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Você Já Experimentou Carne Ancestral? Veja Como a Urus Faz o Resgate do Caracu

Foto: Tadeu Brunelli, para a Forbes (https://forbes.com.br/forbesagro/2025/09/voce-ja-experimentou-carne-ancestral-veja-como-a-urus-faz-o-resgate-do-caracu)

Jean Jose Clini desenvolveu uma obsessão improvável: resgatar a raça bovina Caracu da invisibilidade para os frequentadores da boa mesa. Criada no Brasil desde a sua descoberta, o Caracu praticamente desapareceu dos cardápios e da memória dos consumidores, ficando restrita a especialistas em melhoramento genético e criadores que nunca a abandonaram. Nos últimos anos, o restaurante Urus, no Jardim Europa, em São Paulo, transformou esse resgate em um manifesto culinário disruptivo, ainda que a maior parte da operação da steakhouse aberta há três anos funcione sustentado pela carne de animais da raça britânica Angus.

Mas para experimentar a carne de Caracu é preciso de um pouco de sorte e de curiosidade. Sorte, porque são poucos os lotes produzidos; e curiosidade para descobrir uma história ancestral. Os primeiros bovinos da raça Caracu chegaram ao Brasil em 1534, trazidos da Ilha da Madeira e Cabo Verde, principalmente para trabalhos de tração.

Foi somente a partir da década de 1980, em uma virada geral da pecuária no país, que um trabalho de seleção e melhoramento genético foi iniciado para aprimorar o desempenho da raça com foco no ganho de peso e na qualidade da carne, mas sem perder a rusticidade, que é a sua principal característica. Por rusticidade entenda-se a longa história de adaptação ao ambiente tropical local. O Caracu resistiu e sobreviveu às condições adversas de clima pastagens e relevo do Brasil.

“E quando a gente vai para a carne do Caracu, ele é um animal que tem ferro-heme mais presente. Então, ele vai ter uma carne mais escura e com um sabor mais acentuado”, diz Jean. Ferro-heme é o ferro ligado à mioglobina e à hemoglobina da carne. Ele dá a cor avermelhada ou escura, intensifica o sabor e é a forma de ferro mais facilmente absorvida pelo organismo humano.

“Depois de você contar esses conceitos e o consumidor entender, até a forma de comer a carne vai ser diferente. É uma carne que não pesa e tem muito sabor.”

A jornada de Jean pelo Caracu começou como curiosidade e transformou-se em missão empresarial compartilhada com Acilene Clini, filha de produtor rural, esposa e sócia que desenhou os pilares conceituais do projeto. “Desde quando o Jean começou a pensar no restaurante, ele sempre falou que queria ganhar o mundo com um projeto que mostrasse o Brasil e também a maneira do brasileiro em servir. E aí entra esse resgate da ancestralidade”, afirma Acilene sobre a visão original que guiou o casal durante duas décadas de desenvolvimento do pasto ao prato.

Para encontrar animais da raça que se ajustasse ao projeto, eles percorreram associações e criadores em todo o país. E localizaram um produtor capaz de fornecer animais desta raça com qualidade para alta gastronomia. José Neves, da Fazenda Arinos, em Diamantino (MT), chegou a criar um programa próprio de melhoramento animal, que ele chamou de Taurino Tropical. “Encontramos na criação os animais que se adaptam em termos de qualidade de carcaça”, diz Jean, que com certa frequência está na fazenda de Neves.

Hoje, a carne de animais da raça Caracu representa menos da metade do que é servido no restaurante, mas carrega um peso simbólico para os proprietários. Fato é que a escolha pelo Caracu vai contra lógica comercial básica. A raça oferece menor escalabilidade que o Angus, tem fornecimento limitado e permanece desconhecida do público geral. Para o casal, porém, a presença desta carne no cardápio funciona como forma de educar consumidores sobre patrimônio bovino brasileiro e de construir diferenciação no mercado saturado de carnes importadas.

