As atividades ligadas a energia, agropecuária e gestão de resíduos são as que mais emitem metano na atmosfera, mas podem ser aliadas preciosas no enfrentamento à emergência climática. Especialistas reunidos no seminário “Freio de Emergência Climática: O Brasil no centro da guinada global”, realizado nesta quinta-feira (16), no Museu do Amanhã, no Rio, ponderaram que, apesar das oportunidades, as soluções desenvolvidas pelo setor privado ainda precisam ganhar escala e velocidade.
A menos de um mês para a COP30, em Belém (PA), os participantes do evento de ontem reconheceram que houve avanços desde a COP de Glasgow, em 2021, quando 103 países se comprometeram a reduzir as emissões de metano, entre eles o Brasil. Eles ressaltaram, porém, que sãos necessários esforços para ampliar a visibilidade de projetos já apresentados pelo setor produtivo e por organizações da sociedade civil.
“Colocar o olhar, o foco e a prioridade no tema do metano seria um dos grandes ganhos da COP 30. Já tem muitas soluções para resolver o problema de metano, mas elas não têm ganhado tanta visibilidade como merecem. Também [é preciso] pensar como a gente pode escalar essas soluções”, afirmou a diretora-executiva da COP 30, Ana Toni, que participou por vídeo do último painel do dia. O evento foi realizado por Global Methane Hub e Uma Gota no Oceano, com apoio da Editora Globo, Observatório do Clima e Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG).
Toni, que foi secretária nacional de Mudança do Clima, explicou que o metano responde por quase metade das emissões de gases de efeito estufa. O gás, disse, é 86 vezes mais poluidor que o dióxido de carbono, mas permanece por menos tempo na atmosfera.
O Brasil é tão desigual e diverso, que serve como um laboratório do que funciona e não funciona para outros países”
— Henrique Bezerra
“Assegurar que a gente emita menos metano é importante não só porque ele é mais potente em termos de ser poluidor, mas também porque fica menos tempo na atmosfera, então a gente ganha um pouco mais de tempo para diminuir os outros gases que ficam por muito mais tempo.”
Outro gargalo é a falta de dados precisos sobre as emissões globais de metano. Estimativas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) indicam que o lançamento de metano na atmosfera é 80% superior ao anunciado voluntariamente pelos países. Isso ocorre porque os relatórios são elaborados com base em estimativas das empresas, que utilizam instrumentos genéricos e não métricas adequadas de mensuração.
Por esse motivo, Florencia Carreras, gerente regional para América Latina e Caribe do Observatório Internacional de Emissões de Metano (IMEO) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), enfatizou a iniciativa do IMEO de coletar dados a partir de diferentes fontes, como satélites e drones, capazes de detectar com maior precisão o metano emitido por diferentes setores.
Renata Potenza, coordenadora no Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), disse que 75% das emissões de metano do Brasil vêm da produção agrícola e pecuária. Segundo ela, cerca de 92% das emissões vêm do arroto do boi. “Não que a gente não tenha que falar do arroz ou das outras agriculturas. É um combo de soluções que, de forma direta ou indireta, vai reduzir a emissão de metano.”
O auditor fiscal federal agropecuário do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Sidney Medeiros, disse que ainda que as atividades do agro emitam gases de efeito estufa, elas também são impactadas pelos eventos climáticos. “O setor agropecuário pode ser parte da solução do freio da emergência climática”, afirmou.
Um dos objetivos do setor é fazer com que os produtos agropecuários, como a carne e o leite, cheguem ao consumidor emitindo menos metano. Para Potenza, porém, há um distanciamento entre a criação de soluções e o alcance até o produtor rural: “Precisamos falar a linguagem das pessoas que vão implementar essas medidas. São as pessoas que estão no campo que vão reduzir o metano”, afirmou a pesquisadora.
O negociador-chefe da União Europeia nas negociações climáticas da ONU e fundador da Carraway Strategies, Maas Goote, afirmou que o setor de óleo, gás e carvão é responsável por 34% das emissões de metano. Ele destacou que 70% do metano jogado na atmosfera pode ser cortado utilizando tecnologias já existentes, como a que detecta, repara e impede vazamentos, além da que controla a liberação do gás nas usinas.
“Se reduzirmos a emissão de metano em 45% nessa década, na próxima conseguiremos limitar o aquecimento global a 0,2 grau ou 0,3 grau. Isso é totalmente possível. Só que nos últimos 20 anos vimos um aumento de 20% nas emissões de metano. Estamos caminhando na direção errada”, disse o negociador-chefe da União Europeia.
Para os participantes, o Brasil pode liderar o processo de redução. “O Brasil é o quinto maior emissor global de metano. Mas é um país tão desigual e diverso, que serve como um laboratório do que funciona e não funciona para outros países”, disse Henrique Bezerra, líder para América Latina do Global Methane Hub.
Outro caminho apontado para minimizar as emissões de metano é a valorização de resíduos orgânicos. Para os especialistas, a COP30 abre oportunidades para que sejam colocados em prática projetos voltados para o reaproveitamento do lixo orgânico.
Victor Argentino, coordenador de projetos do Instituto Pólis, observou que um desafio é estabelecer modelos financeiros sustentáveis para isso. Argentino ressaltou que há cidades europeias com altas taxas de reciclagem por causa da concessão de incentivos econômicos. “No Brasil, parte da população não tem acesso à coleta de lixo e outra parte, que vive em comunidades, tem acesso indireto.”
Fonte: Valor Econômico.