Reposição Fêmea Nelore – 17/04/07
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Medindo a safra brasileira
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Bolso cheio, bolso vazio

Desde 2003, o Brasil é o maior exportador de carne bovina. Hoje, os produtores nacionais abastecem 30% do mercado mundial, uma marca considerável, mas que nos coloca diante de um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se encontra no topo quando o assunto são as vendas, com um faturamento de US$ 3,92 bilhões em 2006, o país vive uma série crise interna que reduziu os preços pagos aos produtores ao menor patamar nos últimos 50 anos.

Desde 2003, o Brasil é o maior exportador de carne bovina. Hoje, os produtores nacionais abastecem 30% do mercado mundial, uma marca considerável, mas que nos coloca diante de um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se encontra no topo quando o assunto são as vendas, com um faturamento de US$ 3,92 bilhões em 2006, o país vive uma série crise interna que reduziu os preços pagos aos produtores ao menor patamar nos últimos 50 anos.

A principal razão disso é a concentração de um número limitado de frigoríficos exportadores nas mãos de poucos empresários, que exercem pressão sobre o mercado interno para a redução do preço, enquanto lucram com a venda direta aos clientes estrangeiros, responsáveis pelo consumo de 21% da carne bovina produzida nos pastos do Brasil.

Para se ter idéia, apenas 18 frigoríficos respondem por 98% das exportações do país – os cinco maiores controlam 65% do mercado, sendo que dois deles abocanham 40% do total. As conseqüências dessa concentração são óbvias. Os frigoríficos fazem negócio com quem se enquadrar naquilo que eles pedem, mas vendem ao Exterior praticando o preço de mercado internacional. Em fevereiro, eles faturaram US$ 351 milhões, com o envio de 201,9 toneladas de equivalente de carcaça, 68,8% a mais do que em fevereiro de 2006. A comparação em torno do volume de carne também é suculenta: aumento de 54,7% nas exportações.

Outra vantagem é que os frigoríficos exportadores gozam de desoneração fiscal sobre impostos como PIS e Cofins, o que permite reduzir seus custos de produção, provocando distorções no mercado interno, deixando os frigoríficos não exportadores na insolvência e sem possibilidades também de melhorar o preço da arroba paga ao produtor. Como se não bastasse, a cada sinal de aumento de preço da arroba, os frigoríficos se mobilizam para pressionar os produtores na direção contrária.

Em agosto de 2005, a arroba paga ao produtor paulista pelo frigorífico voltado ao mercado externo era menor do que o valor recebido pelo frigorífico destinado ao mercado interno com a venda do equivalente físico – que corresponde ao traseiro, dianteiro e ponta de agulha sem considerar couro e vísceras.

Um mês depois, com o aumento dos preços pagos pela arroba, a situação se inverteu, provocando uma situação desfavorável aos exportadores, que agiram rapidamente pressionando os produtores a reduzir o preço da arroba, ao mesmo tempo em que vendiam o produto mais caro no Exterior. Esperávamos o pior, como aconteceu com os Estados Unidos após a confirmação de um único caso de vaca louca no final de 2004, com o fechamento dos seus dois grandes mercados, a Austrália e o Japão.

Ocorre que não é fácil substituir o produto brasileiro lá fora, sobretudo pelo volume de carne que o Brasil exporta, o preço baixo e a possibilidade de que qualquer estado substitua outro que não tiver condições de levar a produção adiante. No ano passado, o setor esperava que o valor pago pela arroba subisse, mas isso não ocorreu. Agora faltam bezerros no mercado de reposição e ainda não é possível confirmar uma virada do ciclo de queda, que gira em torno de sete anos. O problema é que quando se fala em alta nos preços, o mercado se agita e surgem boatos de focos de aftosa, embargos da Rússia e assim por adiante.

A liderança no mercado mundial surgiu graças a alguns fatores, como o aparecimento da doença da vaca louca na década passada, o redução do rebanho norte-americano, o alto custo de produção de carne bovina na Europa, a seca australiana e o registro de focos de febre aftosa na Argentina em 2000, o que também ocorreu recentemente por aqui.