Uma história de alianças

“É um projeto de casal”, resume Jean sobre a parceria que começou quando ambos tinham 23 anos de casados e buscavam um empreendimento próprio, independente dos negócios familiares. “Quando nos unimos, a gente começou a estudar sobre o que iríamos montar para nós”, lembra Acilene sobre o período de estruturação conceitual, onde um protocolo equaliza as duas raças e a gestão em dupla do projeto. Advogado por formação, Jean tem 20 anos de experiência em administração de shoppings em Mato Grosso, antes do projeto piloto de restaurante feito em Cuiabá, antes de transferir-se para a capital paulista.

O desafio de padronizar sabores e texturas de animais com características genéticas completamente diferentes veio ao longo de anos de experimentação. “Quando a gente fez o processo do protocolo do Urus, um dos pilares foi a montagem da câmara de maturação, onde o processo padroniza muito os produtos”, explica Jean. Maturar uma carne é mantê-la em temperaturas controladas, geralmente entre 0°C e 4°C, fazendo que suas enzimas naturais acentue maciez e sabores.

Enquanto Jean concentra-se na seleção dos animais e aprovação de carcaças no frigorífico mensalmente, Acilene assumiu papel estratégico na construção da marca e da gestão operacional. “Trabalhamos muito no marketing interno, aqui dentro do Urus, e na cultura em ação”, diz Acilene sobre a metodologia desenvolvida para transferir conceitos da marca.

Jean mantém também, no controle técnico sobre matéria-prima, visitas ao frigorífico a cada 30 dias para aprovar carcaças e supervisionar a desossa. Acilene coordena treinamentos semanais de equipe e implementação de indicadores de resultado.

O protocolo técnico desenvolvido pelo casal visa animais de descarte, principalmente vacas consideradas improdutivas para reprodução. Por meio de alimentação específica com silagem, milho, sorgo e minerais, os bovinos passam por terminação até atingirem peso mínimo de 650 quilos para Caracu e 520 quilos para Angus, com cobertura de gordura de pelo menos 10 milímetros.

Mas a diferença entre as raças permanece perceptível apenas para paladares treinados. O cliente comum não recebe informação sobre qual raça está consumindo, estratégia que permite ao restaurante trabalhar com disponibilidade sazonal sem afetar a experiência gastronômica. Para ela, como já dito aqui, é preciso curiosidade e sorte.

A hospitalidade brasileira tipo exportação

Agora, Jean e Acilene começam a planejar voos de mais fôlego. O registro da marca Urus nos Estados Unidos foi aprovado em 2024, permitindo expansão que começará por Miami, mas Londres e Dubai também estão na mira. O projeto exige investimento inicial de US$ 30 milhões e já há conversas em andamento, que o casal diz ainda sigilosas no fechamento de parceria.

Eles dizem que a estratégia de expansão prevê a transferência de um núcleo brasileiro de funcionários para manter padrões de atendimento. “A gente tem um núcleo de treinamento pronto para essa missão”, diz Acilene sobre a metodologia organizacional construída em São Paulo.

Das três possibilidades, Londres representa o maior desafio para o casal. “Os restaurantes internacionais de maior valia no mundo, eles sempre se colocam à prova em Londres. Porque é uma guerra mundial ali”, afirma Jean. Miami atrai pelo perfil sofisticado e concentração internacional que conversa com posicionamento da marca. E Dubai surge como uma oportunidade em momento de crescente interesse por cultura brasileira nos Emirados Árabes.

No entanto, a operação internacional abandonará segmentação por raça, comunicando apenas “100% taurino”. “Por ora não conseguiria manter a oferta de carne lá fora das duas raças”, justifica Jean sobre a impossibilidade de escalar o Caracu globalmente como símbolo conceitual do projeto. A raça fica como manifesto.

Fonte: Forbes.

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