“A agropecuária precisa liderar o desenvolvimento sustentável na Amazônia”, diz Valmir Ortega, 56 anos, CEO e fundador da Belterra, agtech criada em 2020, em Curitiba (PR), que faz parcerias com grandes produtores e empresas como Natura e Cargill para restaurar áreas degradadas por meio da implantação de sistemas agroflorestais (SAFs). Em entrevista para a série sobre a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) da Forbes, Ortega afirma que o grande desafio do setor durante o evento será reconhecer suas falhas e apontar soluções. Para ele, que sonha em restaurar a floresta, não há como voltar no tempo, mas é possível criar e escalar soluções que promovam o desenvolvimento econômico sustentável das populações da floresta.
“O desafio desta COP vai ser criar alternativas para que o Brasil não desmate nenhum hectare a mais de floresta”, diz Ortega, que já foi superintendente de Meio Ambiente em Mato Grosso do Sul, diretor de ecossistemas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e secretário estadual de Meio Ambiente no Pará. “Temos muitas áreas desmatadas, utilizadas de forma pouco produtivas. Hoje sabemos que é possível produzir de forma mais eficiente, numa escala muito maior e sem precisar derrubar uma única árvore.” Segundo o executivo, essa é a primeira constatação que precisa ser reforçada na COP30.
A conferência será sediada em uma localização emblemática, e não à toa. O palco da chamada COP30 Brasil Amazônia será Belém, capital do Pará, que possui cerca de 80% do seu território coberto pela floresta Amazônica, vegetação tropical pode ser formada por uma mata densa, de mangue, alagável ou aberta a depender da sua localização, que pode ser, além do Pará, em outros oito estados brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão. Vale registrar que existem outros dois conceitos comumente confundidos com a floresta amazônica: a Amazônia Legal, uma definição político-administrativa, e o bioma Amazônico, que abriga a floresta e outros tipos de vegetação.
Em 1985, a Amazônia abrigava uma área florestal de aproximadamente 7 milhões de quilômetros quadrados distribuídos entre Perú, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Equador, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Brasil, que possuía 63,2% da vegetação, segundo dados da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), coalizão de organizações da sociedade civil e de pesquisa que integra e divulga informações sobre o território amazônico. Daquele ano até 2022, quando foi feito o estudo mais recente pela entidade, a floresta perdeu uma área de quase 800 mil quilômetros quadrados, o que representa 11,4% de vegetação, sendo 9,6% somente no Brasil.
A RAISG destaca que projetos rodoviários e hidroelétricos, a promoção das indústrias extrativas e a expansão das áreas agrícolas foram determinantes para a redução da mata nativa. Ortega concorda. “Historicamente, a pecuária e a agricultura foram formas encontradas para ocupação de territórios, desde a época da colônia. É uma herança que temos”, diz ele.
Latifúndios, mão de obra escrava e monocultura foram as formas que os portugueses e outros colonizadores usaram para ocupar territórios do país. Mais tarde, durante o governo militar, com a ideia de integração do norte do país, e com o slogan “terra sem homens, para homens sem terra”, milhares de hectares de floresta foram abertos. O marco desse processo foi a inauguração da rodovia Transamazônica, durante o governo Médici, em 1972.
Dados do MapBiomas, rede que mapeia e monitora o uso e a cobertura da terra no Brasil e em outros países da América Latina, apontam que as áreas de agricultura e pastagem, somadas, expandiram 417% na porção brasileira do bioma Amazônico nos últimos 39 anos, ocupando 66 milhões de hectares em 2023. O bioma, ainda que possua outros tipos de vegetação, abriga cerca de 90% da floresta Amazônica. “Não temos como desfazer esse passado. O nosso grande desafio hoje é deter a degradação e o desmatamento ilegal, e criar alternativas para que a gente não precise desmatar nenhum hectare a mais de floresta no Brasil”, diz Ortega.
