Dando continuidade ao tema “Distúrbios metabólicos relacionados à nutrição de bovinos confinados”, vamos comentar alguns aspectos sobre acidose lática e laminite, enfermidades intimamente relacionadas a dietas com altos teores de concentrado.
Acidose lática
Acidose lática é uma doença metabólica aguda, causada pela rápida ingestão de grande quantidade de grãos ou outros alimentos altamente fermentáveis no rúmen. É caracterizada pela apatia e falta de apetite, podendo levar o animal à morte.
A ocorrência de distúrbios digestivos normalmente está relacionada a mudanças bruscas na dieta, ou acesso acidental dos animais a depósitos de grãos. A quantidade necessária para causar um quadro agudo dependerá do tipo de cereal envolvido, do contato anterior do animal com este alimento, do estado nutricional e do sistema de produção ao qual o animal está submetido (microflora ruminal).
Todas as categorias animais podem ser afetadas por essa enfermidade, sendo mais comum nos períodos iniciais do processo de engorda, quando ocorre rápida mudança para a dieta de terminação (alta densidade energética). Os animais de origem zebuína são mais sensíveis à acidose quando comparados com animais taurinos ou cruzados.
A ingestão rápida de grandes quantidades de grãos ou alimentos de rápida fermentação ruminal, promove alterações na microflora ruminal, resultando na predominância de bactérias gram-positivas, principalmente Streptococcus bovis, devido à grande quantidade de ácido lático produzido.
Também ocorre queda do pH ruminal, levando à diminuição dos movimentos ruminais e ao aumento da pressão osmótica do líquido ruminal. Com o aumento da pressão osmótica, vai ocorrer afluxo de líquidos vasculares, resultando em desidratação e diarréia. O animal irá apresentar polipnéia (respiração ofegante) e depressão, decorrentes de acidose sanguínea, oriunda da grande quantidade de ácido lático absorvido, excedendo a capacidade tamponante do bicarbonato plasmático (Blood & Henderson, 1978).
A ocorrência de rumenite, laminite e abcessos hepáticos são seqüelas comuns da acidose lática. A formação de abcessos vai ocorrer devido ao comprometimento da mucosa ruminal, possibilitando a entrada de bactérias na corrente sanguínea e a formação de abcessos no fígado.
A gravidade da doença vai variar em função da quantidade de alimento ingerido e o grau de adaptação do animal ao alimento. Os sintomas aparecem de 12 a 24 h após a ingestão do alimento. Inicialmente o animal para de se alimentar e apresenta sinais de cólica, passando a depressão, parada dos movimentos ruminais, aumento da freqüência respiratória, podendo ocorrer diarréia e timpanismo.
Nos casos mais graves, os animais apresentam apatia, prostração, cegueira e incoordenação, podendo levar à morte nas primeiras 48 h, ou lenta recuperação quase sempre acompanhada de laminite. Alguns animais podem apresentar melhoras temporárias, voltando a adoecer gravemente após alguns dias, provavelmente devido a uma rumenite aguda que progride para um quadro de peritonite generalizada, com a morte do animal (Manual Merck, 1991).
O tratamento da acidose lática baseia-se na eliminação da digesta, e a correção da acidose ruminal e da desidratação. Em casos menos severos pode-se utilizar laxativos para a eliminação da digesta, sendo necessário o uso de sondas ou rumenotomia nos casos mais graves. O uso de antibióticos via oral pode auxiliar na diminuição dos microorganismos produtores de ácido lático. A correção do desequilíbrio hidroeletrolítico deve ser feita por administração endovenosa de soluções isotônicas e bicarbonato de sódio.
Como prevenção ao desenvolvimento de laminite, podem ser utilizados anti-histamínicos. Durante a recuperação, os animais devem receber volumoso de boa qualidade, sendo o concentrado reintroduzido lentamente à dieta do animal. A utilização de períodos de adaptação nas mudanças de dietas, utilização de tamponantes e ionóforos são medidas eficazes na prevenção da ocorrência de acidose lática em bovinos confinados com grande quantidade de grãos na dieta.
Laminite
É um processo inflamatório agudo das estruturas da parede do casco, causando claudicação e deformidades no casco do animal. Está normalmente associada à dietas com altos teores de concentrado, porém pode também estar associada a fatores genéticos, idade, umidade, tipo de piso e quadros de toxemia. Os diferentes fatores podem estar ou não presentes no desenvolvimento da enfermidade, variando em complexidade e severidade de acordo com o manejo ao qual os animais estejam submetidos (Greenough et al., 1990).
Os mecanismos de desenvolvimento dos quadros de laminite ainda não estão bem esclarecidos. Alguns autores acreditam que a inflamação das paredes do casco ocorra em função do excesso de histamina, causando ingurgitamento do leito vascular do casco. A ingestão excessiva de grãos leva ao aumento da produção de ácido lático no rúmen, com destruição de grande número de bactérias e liberação de suas toxinas. Concomitante a isso, ocorrerá lesões na mucosa ruminal, causando endotoxemia e acidose sistêmica. Os processos de endotoxemia e acidose sistêmica vão levar a vasoconstrição periférica, com redução do fluxo sanguíneo às lâminas do casco (Manual Merck, 1991).
Casos agudos da doença levam a dor intensa e grande ansiedade com tremor muscular, sudorese e aumento da freqüência cardíaca e respiratória (Blood & Henderson, 1978). Os cascos afetados apresentam-se quentes e com sinais de inflamação. Em casos crônicos, os cascos crescem em comprimento e a sola perde a elasticidade e a densidade normais, tornando-se mais quebradiça.
O tratamento visa a retirada do desconforto animal (dor), sendo essencial a retirada do concentrado e a inclusão de volumoso de boa qualidade na dieta do animal. São indicadas drogas analgésicas e antiinflamatórias para o combate aos sintomas e recuperação do animal. As medidas preventivas são as mesmas descritas para acidose lática. Como tem um componente genético, é possível a seleção de reprodutores com melhores aprumos e resistência nos cascos.
Referências bibliográficas:
BLOOD, D.C.; HENDERSON, J.A. Medicina Veterinária. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara Koogan, 4ª ed., 1978.
BRANDINI, J.C. Doenças em bovinos confinados. Embrapa-CNPGC, Campo Grande, p. 62, 1996.
GREENOUGH, P.R.; VERMUNT, J.J.; McKINNON, J.J. et al. Laminits-like changes in the claws of feedlot cattle. Canadian Veterinary Journal, Ottawa, v. 31, n. 3, p. 202-208, 1990.
MANUAL MERCK DE VETERINÁRIA. Um manual para diagnóstico, tratamento, prevenção e controle de doenças para o veterinário. São Paulo: Roca, p. 1803, 1991.