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Quanta gordura deve ter a carne?

Tem-se aí um paradoxo: por um lado, é desejável comercializar carcaças com pouca gordura (cobertura dita "escassa", 1 - 2 mm na região lombar), porque os consumidores não querem comprar cortes e bifes com gordura aparente; isso também vale nas exportações, onde crescem os pedidos de cortes "vermelhos", sem vestígios de gordura.

Nove em cada dez especialistas consultados dirão que para ser bem vendida a carne deve ser magra, porque os consumidores andam assustados com os lipídios de origem animal que, numa equivocada simplificação, todo mundo chama de gordura saturada. Mas dirão, também, que para bem servir, com muito sabor e suculência, é necessário que seja gorda. Que as preocupações com a pejorativa saturação – que sequer atinge a metade dos ácidos graxos – desaparecem diante da carne assada exalando calor da grelha. E que, da gordura restante no bife, grande parte pode ser separada com garfo e faca, porque não precisa nem deve ser ingerida.

Também é certo que não há gordura capaz de melhorar a maciez de carnes destinadas ao calor seco, como alcatras e contrafilés, quando duras; aí o que vale mesmo é a habilidade do assador, para não deixar que passem do ponto, e a de quem serve as mesas, para tirar fatias delgadas, que não ofereçam resistência aos talheres ou à mastigação. Melhor ainda, se tiverem passado pelo processo de maturação.

Nas churrascarias de espeto corrido, a carne bovina é sempre gorda, e os cortes cupim, costela e peito são assados com calor brando, para que fiquem macios por gelatinização do colágeno. Esses, em geral, têm muita gordura entremeada e, por isso, devem ser evitados ou consumidos com moderação, mas não podem faltar no rodízio.

Tem-se aí um paradoxo: por um lado, é desejável comercializar carcaças com pouca gordura (cobertura dita “escassa”, 1 – 2 mm na região lombar), porque os consumidores não querem comprar cortes e bifes com gordura aparente; isso também vale nas exportações, onde crescem os pedidos de cortes “vermelhos”, sem vestígios de gordura. Por outro lado, os cortes da costela, e da alcatra, principalmente a picanha, serão desvalorizados por serem magros demais, e o contrafilé será rejeitado nas exportações para alguns países se não tiver pelo menos 4 mm de gordura. O que fazer, então?

Obviamente, não dá para resolver o problema das duas demandas com um só tipo de bovino que tivesse mais gordura em algumas partes de sua anatomia e menos em outras, porque isto não existe. Mas, no Brasil, a solução tem passado por um meio-termo, que é a carcaça com cobertura “mediana” (3-6 mm), da qual se perde algo no rendimento aparando-se os cortes – que precisam ser vendidos com pouca ou nenhuma gordura, mas agrega-se valor nos que se destinam a restaurantes.

Pode não ser ideal, mas é uma interessante solução de compromisso, porque o grande volume de gado abatido nos estados do Sudeste e Centro-Oeste – conforme a idade, 67% das carcaças, não considerando fêmeas – tem gordura “mediana”1, que é típica de gado Zebu de pasto, pesando mais de 470 kg.

A segunda classe mais freqüente, a das carcaças com cobertura “escassa”, representa 26,5% da produção, podendo ser maior quando cresce a proporção de machos não castrados (touros jovens). Este padrão de acabamento poderá ser incentivado, no futuro, se a evolução da demanda for nessa direção, constituindo uma oportunidade de mercado para os produtos de cruzamento.

Há, ainda, 4,5% de carcaças da classe “uniforme” (7-10 mm de cobertura), com cortes de “rump & loin” (alcatra, filé e contrafilé) que alcançam melhores preços nos mercados local e internacional, mas cuja produção não deveria ser incentivada com ágio, para que a sua produção não venha superar a demanda, que é limitada. Melhor que continue sendo uma cauda à direita na curva de freqüência, como é, nos EUA, o tipo “USDA Prime” em relação ao “Choice”.

O restante é uma reduzida porcentagem (2%) de carcaças muito magras (“ausente”), ou muito gordas (“excessiva”); as primeiras, de difícil comercialização, e as últimas, de baixo rendimento na desossa.

1 As porcentagens citadas foram obtidas de dados não publicados de levantamento feito, em 2006, pela ACNB – Associação de Criadores de Nelore do Brasil, com 1,3 milhão de novilhos, dos quais 45% qualificados para a marca Nelore Natural.

Artigo originalmente publicado na Revista ABCZ, (maio/junho), nº 38, p.142, 2007.

4 Comments

  1. Carlos Arthur Ortenblad disse:

    Como sempre, o professor Pedro de Felício dá uma aula de conhecimento, clareza, competência e objetividade.

    Parabéns.

    Carlos Arthur Ortenblad

  2. Alexandre Rodrigo Mendes Fernandes disse:

    Complementando as excelentes colocações do Professor Felício, é importante ressaltar que a carne bovina é reconhecida por ser fonte natural do ácido linoléico conjugado, um ácido graxo reconhecido por seus efeitos benéficos à saúde humana.

    Parabéns pelo artigo!

    Alexandre Fernandes

  3. Maurílio Cabral disse:

    Interessante o artigo, mas é necessário alertar que a solução de compromisso é o padrão para os abatedouros, que hoje é boi gordo castrado, entre 15 e 18 arrobas e com menos de 3,5 anos de idade.

    Fora do padrão o boi vira vaca e o prejuízo é do produtor. Os açougueiros, que não trabalham com carne embalada, alegam que a carne de boi não castrado, sem capa de gordura, fica “queimada” no freezer.

  4. Anderson Teixeira Ramos disse:

    Gostaria de perguntar, se há algum equipamento capaz de medir a capa de gordura do animal vivo.
    Não me lembro onde, mas ouvi algo sobre uma fórmula de medir por ultra-som o tamanho do contra-file e assim saber a medida da capa de gordura.