Por Angélica Simone Cravo1 Pereira e Gabriela Aferri1
A carcaça bovina é normalmente dividida em três grandes partes, nas quais são comercializadas (dianteiro, traseiro e ponta de agulha). O rendimento dos cortes primários da carcaça bovina é de grande importância para a indústria frigorífica, pois carcaças com excessivo teor de gordura serão mais aparadas, gerando maiores custos com operadores e maiores perdas econômicas, já que as aparas têm menor valor comercial.
A busca da produção da carcaça ideal está diretamente ligada à preferência do consumidor, que está em um extremo da cadeia, procurando por textura, aparência e custo.
No outro extremo, tem-se o produtor de gado de corte que espera conseguir a maior rentabilidade de sua atividade, através do manejo alimentar e da escolha de raças ou cruzamentos, que permitam a produção de carcaças desejadas pela indústria frigorífica.
Estas indústrias “transformadoras de bois em carne” que estão em posição intermediária entre os elos anteriores, também necessitam da gordura de cobertura nas carcaças, visando o aspecto tecnológico envolvido, para que o processo de resfriamento não prejudique a qualidade da carne.
Há mais de uma década, as preferências dos consumidores têm se alterado, migrando para a maior aceitabilidade da carne magra (Miller et al., 1995). Isto ocorre porque os consumidores estão mais preocupados com a saúde, levando-os a escolher a carne com baixa quantidade de gordura visual. Porém, quando se consome a carne, eles preferem aquelas com maiores quantidades de gordura (Miller, 2003).
Neste mesmo sentido, os frigoríficos têm como objetivo obter a menor quantidade de gordura nas carcaças e em seus cortes a fim de diminuir a quantidade de aparas (May et al., 1992), pois é ineficiente adquirir animais com excesso de gordura, já que essa será removida durante o processamento (Knapp et al., 1989).
Isto também interessa aos produtores, pois o pagamento por qualidade, em função da quantidade de gordura na carcaça, é o que determina o momento do abate dos animais.
A produção de uma carcaça bem acabada, que tenha maior mérito no frigorífico, é função de diversos fatores, entre eles, a raça, a idade, o sexo e a qualidade da dieta oferecida aos animais.
Wheeler et al. (1997) relataram que diferenças entre raças nos sistemas de produção são recursos genéticos importantes como promotores da eficiência na produção de carne, rendimento e composição da carcaça. Não há uma raça ideal para atender a todas as características importantes na produção de carne.
Estes autores citaram ainda, que para animais com mesmo peso é possível comparar a taxa de crescimento de tecido magro, gordura e ossos, considerando as diferenças de maturidade. Já a gordura de acabamento é utilizada para comparação de animais em maturidade fisiológica similar.
Os pesquisadores consideraram também que a porcentagem de aparas de gordura deveria ser empregada para uma comparação mais efetiva do nível de gordura de acabamento, ao invés da utilização da gordura de cobertura entre a 12a e 13a costelas, no músculo Longissimus dorsi (contra-filé) como realizado comumente.
No entanto, Luchiari Filho (2000) e Wilson (1992) verificaram que a espessura de gordura subcutânea tem alta e positiva correlação com a porcentagem de aparas de gordura, mas negativa com a porcentagem de carne magra na carcaça.
A importância da quantidade de gordura na carcaça também está relacionada à presença de gordura de marmorização, que é a última a ser depositada. A avaliação da quantidade de gordura intramuscular consiste em um indicador da distribuição e desenvolvimento da gordura.
Este índice está relacionado com a palatabilidade e suculência da carne, sendo usado em diversos sistemas de classificação de carcaça, tornando-se um importante parâmetro de qualidade.
Várias pesquisas foram desenvolvidas para mensurar estas diferenças e proporcionar conhecimento, aos tomadores de decisões, sobre quais as alternativas de manejo são indicadas para cada necessidade específica de mercado consumidor.
O local e a eficiência do processo de deposição de gordura corporal consistem em características intrínsecas do animal, como observado pela maior eficiência alimentar das fêmeas, que depositam gordura subcutânea em maior quantidade, em relação à gordura intramuscular (Berg e Butterfield, 1976).
Em revisão da influência de tipos raciais e sexo na composição da carcaça, Griffin et al. (1992) concluíram que as raças européias continentais apresentaram maiores porcentagens de retalhos, quando comparadas às raças européias britânicas, e que as carcaças de novilhas tiveram maiores quantidades de aparas de gordura externa em relação aos novilhos.
As raças exploradas influenciam o peso final de abate, a precocidade e o acabamento do animal. Assim, algumas características importantes da carcaça, como a porção de carne comestível, a cobertura de gordura de gordura subcutânea, os subprodutos da desossa, entre outros estão intrinsecamente associados à idade de abate, ao grau de acabamento e ao peso da carcaça (Morris et al., 2004).
Faria (2004) estudou as diferenças nas características de carcaça e o rendimento de cortes comerciais de bovinos das raças Caracu, Gir, Guzerá, Nelore Controle e Seleção abatidos em três pontos de acabamento. O autor concluiu que mesmo apresentando maiores pesos vivos ao abate e, conseqüentemente, maiores pesos de carcaça, maiores pesos dos cortes comerciais aparados e não aparados, os animais abatidos aos 7,0 mm obtiveram menores porcentagens de traseiro, e maiores porcentagens de retalhos gordos que representam baixo valor comercial.
Portanto, de forma geral, os animais de raças zebuínas foram interessantes economicamente enquanto produziram carcaças com deposição mediana de gordura, até 5,0 mm. Os animais, Caracu, de acordo com este trabalho, permaneceram mais tempo em confinamento e, devido à boa eficiência de ganho em tecido muscular, ainda foram viáveis economicamente mesmo quando atingiram 7,0 mm de gordura subcutânea entre a 12a e 13a costelas. Por outro lado, bovinos de pequeno porte (Gir e Nelore Controle) não foram interessantes, do ponto de vista econômico, quando se promovem maiores deposições de gordura.
Comparando diferenças entre novilhos e novilhas de raças inglesas e Bos indicus, Mies et al. (1992) concluíram que, em geral, as raças com maior quantidade de gordura tiveram menores preços dos cortes comerciais primários. O contrário ocorreu com as carcaças das raças de bovinos mais magros.
Estes autores também observaram que o couro e as vísceras podem variar de preços em função das raças. Neste trabalho, novilhos Bos indicus apresentaram menores porcentagens de carcaças com elevado grau de qualidade (Choice), mais bem remuneradas pelo mercado, o que foi parcialmente compensado pelos melhores preços do couro e das vísceras.
Portanto, a gordura é um nutriente fundamental e também importante componente do sistema de produção de carne, pois a eficiência de produção, a precocidade, o acabamento da carcaça, os rendimentos de cortes, a maciez e a suculência do produto estão relacionados à quantidade e local de deposição de gordura (Berndt et al., 2002).
Nesse sentido, a procura por carcaças que apresentem maiores rendimentos deveria ser o objetivo de toda a cadeia produtiva da carne. Assim, a qualidade e o rendimento dos cortes inicia-se com o a escolha das raças, desenvolve-se com as técnicas de manejo alimentar e encerra-se com a eficiência de processamento dos frigoríficos.
Referências bibliográficas
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1Angélica Simone Cravo Pereira é pós doutoranda e Gabriela Aferri é doutoranda pela FZEA-USP.