A nova rodada de confinamento social na Europa pôs os exportadores brasileiros de carne bovina em alerta. Destino privilegiado para cortes mais nobres como filé mignon e bife ancho, o bloco costuma incrementar o retorno da linha de desmontagem de bois de alguns dos principais frigoríficos do país, mas o recrudescimento da covid-19 já está adiando os embarques de carne bovina à UE.
A ascensão chinesa no comércio mundial de carne bovina, é verdade, reduziu bastante a importância da União Europeia como cliente da indústria frigorífica brasileira nos últimos anos. Mas o mercado está longe de ser irrelevante e, em tempos de preços galopantes do boi – responsável por 80% dos custos de produção -, ninguém fica feliz ao observar, semana a semana, a desvalorização das cotações da carne.
“Os preços estão caindo muito na Europa. Estamos preocupados”, disse ao Valor o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Camardelli. De acordo com ele, a imposição de lockdown em vários países europeus prejudica as vendas para restaurantes e redes de fast food.
Um exemplo é o filé mignon. Desde agosto, o preço médio pago pelos europeus recuou mais de 20%, de US$ 9,5 mil por tonelada para US$ 7,5 mil em novembro. Esse é o preço de referência do filé mignon mais leve, explicou o dirigente. Os dados são da carne vendida fora da cota Hilton, que tem tarifa de importação reduzida.
A Europa, que há dez anos respondia por 9,5% da carne bovina exportada pelo Brasil e atualmente absorve menos de 5% – os chineses eram inexpressivos em 2010, e agora compram mais de 41% -, reduziu as compras da commodity nacional em 2020 devido ao impacto da primeira onda de coronavírus.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Ministério da Agricultura mostram que os frigoríficos brasileiros exportaram 67,8 mil toneladas à UE, redução de 12% na comparação com o mesmo período do ano passado. Em receita, a queda foi de 8,5% – para US$ 390 milhões -, o que indica que o preço médio até se sustentou, o que não está mais acontecendo.
Além disso, o Brasil está em desvantagem na comparação com os vizinhos Uruguai e Argentina, disse Camardelli. Os dois países possuem acesso à cota 481, que conta com isenção de tarifa de importação e é destinada a bovinos engordados no sistema de confinamento (com dieta baseada em grãos).
“O acesso de Argentina e Uruguai à cota 481 faz com que os preços da carne fiquem ainda mais baixos”, argumentou o presidente da associação. De acordo com ele, o preço médio do “rump and loin” (alcatra e filé migon) vendido pela Argentina, país reconhecido pela qualidade da carne, caiu 48% na Europa desde agosto, passando de US$ 13,5 mil a tonelada a R$ 7 mil.
Camardelli também relatou que importadores europeus pediram aos frigoríficos para postergar os embarques de cargas que estavam programadas para deixar o Brasil, o que atrapalha uma melhor destinação das diferentes partes da carcaça bovina. Os países da União Europeia pagam o melhor preço pela “Zona 1” da carcaça (ver infográfico), que abrange os cortes mais nobres.
“Nos outros mercados, vendo os cortes nobres com deságio em relação à Europa”, disse Camardelli, frisando a importância de realizar bons negócios com os cortes da zona mais nobre. De acordo com as estimativas da Abiec, essa parte do boi responde por apenas 15% do volume da carcaça, mas por 33% do valor.
Para um analista que acompanha de perto a indústria frigorífica brasileira, as vendas à Europa de fato são positivas para a rentabilidade do setor. No entanto, a situação delicada dos países da UE dificilmente fará diferença no preço interno do boi gordo, o que em tese daria algum alívio para frigoríficos que viram a margem apertar por causa da disparada do boi gordo – o preço da arroba aumentou mais de 55% nos últimos doze meses e hoje vale quase R$ 280, um recorde. Nesse cenário, importantes abatedouros que ostentavam margens de 13% a 15% no primeiro semestre agora trabalham com cerca de 5% – quanto mais dependem das vendas no Brasil, pior fica o desempenho.
Em contrapartida, o consumo dos cortes nobres é mais aquecido no mercado brasileiro no fim do ano. Outro dado positivo para a indústria é que o quarto trimestre é o período no qual a China, que já gastou mais de US$ 2,7 bilhões com carne brasileira em 2020, se abastece para o feriado do Ano Novo Lunar.
Fonte: Valor Econômico.