
A indústria da carne bovina nos Estados Unidos vive um momento descrito pelos próprios especialistas como “caótico”. Falta de oferta, demanda forte e — para piorar — interferência política têm pressionado todos os elos da cadeia, dos pecuaristas aos frigoríficos. Ainda que o cenário seja americano, a lógica econômica é universal e oferece lições importantes para quem vive da pecuária no Brasil.
O economista Derrell Peel, da Universidade de Oklahoma, resume a situação sem rodeios: “não existe caneta de político capaz de acelerar o ciclo pecuário”. A cadeia da carne tem limites biológicos, produtivos e temporais que não mudam com decretos, investigações ou discursos.
A crise recente se intensificou quando o então presidente Donald Trump pediu uma investigação urgente sobre suposta manipulação de preços por parte dos frigoríficos.
Peel explica, porém, que a estrutura atual da indústria é fruto de mais de um século de economia de escala, eficiência produtiva e altos investimentos. Por isso, falar em “culpa dos frigoríficos” virou quase um hábito cultural — muito mais emocional do que técnico.
Segundo ele, um setor concentrado não é automaticamente um setor que explora o produtor. As grandes plantas geram eficiência, reduzem custos e, no fim, seguram preços para o consumidor e ampliam o valor da arroba. Um mercado fragmentado seria menos eficiente e resultaria em carne mais cara e boi mais barato.
Peel usa uma metáfora perfeita para explicar o descompasso entre preços no varejo, no frigorífico e na fazenda: “As relações entre os preços são como um elástico de bungee jump, não como uma corrente.”
Isso significa:
Não existe “margem fixa” entre boi, carne industrializada e carne no supermercado. Cada elo reage a um momento diferente do ciclo pecuário.
Um ponto que surpreende é que, nos EUA, os frigoríficos estão há quase dois anos operando no vermelho, exatamente por causa da falta de bois.
Segundo o levantamento do Meat Institute:
É um choque para quem imagina que o frigorífico “sempre ganha” — mas ajuda a mostrar a complexidade da cadeia.
Peel ironiza a narrativa política: “Se os frigoríficos realmente tivessem grande poder de mercado, não estariam pagando preços recordes pelo gado enquanto perdem dinheiro ao mesmo tempo.”
A raiz de tudo é simples: anos de seca e altos custos reduziram drasticamente o rebanho americano. E quando o estoque de matrizes cai, nada resolve rápido.
Peel é categórico:
A mensagem é clara: não há solução de curto prazo.
Segundo Peel, ataques políticos aos frigoríficos podem desorganizar o setor justamente no momento em que os produtores vivem um dos melhores cenários de preços da história.
“Derrubar a indústria de abate agora seria jogar contra os próprios produtores.”
Além disso:
A conclusão do especialista é direta: o único caminho para equilibrar preços é reconstruir o rebanho, um processo de anos, não meses.
Ele resume de forma dura, porém verdadeira: “Não existe nada que alguém possa fazer para derrubar o preço da carne agora. Só reconstruir o rebanho — e isso leva tempo.”
E finaliza: “Quando a política passa por cima da economia, todos os fundamentos deixam de fazer sentido. Aí… todas as apostas estão canceladas.”
Por que isso importa para o Brasil?
Mesmo que o cenário discutido seja norte-americano, as lições se aplicam diretamente à pecuária brasileira:
- O ciclo pecuário é lento.
Tentativas de interferir artificialmente no mercado sempre dão errado.- Culpar frigoríficos não resolve o problema da oferta.
É preciso olhar para produtividade, manejo, genética e retenção de fêmeas.- Mercados eficientes dependem de escala.
Romper modelos eficientes por pressão política pode destruir valor para o produtor.- Oferta é destino.
Quando o rebanho encolhe, o preço da carne sobe — sempre.
Fonte: Drovers, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.