Cinco agências das Nações Unidas recomendaram que os governos empreendam uma profunda transformação nos sistemas alimentares em seus países para garantir a oferta de comida saudável, a preços acessíveis, e sem reflexos negativos ao ambiente. As mudanças podem ter consequências no médio e longo prazos para o Brasil, um dos maiores produtores e exportadores globais de produtos agropecuários.
O relatório anual sobre segurança alimentar e nutrição no mundo foi elaborado pela agência da ONU para agricultura e alimentação (FAO), pelo Fundo Internacional para a Agricultura (IFAD), pelo Fundo das Nações Unidas para as Crianças (Unesco), pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) e também pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O estudo estima que quase 690 milhões de pessoas passavam fome em 2019, cerca de 60 milhões a mais do que cinco anos antes. E a pandemia da covid-19 poderá levar mais 130 milhões de pessoas ao estado de fome aguda até o fim de 2020. A má nutrição passou a atingir 48 milhões de pessoas na América Latina — esse número poderá se aproximar de 67 milhões até 2030 —, enquanto a subalimentação continua a avançar rapidamente em países da África.
A questão não é apenas ter alimentos, mas também uma dieta saudável capaz de evitar excesso de peso e obesidade. A constatação é que cerca de 3 bilhões de pessoas não podem ter acesso a alimentação saudável por causa de seu custo elevado. Segundo o relatório, somente custos “escondidos”, resultados do rápido aumento do sobrepeso e da obesidade, podem alcançar US$ 1,3 trilhão por ano em 2030. Uma transformação para um regime alimentar considerado saudável eliminaria quase totalmente essa fatura.
Além disso, os atuais padrões de consumo impõem custos estimados em US$ 1,7 trilhão por ano em 2030 em termos de emissões de gases de efeito estufa.. Esse volume poderia ser reduzido em até 74% com a adoção de regimes alimentares à base de vegetais e, portanto, sem carne vermelha. A FAO não recomenda expressamente que a carne vermelha seja banida dos cardápios, mas prega, se possível, uma maior diversificação. Mas o fato é que a pressão por um menor consumo de carne vermelha vai continuar aumentando por razões ambientais e de saúde.
A agência da ONU lista quatro tipos de dietas alimentares “alternativas”. A flexível (FLX) inclui um pequeno consumo de carnes em uma refeição com 2.300 calorias, enquanto a dieta “pescatorian” (PSC) exclui completamente as carnes, exceto os pescado, e valoriza legumes e frutas. Também estão no rol as dietas vegetariana (VEG) e vegana (VGN).
A qualidade do regime alimentar compreende diversidade, adequação, moderação e equilíbrio. Para a FAO, numa alimentação saudável menos de 30% do aporte energético total deve vir de matérias gordurosas, com modificações desse consumo para passar de gorduras saturadas a não saturadas e à eliminação de gorduras trans-industriais. Também menos de 10% do aporte energético deve vir de açúcar. O consumo de frutas e legumes, segundo a agência, deve ser de, no mínimo, 400 gramas por dia, e o consumo de sal não pode superar 5 gramas diárias.
Ocorre que o custo dessa alimentação saudável é 60% superior ao de uma alimentação suficiente em nutrimentos, e era cerca de cinco vezes mais elevada que uma alimentação suficiente em energia em 2017. Lácteos, frutas, vegetais e produtos ricos em proteína são os mais caros no grupo alimentar em geral.
No Brasil, o custo de uma alimentação com aporte energético suficiente é estimado em US$ 0,82 — ou 18,5% do orçamento alimentar de uma pessoa. Já no caso de uma alimentação saudável, portanto com mais frutas, legumes, lácteos e um pouco de carne, a conta sobe para US$ 3,03, ou 68,3% do gasto com alimentação. A FAO calcula que 30,1 milhões de brasileiros (14,5% da população) não têm dinheiro para esse tipo de dieta.
O relatório mostra que o número de adultos obesos no Brasil aumentou de 28,4 milhões, em 2102, para 33,3 milhões em 2016. E calcula que o custo com tratamentos de saúde relacionados à obesidade no país pode aumentar de US$ 5,8 bilhões, em 2010, para US$ 10,1 bilhões em 2050.
As agências da ONU defendem, ainda, intervenções ao longo de toda a cadeia de suprimento alimentar, na área ambiental e na formulação de políticas comerciais, de gastos públicos e de investimentos. Sugerem reequilíbrio nos incentivos na área agrícola. Notam, por exemplo, que os governos subsidiam fortemente açúcar, arroz e produtos animais, ao mesmo tempo em que penalizam a produção de frutas e legumes mais nutritivos, como tomates e bananas.
As agências defendem ações governamentais para melhorar a eficiência na estocagem de alimentos e no processamento, empacotamento, distribuição e marketing, e ao mesmo tempo defendem redução de perdas e do desperdício. E sugerem, finalmente, a taxação da produção de alimentos com grande uso de energia e adoção de regulamentações no marketing da industria alimentar.
Fonte: Valor Econômico.