Quem diria que aquela churrasqueira de varanda dos brasileiros iria contribuir para a mudança no comportamento do consumo de carne no país? Esta foi uma das constatações dos especialistas durante o Congresso Nacional da Carne (Conacarne), realizado em Belo Horizonte (MG), dias 18 e 19 de setembro, onde foram debatidos o futuro do mercado do boi, as mudanças nas preferências de consumo, os cenários de oferta e demanda e os impactos na rotina do criador.
Membro da quarta geração de açougueiros da família, Rogério Betti, fundador do Açougue deBetti Dry Aged & Carnes Especiais, detalhou alguns fatores que influenciaram a mudança no comportamento do consumo de carne no Brasil: “A construção da churrasqueira de varanda fez com que o churrasco se tornasse um ponto importante de confraternização entre as famílias e encontro de amigos. O churrasco se tornou mais do que um pedaço de carne: é o modo de preparo, a música, a bebida, a família, o prazer. Virou moda, desejo e as pessoas pagam mais por isto”.
Diante deste cenário, segundo Betti, o consumidor passou a valorizar mais a maciez, o sabor e a suculência da carne. Ainda assim, ele revela que apenas 1% da produção brasileira se enquadra na categoria de carnes premium: são apenas 500 mil animais abatidos por ano com este fim, com um grande espaço para crescimento.
Para Betti, é necessária uma aproximação dos produtores com quem vende para se criar uma cultura similar ao que acontece com o vinho e o café, onde os produtos falam de sua origem, safras e outros detalhes que os tornam únicos. “Nós, vendedores, temos que participar mais da seleção das carcaças e das peças. Isto é custoso e complexo. Mas se acontecer uma união entre a produção e quem vai vender, o mercado vai impulsionar”, opinou.
Contrafilé e acém não entravam no churrasco
E se o consumidor está cada dia mais exigente, é necessário seguir novas técnicas para deixar a carne mais saborosa. A chef especialista em carnes e churrasco, Júlia Carvalho, explicou que a maturação, a resistência da carne a vácuo e o tipo de armazenamento contribuem efetivamente para esta melhora. “Quem não se lembra das pessoas dizendo que carne boa era do animal abatido um dia antes? Hoje já se sabe que não é bem assim”, explicou.
Júlia enfatizou que estas novas técnicas e cortes contribuíram para afastar alguns mitos, mas que ainda falta informação ao consumidor. “Quando você ia fazer um churrasco, pedia ao açougueiro picanha ou alcatra, o contrafilé e acém não entravam. Hoje os cortes do dianteiro podem ser mais macios que a picanha. Precisamos explicar ao consumidor final todo esse investimento na cadeia produtiva”.
Festivais de carne contribuíram para expansão
O chef Gustavo Bottino, criador do Festival Churrascada, disse que eventos como o fundado por ele contribuem para que mais pessoas possam experimentar novos cortes, preparos e sabores diferentes, e que este primeiro contato é o que vai fidelizar novos consumidores. “Os eventos de churrasco têm que ser open food e open bar, assim você dá a oportunidade para as pessoas provarem novos animais, criando potenciais consumidores”, explicou. D
Dieta proteica como oportunidade
O cenário da carne bovina nos principais países produtores e consumidores foi analisado no Conacarne. O especialista em Mercado da MBAgro, Alexandre de Barros, destacou que há uma forte expansão bovina, mas que 2026 será marcado pelo encolhimento no abate de animais. “Nós sabemos que o rebanho norte-americano continuará em seu menor nível no próximo ano e que as variações de oferta nos demais exportadores será relativamente pequena”.
Segundo Alexandre, o sucesso brasileiro passa pelo aumento do peso médio da carcaça e que é isto que nos diferencia dos Estados Unidos, já que atualmente o boi americano engorda o dobro do boi brasileiro. Como oportunidade, ele destaca o aumento no número de pessoas no mundo que estão focadas em dietas proteicas. “A busca mundial pelo emagrecimento através das canetas, que possivelmente devem virar pílulas em um curto espaço de tempo, está fazendo as pessoas consumirem mais ovos, frangos e carnes. Precisamos estar preparados para sustentar este mercado”.
Conacarne revela tendências e conhecimento para profissionais
“O conhecimento que adquiri aqui com relação as tendências para os próximos anos, incluindo técnica, ensinamento dos manejos, o alinhamento em técnica e gestão serão repassados por nós aos produtores, principalmente aos pequenos para que eles consigam melhorar seus negócios”, disse Emilly Souza, engenheira agrônoma em Bocaiuva, interior de Minas.
“O evento trouxe muito conhecimento e informações que a gente precisa para agregar o nosso negócio e para fortalecer. O mercado da carne e a dolarização dos nossos produtos mostra que cada vez mais precisamos nos profissionalizar. Os palestrantes foram ótimos, trouxeram vários dados e tendencias que eu não tinha conhecimento e que vai me ajudar muito na produção”, explicou Paulo César Alves, produtor rural no Tocantins.
“No final o consumidor é o foco, então é importante o produtor ter uma visão mais estratégica do que fazer para levar uma carne de mais qualidade para a casa de todos nós. A disponibilidade do consumidor em pagar mais por qualidade fez com que este assunto seja ainda mais discutido entre os produtores para alinharem estratégias”, falou Mayra Abreu, veterinária em Belo Horizonte.
Fonte: Valor Econômico.