Por Miguel da Rocha Cavalcanti1
Estamos vivendo uma rápida evolução da pecuária de corte brasileira nos últimos anos. Hoje, temos a capacidade de produzir variados tipos de animais, prontos a atender diferentes mercados consumidores mundiais, e ainda com um custo menor que outros países grandes produtores. Em breve, estaremos aptos (livre da aftosa) a vender carne in natura para os EUA e Japão, este último, mercado que paga os melhores preços internacionais.
Hoje é possível produzir carne sem nenhuma gordura para o mercado italiano. Devido à cultura e às raças existentes naquele país, os consumidores têm o hábito de consumirem carne com total ausência de gordura, superficial ou entremeada. Para esse nicho, nada melhor do que cruzas entre animais zebuínos e touros de raças italianas.
Por outro lado, havendo demanda, é possível produzirmos carne animais sangue Angus, com gordura entremeada, que é muito valorizada nos EUA, Japão, Coréia do Sul, etc. Cortes nobres com bom grau de marmoreio alcançam preços fantásticos nesses mercados. Os EUA por exemplo exportam a maioria dos cortes prime (de maior valor, por terem elevado marmoreio) para o Japão. Além disso, nossos custos de produção são bem inferiores aos americanos, mesmo ao utilizarmos o mesmo tipo de tecnologia de produção intensiva – confinamento.
No entanto, existe um grande entrave a um avanço mais expressivo da carne bovina brasileira no exterior e no mercado interno. Não há marcas nem marketing de carne no Brasil ainda.
O consumidor vai ao supermercado, local onde a maior parte da carne bovina é comercializada no Brasil (e no exterior também) e tem vários questionamentos e dúvidas sobre que produto comprar. Em recente estudo australiano sobre o comportamento do consumidor no ponto de venda, ficou provado que o consumidor, quando tem dúvida, não compra carne.
A carne bovina é a que apresenta hoje uma menor uniformidade. Nunca se sabe se aquele contra-filé vai estar macio ou não. Apresenta também a maior dificuldade de preparo, o que é um grande problema, pois cada vez mais o consumidor não tem mais tempo ou não sabe bem como preparar a carne que irá consumir.
Nesses dois quesitos, a carne bovina perde para a de suínos e leva uma surra da carne de frango. O produto frango é sempre igual (uniformidade excelente), existem inúmeros pratos semi-prontos e muitas vezes prontos (como o frango assado) que nos finais de semana são vendidos em inúmeras padarias e supermercados.
A cadeia da carne tem tecnologia disponível para aumentar a uniformidade dos produtos. O primeiro passo é classificar as carcaças quanto a peso, idade e acabamento de gordura. Isso é o mínimo que podemos oferecer.
Outro ponto exequível é a oferta de cortes/pratos prontos e semi-prontos. Seria um grande avanço a venda de produtos ao menos temperados e porcionados para uma, duas ou três pessoas. Um avanço maior ainda seriam os pratos pré-cozidos, necessitando apenas do aquecimento.
Marca
Por que é tão importante? O significado da marca é uma espécie de resumo de toda percepção que o consumidor tem sobre o produto, vai desde os atributos tangíveis até o emocional.
A criação e construção de uma marca forte é realmente difícil e caro. No entanto, é o ativo mais valioso das grandes empresas de sucesso. Isso acontece pois quando a marca significa qualidade e valor, é possível ter uma maior rentabilidade. É o que se observa nas marcas líderes, geralmente com menor custo de produção (pois tem maior escala) e preço mais alto.
Será que é possível a criação de marcas fortes de carne bovina? Existem poucos exemplos de sucesso no mundo, como por exemplo o programa Certified Angus Beef americano, iniciado em 1978.
Acredito que é possível, já que temos exemplos em produtos concorrentes no Brasil, como Sadia e Perdigão, na carne de frango. Com um trabalho de alguns anos, muito bem realizado, essas empresas hoje são sinônimos de qualidade e segurança.
Para que a carne bovina brasileira se torne um exemplo de sabor, qualidade e sanidade é preciso começar a: tipificar categorias de carcaças (e consequentemente de cortes), diferenciando em preço e classe o que é top de linha, o que é o padrão e o que será vendido com preços baixos (apesar de ter a mesma segurança alimentar). Além disso é preciso divulgar efetivamente as qualidades da carne.
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1Miguel da Rocha Cavalcanti é Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP e coordenador do BeefPoint
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Concordo com o Dr. Miguel. Sou médica veterinária e estou prestes a começar meu mestrado na área de tecnologia e inspeção de carne pela UFMG. Estou em fase de definição de tema e acho que seguir por uma linha de pesquisa que valorize a qualidade da carne bovina em termos de cruzamento feito nas fazendas e atestar essa qualidade nos cortes com uma marca e um forte marketing da cadeia produtiva é fundamental para os produtores de carne bovina do país.