Pela primeira vez na história recente, os três maiores exportadores de carne bovina — Estados Unidos, Brasil e Austrália — caminham simultaneamente para a fase de retenção e recomposição de rebanhos. Após anos de liquidação, os três países se preparam para reter fêmeas e voltar a expandir, o que estreita a oferta global por um período de alguns anos.
Como chegamos aqui
1) Estados Unidos: aperto estrutural de oferta + choques operacionais
- Rebanho no menor nível em 50 anos e pronto para voltar a crescer: depois de vários anos de seca, o país está “no ponto” para reter matrizes (fêmeas para reprodução). Atualmente, 87% do rebanho está fora de áreas de seca, o custo da alimentação está baixo e as margens dos criadores de bezerros estão elevadas.
- USDA projeta queda adicional em 2026: o suprimento total deve cair 2,5%, a 31,1 bilhões de libras (≈14,1 milhões t), menor desde 2019; a produção deve recuar 1,8%, a 25,5 bilhões de libras (≈11,6 milhões t), menor desde 2016. Importações caem 6,1%, a 4,95 bilhões de libras (≈2,25 milhões t). Tudo isso aperta preços recordes já em níveis elevados.
- Comércio exterior menos amortecedor: tarifas mais pesadas sobre a carne do Brasil — o maior exportador do mundo — encarecem a importação e reduzem a capacidade de suavizar a escassez doméstica.
- Mosca-da-bicheira como risco sanitário e logístico: o fechamento da fronteira com o México, por tempo indeterminado, fez subir os preços dos contratos futuros de boi gordo e bezerros. O USDA (órgão agrícola dos EUA) anunciou US$ 750 milhões para construir uma fábrica de produção de moscas estéreis no Texas, técnica já comprovada para combater essa praga. O Texas tem mais de 4 milhões de vacas de corte (maior rebanho estadual), seguido de Oklahoma com quase 2 milhões; uma infestação no sul dos EUA poderia devastar o rebanho.
- Menos boi para confinar e impacto nos preços futuros: com a fronteira fechada e o gado mais escasso, o mercado já projeta uma redução nas entradas de animais nos confinamentos nas próximas semanas, o que afeta os preços negociados nos contratos futuros.
- Ração mais barata ajuda, mas não resolve: projeção de safra recorde de milho nos EUA (16,742 bilhões de bushels; 188,8 bu/acre) derrubou o dezembro para US$ 3,92/bu; isso alivia custos de alimentação, porém não compensa o impacto da retenção de fêmeas e da queda do abate.
2) Brasil e Austrália: mesma direção, impactos distintos
- Segundo a análise de mercado, Brasil e Austrália também saem da fase de liquidação e entram na retenção de fêmeas — o que, somado aos EUA, aperta o balanço global por “um par de anos”.
- Composição do produto: a escassez deve ser ainda mais sentida no segmento de boi confinado. Enquanto a maioria da carne americana é de animais confinados, no Brasil apenas ~20% e na Austrália ~4% têm esse perfil — o que tende a empurrar os prêmios pela carne Choice a máximas históricas para racionar a oferta de cortes de alta qualidade.
O que esperar para oferta, preços e comércio
- Estados Unidos com menos carne em 2026
A combinação de produção menor, importações mais caras e a retenção de fêmeas deve manter a oferta limitada e os preços em níveis recordes. O próprio mercado já está mudando de uma alta puxada principalmente pela demanda forte para uma alta causada pela queda na produção.
- Racionamento por preço no varejo
Com a oferta curta, a “fatia de carne” no prato do consumidor deve encolher: o varejo tende a racionar via preço. O nível exato que “quebra” a demanda é incerto, mas a direção é de alta.
- Prêmios para carne de animais confinados e de maior qualidade
A queda na oferta de carne de gado confinado está sendo maior do que em outros sistemas e deve levar a valores recordes para cortes de alta qualidade, como os que nos EUA recebem classificação Choice ou Prime. Isso ocorre porque os EUA são o principal fornecedor desse tipo de carne, enquanto Brasil e Austrália têm participação pequena nesse segmento.
- Fluxos internacionais mais “duros”
Com EUA, Brasil e Austrália simultaneamente retendo fêmeas, compradores globais terão menos alternativas — e menores volumes spot —, sustentando preços no mercado internacional.
Riscos a monitorar
- Recessão nos EUA que afete a demanda de alto valor.
- Ruído sanitário (ex.: mosca-da-bicheira na mídia) que provoque susto no consumidor.
- Fechamento temporário de plantas (capacidade de abate), que distorça spreads e preços no curto prazo.
Implicações práticas para a cadeia
- Produtores: o cenário básico é de preços firmes e altos, mas com alguma volatilidade. É recomendado que os pecuaristas usem estratégias de proteção de preço, como travar um valor mínimo de venda por meio de contratos futuros ou opções, garantindo um piso de preço sem abrir mão da possibilidade de ganhos caso o mercado continue subindo — abordagem sugerida na análise de mercado (análise para o mercado dos EUA).
- Indústria e varejo: preparar o mix de cortes e a estratégia de preços para lidar com a oferta menor, ajustando os preços para equilibrar a demanda, especialmente nos cortes de animais confinados e de maior qualidade.
- Compradores internacionais: antecipar contratações/contratos e diversificar origens onde possível, dado o aperto sincronizado.
A sincronia inédita dos ciclos em EUA, Brasil e Austrália sinaliza dois vetores claros para 2026: oferta global curta e prêmios crescentes para carne de maior qualidade (grain-fed). Nos EUA, o aperto projetado pelo USDA (menos produção, menos importação e suprimento total menor) encontra riscos adicionais — de sanidade/fluxo (screwworm, fronteira) a macro (recessão). O resultado provável é um período de preços elevados e racionamento por preço no varejo, com a profundidade e a duração condicionadas à velocidade da recomposição e aos choques de curto prazo.
Fontes: Beef Magazine e Bloomberg.