O artigo, baseado nas informações contidas no Processo Administrativo da SDE que recomenda ao Cade a condenação de 8 frigoríficos, faz uma síntese da investigação sobre a suposta formação de cartel por essas empresas na compra de gado bovino. A principal hipótese, é de que foi acordada uma tabela de classificação de carcaças e regras de deságio de preços aos pecuaristas de diversas regiões, em uma reunião realizada em São José do Rio Preto.
No dia 4 de agosto de 2006, a Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão do Ministério da Justiça publicou parecer recomendando ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a condenação de 8 frigoríficos e 13 de seus dirigentes por formação de cartel.
O órgão, através de processo administrativo, identificou evidências de que houve combinação de regras para aquisição de bovinos para abate entre as indústrias. Parte dos documentos foi encaminhando à SDE pelo Ministério Público do Mato Grosso. A principal hipótese, é de que foi acordada uma tabela de classificação de carcaças e regras de deságio de preços aos pecuaristas de diversas regiões, em uma reunião realizada em São José do Rio Preto/SP, em 24 de janeiro de 2005.
As representantes no processo administrativo da SDE são a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. O pedido de entrada no processo ocorreu em 16 de março de 2005.
“A CNA informou que os frigoríficos estariam exercendo abusivamente posição dominante no mercado de compra, processamento e comercialização de gado bovino e adotando conduta comercial uniforme para fins de definição dos preços de compra de gado bovino no mercado interno brasileiro”, informa o documento do processo. A finalidade da CNA era conseguir medida preventiva que proibisse a adoção da tabela.
A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados solicitava a investigação pela SDE de formação de cartel por parte das grandes indústrias frigoríficas.
Os frigoríficos acusados no processo foram:
– Indústria e Comércio de Carnes Minerva Ltda;
– Frigorífico Mataboi S/A;
– Frigorífico Estrela D´Oeste Ltda;
– Marfrig Frigoríficos e Comércio de Alimentos Ltda;
– Boifran Alimentos Ltda (não foi comprovada);
– Friboi Ltda;
– Bertin Ltda;
– Frigol Comercial Ltda;
– Franco Fabril Alimentos Ltda (Frigoalta);
– Tatuibí Indústria de Alimentos Ltda e (não foi comprovada);
– Bom Charque Indústria e Comércio Ltda (não foi comprovada).
A SDE, após uma averiguação preliminar, onde buscou identificar a estrutura de compra e abate das empresas, bem como evidências da realização da suposta reunião, instaurou o processo em 17 de junho de 2005.
A realização da reunião foi comprovada no processo. De acordo com os acusados, o tema principal da reunião seria a discussão da MP 232/2005, que alterava o regime tributário das empresas. De acordo com o relatório do processo, era suspeito o fato de não haver presente na reunião um advogado. A argumentação é de que a discussão seria política, e não jurídica, justificado pela presença do Deputado Federal Vadão Gomes (que é proprietário do frigorífico Estrela D´Oeste Ltda).
Entre os argumentos mais utilizados, destacou-se o de que reuniões entre as empresas do setor são realizadas com certa freqüência, principalmente para se discutir assuntos relevantes ao negócio em si. A cidade de São José do Rio Preto foi escolhida pela localização geográfica.
Entre as conclusões obtidas pela SDE, ficou comprovado no processo:
– A reunião ocorreu de fato;
– Alinhamento de preços na “tabela-padrão”;
– Semelhança nas datas de divulgação das tabelas;
– Concentração econômica dos frigoríficos;
– Dificuldades financeiras dos pequenos frigoríficos;
– Privilégios a certas empresas em detrimento de outras.
A SDE considerou que os documentos obtidos, assim como os encaminhados pelo MPF/MT, comprovavam a intenção de adotar critérios uniformes na classificação de bovinos e nos deságios de preço adotados. O processo também apresenta indícios de que existia a prática de controle de preços da mercadoria, através do controle da oferta de produto destinado aos distribuidores.
Segundo o relatório do processo, “verifica-se que os referidos documentos evidenciam a existência de um acordo entre empresas frigoríficas com a finalidade de restringir e prejudicar a livre concorrência no setor de abate de gado bovino nas diversas regiões brasileiras”.
O relatório conclui que tabelas muito semelhantes entre si foram enviadas aos comprados de gado em momento imediatamente posterior à reunião. Foi elaborada pela SDE uma tabela sintetizando os critérios das tabelas de classificação aplicadas pelos frigoríficos acusados.
Figura 1. Síntese das tabelas de classificação para compra de gado pelos frigoríficos
Outro fator que contribui para as conclusões da SDE, foi a presença de funcionários envolvidos na compra de bovinos na reunião. Entre os 13 diretores e funcionários que participaram, ou estiveram envolvidos na reunião, muitos têm funções diretamente ligada à compra de bovinos ou à área comercial.
Existem ainda a alegação dos frigoríficos de que a reunião também tinha como tema a aplicação da Instrução Normativa nº 9 do Mapa, que estaria em vias de entrar em vigor. Essa IN aborda aspectos de qualidade de carcaça, como idade, sexo, dentição e acabamento, com objetivo de implementar a tipificação de carcaça.
