Por Liliana Perazzini Furtado Mistura1
A carne bovina sempre foi muito apreciada pelo homem pelo seu sabor e também pelas suas qualidades nutricionais, pois é importante fonte de proteína de alto valor biológico, de vitaminas do complexo B e de vários minerais, principalmente ferro.
O ferro heme é encontrado em todos os tipos de carne, sendo que sua concentração varia com a espécie de animal, sendo maior nas carnes vermelhas. O ferro heme é muito melhor absorvido pelo organismo do que o ferro não-heme. O ferro não-heme é encontrado principalmente nas leguminosas secas (feijão, lentilha, ervilha, etc) e nos vegetais, mas também em carnes.
A anemia por deficiência de ferro é um problema mundial, e gera transtornos à sociedade, como dificuldade e redução da capacidade de aprendizagem em crianças, podendo ser inclusive irreversível; redução da capacidade ao esforço físico para o trabalho, em adultos, dentre outros problemas.
Desde o início do consumo da carne, o homem tem desenvolvido técnicas para sua conservação. O processamento da carne surgiu da necessidade de se ter o alimento armazenado em plenas condições para o consumo. Essa evolução foi acelerada pelas guerras, quando novas tecnologias surgiram, como o congelamento em grande escala, na primeira Guerra Mundial e a irradiação e a liofilização dos alimentos, na segunda Guerra.
Os primeiros estudos sobre a irradiação de alimentos foram desenvolvidos nos Estados Unidos nos anos 50 e eram de alçada governamental, entretanto, tais alimentos não foram comercializados até 1992.
A quantidade de energia de irradiação absorvida é medida em “grays”. Dependendo da dose de irradiação utilizada, a irradiação tem efeito de pasteurização ou de esterilização e sua aplicação consiste em:
– inibir o brotamento em raízes;
– retardar o amadurecimento de frutas e vegetais;
– reduzir microrganismos patogênicos;
– destruir insetos e parasitas;
– aumentar a vida de prateleira do alimento e
– suprir o abastecimento nos períodos de entressafra.
A preservação por radiação é considerada um processo frio, porque há apenas um ligeiro aumento da temperatura no alimento durante o processamento. Os alimentos expostos à irradiação não são significativamente alterados em seu valor nutricional, apesar de algumas vitaminas serem susceptíveis à mesma. De um modo geral, algumas vitaminas de acordo com suas características químicas são menos estáveis ao calor, à diferença de pH, à luz, e, à irradiação certas vitaminas são mais sensíveis que outras. Assim, entre as vitaminas hidrossolúveis, a tiamina (B1) é a mais vulnerável, seguida pela vitamina C e B6. Já entre as lipossolúveis a vitamina E é mais suscetível, seguida pelas vitaminas A e K, enquanto que a vitamina D é relativamente a mais estável.
As perdas de nutrientes pela irradiação não são maiores do que as que ocorrem quando da preservação dos alimentos por métodos mais convencionais, como cozimento, enlatamento, etc.
No Brasil, até 2000 era permitida a irradiação somente de um pequeno grupo de alimentos e a carne bovina não estava incluída nesse grupo. A resolução – RDC no 21, de 26 de janeiro de 2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, aprovou o “Regulamento Técnico Para Irradiação De Alimentos” que é aplicado a todos os alimentos tratados por irradiação. …Qualquer alimento poderá ser tratado por irradiação desde que sejam observadas as seguintes condições: a) a dose mínima absorvida deve ser suficiente para alcançar a finalidade pretendida; b) a dose máxima absorvida deve ser inferior àquela que comprometeria as propriedades funcionais e ou os atributos sensoriais do alimento (ANVISA), entre outros quisitos.
Pensando em como a irradiação é um importante tipo de processamento de alimentos, sabendo-se que a carne é um alimento rico em ferro heme, e que grande parte da população tem deficiência de ferro, realizamos um trabalho em nível de mestrado, no Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da USP, com o objetivo de verificar se a irradiação interfere na concentração de ferro heme da carne bovina, liberando o ferro da molécula.
A amostra utilizada foi coxão mole em bifes e moído, irradiada na EMBRARAD (Empresa Brasileira de Radiações S.A.) com doses entre 1 e 10kGy.
Fizemos primeiramente a análise de proteína, de lipídeo, cinzas (matéria não orgânica) e umidade, e em seguida as determinações de ferro total e de ferro heme na carne crua e grelhada à 250oC por 8 minutos, com umidade interna do forno controlada de 70%. Os dados encontram-se nas tabelas anexas.
Verificamos neste trabalho, que a irradiação não alterou em nenhuma dose, a composição dos macronutrientes da carne, ou seja, as proteínas, os lipídeos, as cinzas e a água.
As condições de apresentação, isto é, moída ou em bifes, e de preparo como a temperatura, tempo e umidade do ambiente, interferiram mais na integridade do ferro heme do que a irradiação, pois somente a partir de 5kGy é que observamos uma diminuição na concentração de ferro heme.
Depois de feitas as determinações laboratoriais, as carnes passaram por uma avaliação sensorial, com um painel de especialistas que verificaram alguns atributos sensoriais como suculência e maciez. E o resultado obtido foi que as amostras de carne irradiadas com doses de 3kGy foram as que receberam as melhores notas nesses quisitos.
Portanto em nosso trabalho, concluímos que em carnes irradiadas com dose de 3kGy, o ferro heme não foi significativamente alterado, apresentaram maciez e suculência melhores que com outras doses de irradiação na análise sensorial.
TABELA 1– Umidade, lipídeo, proteína e cinzas, em amostras de carne bovina irradiada crua e grelhada, moída e em bife, em base integral. Média (desvio-padrão).
TABELA 2– Ferro total (FeT), ferro heme (FeH) e FeH/FeTx100, em amostras de carne bovina irradiada (com doses até 5 kGy) crua e grelhada, moída e em bife (base integral). Média (desvio-padrão).
TABELA 3– Concentrações de Ferro heme (m g/g), em amostras de carne bovina irradiada com 0 kGy, 7,5 kGy e 10 kGy, moída e em bifes, crua e grelhada, em base integral.
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1Liliana Perazzini Furtado Mistura é Nutricionista – Especialista em Nutrição Clínica, Mestre e Doutoranda em Ciência dos Alimentos pela USP.