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Proteínas alternativas buscam voos mais altos fora do ‘nicho’

Tem cara de carne, cheiro de carne, textura de carne — e, em alguns casos, até gosto de carne — mas não, não é carne. A ascensão das proteínas alternativas derrubou o mito de que vegetarianos e veganos não se alimentam bem, fez o produto virar “hype” até entre consumidores que adoram produtos de origem animal e tem ajudado a transformar não apenas os hábitos alimentares, mas todo o sistema de produção e consumo de alimentos como o conhecemos.

Diferentemente das alternativas veganas tradicionais, as proteínas alternativas buscam emular as carnes de origem animal em todas as suas características: aspecto, sabor, cheiro, textura. Não se trata, portanto, de trocar um peito de frango por shimeji, ou de usar jaca para substituir uma massa de leite com ovos. No mundo das proteínas alternativas, o consumidor continua comendo filé de “frango” – só que a origem não é a ave. E, para isso, é preciso de muita tecnologia.

No mundo, o mercado de carnes “plant-based” movimentou US$ 8,5 bilhões em 2021, segundo a Research and Markets. A consultoria acredita que o segmento crescerá 25,8% ao ano até 2027, quando deverá alcançar US$ 34 bilhões. E algumas projeções, como da Archer Daniels Midland (ADM), indicam que essa indústria pode chegar a US$ 125 bilhões no mundo em 2030.

Cenário no Brasil

No Brasil, a Euromonitor identificou um aumento de 70% nas vendas de produtos feitos de plantas (que inclui as proteínas plant-based, mas também outros alimentos) no intervalo de cinco anos. Em 2015, afirma a empresa de inteligência de mercado, o segmento movimentou US$ 48,8 milhões no país, e em 2020, US$ 82,8 milhões. Dados da NielsenIQ indicam que, no ano passado, o volume de vendas de carnes congeladas à base de plantas teve um salto de 52% no país, para 1,9 toneladas.

Segundo Raquel Casselli, gerente de engajamento corporativo do The Good Food Institute (GFI) Brasil, que representa o segmento, a preocupação com saúde é o principal motor do crescimento da demanda por proteínas alternativas. Essa preocupação acentuou-se na pandemia.

Também entram na equação o aprofundamento das mudanças climáticas e a “ecoansiedade” de muitos consumidores. Um relatório recente da Euromonitor indicou que um terço dos consumidores globais reduziu suas emissões de gases de efeito estufa em 2021, e 67% dizem tentar causar impacto positivo no meio ambiente por meio de suas ações cotidianas.

Porém, a conscientização dos consumidores não será, sozinha, o grande propulsor do segmento. Segundo Casselli, as indústrias querem aumentar suas vendas produzindo alimentos para “todos os momentos de consumo”.

A ADM, por exemplo, acredita que esse mercado caminhará para a diversificação de fontes de proteínas, como carne “de ar”, fungos, algas e até à base de insetos. A multinacional americana tem uma joint venture com a Marfrig, a PlantPlus, que vende tanto para o varejo como ao food service. Outra vertente deverá ser a produção de mais alimentos que são consumidos nas refeições principais e de datas comemorativas, como bacalhoadas e perus de Natal e, sobretudo, peças inteiras de carne, além de itens para o público infantil.

Em recente pesquisa, a ADM descobriu que o consumo de alimentos plant-based no Brasil ainda ocorre no intervalo entre as refeições principais (60%). “As refeições principais representam uma grande possibilidade de crescimento do setor”, diz Alessandra Mattar, gerente de marketing de nutrição humana da companhia.

Diversificação

No segmento, a leitura geral é de que haverá mercado para todos os tipos de proteína. “Acreditamos na diversificação do mercado”, sustenta Casselli. Mas há quem defenda que as proteínas alternativas substituirão por completo as de origem animal.

Em 2019, a consultoria americana RethinkX, do empreendedor Tony Seba, divulgou o relatório “Rethink Food and Agriculture Report”, em que afirma que a indústria de carnes entraria em colapso até 2035 em virtude da ascensão das novas proteínas.

Seba, que se tornou uma espécie de guru do Vale do Silício famoso por palestras em grandes conferências globais, como o Fórum de Davos, na Suíça, defende que a “nova economia” derrubará indústrias inteiras, como a do petróleo. Ele admite que as projeções podem levar “mais ou menos tempo” que o estimado, mas crava que as mudanças são irreversíveis.

No caso dos alimentos, a consultoria afirmou que o custo das proteínas alternativas deve se equiparar ao das de animais até 2023, o que desencadearia uma migração massiva de consumo.

Como consequência, Seba avalia que, ao menos nos EUA, a demanda por derivados do gado bovino cairia 70% até 2030 e 90% até 2035. Ele projeta que o rebanho americano cairá pela metade até 2030, e que, até 2035, 60% das terras hoje usadas pela pecuária seriam liberadas para outros fins.

Defensores da pecuária consideraram o relatório “absurdo”. Na época da divulgação, o economista Tim Petry, da Universidade Estadual da Dakota do Norte, disse ao site “Beef Central” que o material “foi escrito por pessoas hi-tech do Vale do Silício que querem atrair investidores bilionários” e que, para isso, teriam apresentado algo “muito dramático”.

Aposta de celebridades

Muitos bilionários e artistas internacionais de fato abraçaram a causa. No último mês, o ex-beatle Paul McCartney, vegetariano convicto, participou de uma rodada que levantou US$ 100 milhões para a Next Gen Foods. Quem também tem investido no ramo é o casal mais famoso da música pop na atualidade: Beyoncé e Jay-Z já fizeram aportes na Impossible Foods, na Partake Foods, de biscoitos veganos, e na Simulate, de nuggets veganos.

Como um típico entusiasta da economia de dados, Seba diz que a indústria de alimentos migrará para o conceito de “food as software”, que consiste no desenvolvimento de moléculas por meio de em engenharia genética e em seu compartilhamento em bases de dados coletivas. A lógica, que acelera a inovação, é a mesma em que o desenvolvimento de softwares e aplicativos se baseia atualmente.

O uso de ciências de dados nas proteínas alternativas já é uma realidade. A foodtech NotCo — controlada pela 3G Capital e pelo bilionário Warren Buffet e que fechou recentemente uma parceria com a Kraft Heinz —, por exemplo, utiliza um algoritmo que analisa a estrutura molecular do alimentos de origem animal e busca em uma base de dados de milhares de plantas quais podem ser usadas como substitutos, propondo receitas.

A startup também abraçou a tecnologia de aprendizado da máquina (“machine learning”). O algoritmo, batizado de Giuseppe, “aprende” com as receitas elaboradas pelos chefes nas cozinhas, o que vem acelerando o ritmo de lançamentos de novos produtos.

Governos

A promoção de dietas com proteínas alternativas já entra na agenda de governos. No último mês, o Parlamento Europeu votou uma recomendação para que a União Europeia (UE) promova alimentos à base de plantas para combater o câncer — a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica as carnes processadas como cancerígenas do Grupo 1. Estão nesse grupo os itens sobre os quais não há dúvida sobre sua correlação com a doença — caso, por exemplo, do tabaco.

Já existe inclusive regulação sobre carne de laboratório. Em 2020, o governo de Cingapura aprovou a comercialização da carne de células da Eat Just, mas, no momento, o produto ainda é oferecido em apenas um restaurante do país.

Fonte: Valor Econômico.

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