A SDE apurou ainda a estrutura de mercado existente no setor, de forma a analisar os fatores que facilitam a manutenção de um cartel. Nesse caso, foi necessário, entre outras características, que fosse comprovado a existência barreiras à entrada (custo da tecnologia para obtenção da autorização do SIF foi uma barreira apontada, no caso do setor exportador) e elevada concentração de empresas. Barreira à entrada é um conceito da economia que trata do custo para um potencial entrante ingressar em determinado setor.
Para conhecer a concentração do mercado, o processo considerou os frigoríficos com SIF como um setor diferenciado em relação aos que têm inspeção municipal e estadual, pelas vantagens competitivas na comercialização e pelos custos de implantação do processo produtivo. A SDE chegou às tabelas de concentração dos abates no SIF, reproduzidas abaixo.
Figura 2. Abates no estado de GO
Figura 3. Abates no estado de SP
Figura 4. Abates no estado de RO
Figura 5. Abates no estado de MT
Figura 6. Abates no estado de MS
Figura 7. Abates no estado de MG
O texto destaca que o frigorífico Minerva afirma que os “dados obtidos pela SDE não devem ser considerados válidos, pois contém incorreções. Afirma, neste sentido, que a empresa não possui planta de abate no Mato Grosso do Sul e os dados das tabelas acima informam um abate da empresa no referido estado”. A SDE reitera que os dados são oficiais, fornecidos pelo Dipoa. Além de analisar a concentração de abates, a SDE destaca que existe uma concentração elevada nas exportações pelas empresas filiadas à Abiec.
No balanço de forças, a SDE concluiu existir um desequilíbrio entre a indústria de abate, altamente concentrada, e o setor fornecedor atomizado, o que configura um cenário que facilita a prática de abusos do poder econômico. Outros fatores que a SDE considera que facilitam a atuação do cartel são a homogeinidade do produto (boi=commodity) e a elevada capacidade ociosa, que cria barreiras à entrada.
Por fim, foi sugerido o arquivamento do processo em relação aos frigoríficos Boifran, Tatuibí e Bom Charque, por não haver elementos que comprovassem a participação das empresa na reunião. Além disso, não foi comprovada a utilização da tabela pelo Tatuibí e, no caso do Boifran, a tabela trata exclusivamente do abate de fêmeas. No caso do Bom Charque, o processo sugere a que sejam tomadas novas medidas caso se comprove a participação dessa empresa na reunião.
Ao longo da investigação, principalmente lançando mão de provas “emprestadas” pelo Ministério Público do MT, a SDE identificou indícios de “práticas danosas à livre concorrência com a participação da empresa Independência Alimentos Ltda”. Ainda, propõe a instauração de “Processo Administrativo em face do Sr. José Batista Júnior e o do Frigorífico Independência Alimentos Ltda.”
Esse artigo foi redigido pela Equipe BeefPoint, baseado nas informações contidas no Processo Administrativo 08012.002493/2005-16, do Departamento de Proteção e Defesa Econômica, da Secretaria de Direito Econômico (Ministério da Justiça), que pode ser acessado integralmente em http://www.mj.gov.br/SDE/parece_%20frigorificos.pdf.
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Outubro esta chegando, escolha bem em quem votar!
Com certeza há cartelização entre os frigoríficos. Mas isso mostra nada mais do que uma boa organização entre as empresas compradoras de boi. Isso é o que deveria estar acontecendo com os produtores, organizando-se, discutindo, fazendo estratégias para melhor lidar com essa situação. Mas o que temos? Uma classe desunida que fica perplexa com estas notícias e que não faz nada para mudar. E acontece isso o que está acontecendo…os frigoríficos nadam de braçadas na nossa frente.
Penso que existe uma grande diferença entre “cartelização” e “boa organização”. Com certeza falta organização aos produtores, mas cartelização é manipulação de mercado. Sejam os produtores organizados ou não, nada pode interferir num mercado onde existe “cartelização”. Só quem a estabelece, no caso os frigoríficos, pode interferir. Daí ser proibido por lei.
É frustrante estarmos em uma situação na qual todos sabem que somos lesados e não conseguirmos fazer nada a respeito. Infelizmente, acho que a chance desse processo terminar em pizza é muito grande. Concordo com o Thiago, os pecuaristas precisam se unir, a grande pergunta é: como?
Em qualquer país sério deste mundo de meu Deus, todos esses empresários estariam fazendo companhia para os políticos, que já estariam presos.
Acho a discussão pertinente, por isso gostaria de opinar.
Realmente a saída para nós agropecuaristas é a união, mas somos muito acomodados, desconfiados e individualistas, mas uma atitude simples que nos daria condições de aprimorarmos uma maior união seria a comercialização em conjunto.
Mas como? Simplesmente conversando com seu vizinho de fazenda ou amigos em comum, para ofertarem seus bois terminados para os frigoríficos, isto representaria um benefício para os compradores no sentido que eles economizariam tempo para fecharem suas escalas, e para nós, representaria maior possibilidade de melhorarmos nossa venda, já que o nº de animais comercializados seria maior.
Por que não nos desfazemos destes adjetivos pejorativos e arregaçamos as mangas e começamos em nossas propriedades? Vamos fazer a nossa parte, que as entidades não são formadas por paredes e tijolos, mas sim pelos seus integrantes.