O Brasil também acabou penalizado com algumas restrições por 56 países, sobretudo pela carne produzida em são Paulo, no Paraná, Mato Grosso do Sul. Os grandes frigoríficos, com plantas industriais em vários outros estados habilitados, continuaram exportando, com a vantagem de que subiu o preço da carne brasileira no exterior. Desta forma, a suposta retração das exportações não teve grande impacto para a indústria exportadora, mas criou o cenário ideal para baixar ainda mais o preço da arroba paga ao produtor.

Esperávamos o pior, como aconteceu com os Estados Unidos após a confirmação de um único caso de vaca louca no final de 2004, com o fechamento dos seus dois grandes mercados, a Austrália e o Japão.

O governo brasileiro precisa criar medidas urgentes para evitar que a nossa pecuária sofra prejuízos incalculáveis no ganho de produtividade que alcançou nos anos últimos anos. As políticas públicas devem corrigir essas distorções fiscais, que favorecem poucos, incluindo as carnes na cesta básica, e promover a desoneração de insumos. Também se deveria facilitar a entrada de grupos estrangeiros no mercado nacional de carne bovina para aumentar a concorrência no setor. A concentração de poder nas mãos dos frigoríficos exportadores coloca em risco um segmento estratégico da economia. E não contribui em nada para o desenvolvimento do setor.

0 Comments

  1. Josmar Almeida Junior disse:

    Quem são o Mocinho e o Bandido ?

    Primeiramente Parabêns ao artigo, como os demais de sua autoria, pautados em argumentações concretas, levantando a tônica de “que contra números não há argumentos.”

    Infelizmente anteriormente ao artigo, li na seção “giro do boi”:

    “Cartel: há desinformação nesse debate, diz Pratini “

    Aí recordo-me ao “tão consagrado” feito exercido pelo ex-ministro no que se refere ao aumento da exportações de carne bovina.

    Não quero incriminar ninguém com estas palavras, mas como o espaço é aberto, e conforme a frase exibida na seção “para pensar” alguns dias atrás…

    “Não devemos ter medo dos confrontos. Até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas.” Charles Chaplin

    Tento deixar um pulginha incomodando….!!!!

    Parabêns ao artigo…

    Josmar

  2. Luciano Andrade Gouveia Vilela disse:

    Neste artigo o Nelson retrata fielmente os acontecimentos de mercado interno, externo e transferência de renda da indústria (principalmente exportadora) à produção do boi. Além do mais é preciso sobre as estratégias de pressionar preços internos da arroba (inclusive no tocante a boatos e ganhos da indústria com os focos). Realmente é um retrato fiel dos últimos 3 anos.

    Eu acredito em tudo relatado e reforço que quem acreditar como eu não tem como concordar com as declarações do Pratini de que não existe cartel.

    Sem desmerecê-lo pelos muitos feitos, e até entendendo as posições dele do prejuízo comercial principalmente restrições mercadológicas na Europa que poderiam surgir com tal admissão, tenho que entender que os dois relatos são realmente conflitantes.

    Fico com as afirmações do Nelson que estão mais próximas das minhas observações de mundo, e acredito no cartel, apesar de não ter dito isso, mas para bom entendedor meia palavra basta.

    Abraço a todos, inclusive ao Pratini; afinal o admiro em vários aspectos.

  3. Leonardo Galvão Netto disse:

    Parabéns pelo artigo,

    Gostaria também de lembrar, que após o fechamento dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, o preço pago pela carne exportada à Europa subiu 85% de outubro de 2005 até os dias de hoje, ou seja, algumas empresas ganharam muito com este fechamento. Outro dado interessante, é que o estado de Mato Grosso, que não registra um só caso de febre aftosa há 11 anos, ainda possui 14 milhões de cabeças em regiões consideradas livre de febre aftosa pela OIE, mas não foram habilitadas pela Europa. É estranho que isto ainda não ocorreu, pois seria a única saída de alguns pequenos frigoríficos locais exportarem à Europa, mas estes, não conseguem a liberação destas zonas.

