristas, muitas vezes concentrados numa determinada região, para arrendar e até mesmo comprar uma planta que atenda suas expectativas.
Esse formato sugere um trabalho de consultoria bem centrado, para apontar os benefícios ao grupo de produtores, bem como os riscos.
BeefPoint: Como o senhor avalia essa tendência? É possível que produtores venham operar frigoríficos, com alta eficiência e rentabilidade?
MA: Tudo é possível. Existe quem queira fazer sozinho, ou seja, não participar em grupos para produzir e processar, e outros que se juntam e formam grupos de produção e processamento. Acredito muito nos dois modelos. Como dito anteriormente, o resultado está diretamente relacionado a um estudo preliminar, que apontará os riscos do negócio.
Quando o negócio estiver produzindo, a equipe técnica deverá ser avaliada pelo seu desempenho, que estará diretamente relacionado ao sucesso esperado, sucesso este que poderá ser comparado aos grandes frigoríficos exportadores.
BeefPoint: Como o senhor avalia a comercialização de cortes especiais no mercado interno, atualmente? Quais são os gargalos?
MA: No Brasil, podemos afirmar que problemas de grande escala comercial com relação aos cortes nobres são menores, isso se deve a nossa cultura que é voltada a um bom churrasco.
Já os cortes menos nobres do traseiro (que são consideradas as carnes de primeira) e os cortes de dianteiros (segunda), que fazem parte do mix de um animal considerado de qualidade, tem gargalos na comercialização, ou seja, não acompanham os preços sugeridos.
BeefPoint: Nos últimos meses estamos recebendo visitas de auditoria internacional (EUA e UE) e não estamos tendo o sucesso que esperávamos. Como o senhor avalia os controles de qualidade atualmente adotados pelos frigoríficos brasileiros?
MA: Auditorias de missões internacionais sempre existiram no Brasil. Acontece que hoje estamos no topo da produção de carne “in natura”, isso chama atenção de países que gostariam que não estivéssemos nesse patamar, bem como para nossos clientes.
Os frigoríficos fazem os controles pertinentes, seguem o que está sendo proposto pelas missões.
Acontece que, somente isso não basta, eles querem uma aproximação do produtor com o frigorífico, introduzindo diversos controles e regras para garantia da cadeia produtiva de carne nacional, como: SISBOV/rastreabilidade, BPFs nas propriedades e protocolos certificados.
BeefPoint: Recentemente o Brasil teve sua avaliação de risco para EEB rebaixada. Estamos enfrentando problemas com a rastreabilidade. Quais suas sugestões para produtores que visam uma produção diferenciada, nesse cenário de incerteza sanitária?
MA: Produtores que praticam corretamente o SISBOV irão sair na frente. Se a tendência é produzir carne com qualidade, produzir seguindo este conceito corretamente, será de grande importância para uma produção diferenciada, quebrando qualquer tabu de incerteza sanitária, podendo dormir tranquilo.
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Parabenizo o entrevistado Marcello Anastásio pela entrevista.
Gosto, sobretudo quando ele diz que os frigoríficos exportadores devem deixar de defender individualmente sua qualidade de carne e passar a adotar uma metodologia em comum, como por exemplo avaliação e classificação de carcaças, pré-abate etc.
Isto é muito importante porque se cada frigorífico quiser trabalhar individualmente a definição de uma boa mercadoria, os pecuaristas ficarão muito confusos.
Acrescento que é preciso separar muito bem aquilo que é intrínseco ao boi (a qualidade determinada pela genética, manejo e alimentação) daquilo que é “fator humano”, por exemplo, problemas de lesões por vacinas e medicamentos que causam lesões ou de transporte que causam hematomas.
Se a indústria desclassificar carcaças por “fatores humanos” precisa separar isso para o pecuarista saber o que é preciso mudar para melhorar, mas se apenas desclassificar ou descontar no valor pago pela boiada, não haverá estímulo para melhoramento zootécnico.
Quando se classifica carcaça a parte referente às características da carcaça como maturidade (idade), peso, acabamento, desenvolvimento muscular, precisam ser mantidas bem separadinhas de outros critérios para não confundir o pecuarista, não dá para misturar, por exemplo com descontos porque o gado foi entregue além de tal hora da tarde nos currais do matadouro.
Mais uma vez, parabéns pela sua dedicação e por ser um profissional que não pára de estudar.
Muito oportuna a entrevista feita com o Marcello, pois conheço bem a qualidade dos seus trabalhos, bem como a seriedade dos mesmos.
Gostaria apenas de ousar complementar em alguns pontos.
A remuneração dos pecuaristas, com base no sistema diferenciado, deve atender a critérios objetivos e subjetivos, onde os objetivos são de fácil mensuração e mais pálpáveis de resolução, sem demanda de muitos investimentos. Como é o caso do manejo adequado, carregamento adequado, etc.
Já os subjetivos, seriam determinantes quanto a genética, etc, tendo a ver com o acabamento da rês e dependem de investimento contínuo por parte dos pecuaristas.
Com isso, creio que deva haver uma tendência a se convergir os interesses indústria x pecuaristas, pois por anos a fio, viviam em pé de guerra.
Hoje, os mais sintonizados com a globalização tendem e perceber que os dois se interpolam. É algo ainda meio utópico, mas, imaginemos que a mesma parceria seja feita nos moldes da indústria automotiva, onde um estimula o crescimento do outro e todos ganham, até mesmo porque, um não vive sem o outro.
Com isto, falando em crescimento, gostaria de finalizar apontando que realmente todos os negócios tem seu risco, mas as parcerias e outras formas de administrar a indústria frigorifica, como bem citada pelo Marcello, se bem planejada e mensurada, terá uma boa TIR, desde que feito um Pay Back com as premissas mais próximas possíveis da realidade.
Desta forma, deve-se ter em mente que o sucesso de uma indústria desta envergadura, depende de um bom acompanhamento técnico industrial, bem como uma boa administração, alinhada com as mais modernas tendências, bem como visando esta parceria.
Parabéns Marcello, pelo seu excelente trabalho hercúleo para mudar os parâmetros do mercado em que atuamos e vivemos!
Parabéns pelas palavras. É sempre bom estarmos ouvindo as pessoas certas falando de determinados assuntos de que tem domínio.
Mas gostaria de saber se novas plantas de frigoríficos e até as antigas estão se adequando aos brincos, ou seja, já estão bolando a identificação das carcaças pelos brincos do SISBOV ou só está no papel?
Pois o tão falado rastreamento, quando colocado em prática na fazenda, não tem tido continuidade no frigorífico. No caso de uma carcaça apresentar problema (doença), não está sendo possível rastreá-la nas etapas anteriores, já que o brinco é arrancado antes (no momento da retirada do couro) e então não há como identificar individualmente este animal.
Já existe frigorífico que, ao fornecer o peso da carcaça, forneça o número do brinco desta?