Para isso, existem diversas possibilidades. E ele crava: “Não tem como pensar em um futuro para a Amazônia que não leve em conta a pecuária”, diz. Para Ortega, a pecuária movimenta a economia na região e, quer goste, quer não, é funcional para os produtores. “Essa é a única opção para um pequeno produtor que está longe da cidade. Ele consegue produzir com ou sem chuva. É uma forma de tentar sair da pobreza”, explica.
É por essa facilidade que a criação de gado sempre foi a ponta de lança da expansão da atividade no Brasil, e o desmatamento, parte inicial desse processo, se torna uma opção rentável. “Uma terra desmatada vale R$ 30 mil, e a terra com floresta vale R$ 3 mil. Como convencer o produtor a não desmatar?”.
“Imaginar que vamos acabar com toda a produção e aquilo vai virar uma floresta protegida de novo, não é realista. Precisamos encontrar formas que sejam rentáveis e sustentáveis do ponto de vista de proteção, de recuperação do solo e da biodiversidade, e de recomposição da paisagem florestal”, diz Ortega. Uma das maneiras ele já encontrou. A carreira em cargos públicos durante 12 anos não foi suficiente para realizar o sonho de restaurar a floresta Amazônica. Por isso ele fundou a Belterra.
“Fundamos a Belterra para manejar diferentes espécies da biodiversidade e como criar modelos altamente lucrativos e escaláveis para diversos arranjos”. A forma que ele encontrou de fazer isso foi por meio dos sistemas agroflorestais, que combinam árvores, culturas agrícolas e criação de animais no mesmo espaço, de forma integrada.
Hoje, a agtech fundada em 2021, está presente em quatro estados, Mato Grosso, Rondônia, Pará e Bahia, em mais de 80 propriedades rurais e 4 mil hectares em diferentes estágios de implantação — de pequenos à grandes produtores, e auxilia esses profissionais a implementarem SAFs nas suas propriedades, de assistência técnica ao manejo, e comercializar os produtos obtidos, como cacau, açaí e cupuaçu, durante 10 anos a 20 anos.
“Para transformar o uso da terra no Brasil, temos que enfrentar o desafio da escala e pensar modelos que possam ser replicáveis, e escaláveis e, de fato. Os sistemas agroflorestais podem ser um deles”, diz Ortega. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem 13,9 milhões de hectares de SAFs.
Apesar de ser o modelo que ele escolheu aplicar na Belterra, Ortega destaca que as soluções para restaurar a Amazônia não devem se restringir a “isso ou aquilo”. “Temos alguns milhões de hectares no Brasil, e mesmo na Amazônia, que poderiam virar floresta de novo. O melhor serviço que esse pedaço de terra pode oferecer é conservar água, solo e a biodiversidade”, diz ele.
A chamada bioeconomia, modelo econômico que utiliza recursos biológicos renováveis para produzir bens, é apontada como uma potencial solução para o desenvolvimento da atividade econômica na floresta Amazônica. “As opções não são binárias. É uma floresta que está em diferentes territórios, com diversidade social, cultural, econômica, e com uma variedade de opções de renda. A única coisa que não queremos é que a biodiversidade seja destruída pela monocultura de qualquer produto”, diz Ortega.
A produção de alimentos amazônicos, combinada com a atividade pecuária sustentável, o fortalecimento de cadeias já existentes e a inserção cada vez maior da tecnologia nessas atividades pode abrir portas para a região. No entanto, Ortega destaca a importância do cuidado com os limites de crescimento para que a história não se repita. “A bioeconomia agrega mais valor ao produto e às comunidades que o produzem, mas precisamos entender que ela tem um limite de crescimento. A tendência da dinâmica econômica, quando se descobre uma inovação é querer dar escala a qualquer custo. Mas a grande riqueza desse território é a biodiversidade viva”, diz.
O uso sustentável da floresta pode ser garantido por meio do financiamento público e da segurança jurídica dos territórios para atrair mais investidores. “Precisamos de regulamentação ambientais mais claras e de melhoria nos órgãos ambientais. Isso gera bons negócios, inclusive para o agro. É por isso que temos que ser protagonistas dessa discussão na COP”, afirma Ortega.
Fonte: Forbes.