    Estou deixando outra pulguinha incomodando!

    Leonardo Netto

  4. Antonio Pereira Lima disse:

    Pois é Leonardo, com a sua lembrança da alta da carne exportada à Europa após o fechamento SP e MS, e com a frase do Sr Pratini de Moraes, “não queremos inundar o mercado europeu com carne brasileira”, já dá para desvendar alguns fantasmas que estão nos assustando, inclusive o fantasma da aftosa. Deixo aqui uma pergunta:

    Será que existe interesse por parte dos frigoríficos exportadores ou da Abiec de que seja solucionado o problema sanitário no Brasil?

    E vai mais pulga.

  5. Luciano Andrade Gouveia Vilela disse:

    Reforçando a idéia do Leonardo,

    O Tocantins está a 10 anos sem um caso, livre com vacinação e tem a 4 anos os piores preços do Brasil. Será alguma coincidência?

    Mesmo assim aqui tem frigoríficos da grande rede nacional como os recentes Bertin e Minerva em Araguaína, e o Margem em Nova Olinda e em outro município. O Bertin também está em Marabá no Pará (encostado aqui e não é zona livre). O que se pode concluir?

    Quanto a logística de exportação, não tenho dúvidas em dizer que o Tocantins é no mínimo igual ao MS e GO e MG, uma vez que estamos 700 Km do porto de Itaqui em São Luiz/MA, o qual já é +/- 3.000 Km mais perto da Europa que Santos, Paranaguá entre outros.

    Abraços

  6. João Pedro Oscar Bindel disse:

    Parabéns pela análise correta da situação geral no mercado bovino. É óbvio que o cartel dos frigoríficos trabalhou forte na derrubada do preço da arroba. Como no Brasil quem manda é quem tem dinheiro fico imaginando que não demorará para culparem os produtores como responsáveis pelas quedas de preço da arroba. Ainda bem que não dá para provar que existe “cartel dos produtores”! Se tal fosse possível haveriam certamente muitos donos de frigoríficos tentando nos acionar pela derrubada dos preços! É assim que funcionam as “coisas” no nosso Brasil.

  7. José Leonardo Montes disse:

    Parabéns Dr. Nelson, não só pelo artigo mas também pela coragem de mostrar a todos neste país quem são os donos da razão no caso da exportação de carne bovina, olha Nelson fico estarrecido pois trabalho em meu escritório com compra de bovinos para abate e tem semana que ficamos sem condições de escalar um boi se quer, pois fecham o cerco e não tem preço e nem escala, o pecuarista fica a mercê deles que pagam o que eles acham certo.

    Valeu pelo seu embate contra esta máfia pois se não lutarmos e o governo não agir teremos um caos na pecuária brasileira que é considerada a melhor do mundo de proporções que não iremos reverter tão cedo, pois a outras culturas que estão sendo bem mais lucrativas para o produtor. Estes como estão ficando a ver navios estão migrando e com toda razão, pois um dia terão que entregar suas terras para saldarem dívidas. E tem planta frigorífica que está ai somente para ser bode expiatório de mercado, dando calote e pregando um mercado ruim para a carne.

  8. Hélio de Araújo Mello disse:

    Prezado Dr. Nelson Pineda.

    Desde a antiguidade um homem tenta escravizar outro, para desfrutar os prazeres da vida, sem se preocupar com o sofrimento de seu semelhante. Parece que está no DNA da raça humana.

    Só com lutas, como este artigo que o Sr. escreve, poderemos desencadear uma reação a esta situação perversa de distorções e manipulações de mercado.

    Não podemos deixar que nos escravizem. Amamos nossa atividade, queremos
    permanecer nela.

    Todo o tipo de distorção de mercado deve ser enfrentada. Por exemplo, frigorífico não pode ser dono de confinamento e, assim manipular o mercado. É uma questão de vida ou morte de nossa atividade.

    Parabéns pelo artigo.

    Hélio