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Crise, Rússia e as exportações brasileiras em 2009

A globalização tornou a crise mundial e deve afetar todos os países do mundo. Crédito fácil, exportações para os EUA e aumento do preço e demanda das commodities são as principais explicações para o boom dos emergentes nos últimos anos. Todos esses três pontos estão hoje mais fracos. Em 2009, crescer pouco (mas crescer) e estar pronto para se recuperar rápido é uma previsão muito boa. Em 2008, o Brasil exportou valores recordes para a Rússia. No primeiro trimestre de 2009, espera-se muito poucas compras russas. No final do ano passado, não vendíamos para UE, Rússia e Chile, nossos três principais clientes. Além de não exportar (in natura) para EUA e Japão, dois dos maiores compradores de carne do mundo. Como ser o maior exportador, sem acesso a mercado?

Ninguém quer falar mais em descolamento, ou seja, que a crise (nos países desenvolvidos) não afeta os emergentes. A globalização tornou a crise mundial e deve afetar todos os países do mundo.

Crise mundial e os países emergentes

Crédito fácil, exportações para os EUA e aumento do preço e demanda das commodities são as principais explicações para o boom dos emergentes nos últimos anos. Todos esses três pontos estão hoje mais fracos.

No entanto, o impacto da crise vai depender de outros fatores, relacionados aos três itens acima como: capacidade poupança, já que não há mais crédito abundante, capacidade de estimular consumo e crescimento interno, uma vez que as exportações devem cair. O impacto será diferente de acordo com cada país.

A China, que cresceu 12% em 2007, deve crescer 7% em 2009, o menor valor em duas décadas. Há quem diga que o desaquecimento das economias emergentes seja positivo, pois ao ritmo recente, a inflação seria um problema.

Outro ponto é a política de responsabilidade fiscal do país. A China, entre os BRICs, está melhor posicionada, com enormes reservas. Assim, tem mais folga para estímulos fiscais e investimentos do governo visando aquecimento da economia. A Índia, apesar de depender menos de exportações, tem uma situação fiscal muito pior que a China e depende mais de investimentos externos (que sumiram).

A previsão para o Brasil, do Goldman Sachs, é de crescimento de apenas 1,5% em 2009. Mas a recuperação será rápida. Já com a Argentina, por exemplo, as expectativas são mais pessimistas. Enquanto que a maioria dos países do mundo fala em recessão, queda da atividade econômica, aqui no Brasil estamos avaliando quanto o Brasil vai crescer.

Rubens Sardenberg, economista chefa da Febraban, em entrevista essa semana ao jornal Meio e Mensagem, estimou, para 2009, crescimento brasileiro de 2,5% no cenário realista, 3,5% no otimista, e 1,5% no cenário mais pessimista.

Em 2009, crescer pouco (mas crescer) e estar pronto para se recuperar rápido é uma previsão muito boa.

Países emergentes

Os países em desenvolvimento têm crescido, cada vez mais, devido ao comércio entre emergentes. Segundo a revista Economist, o crescimento das exportações dos países emergentes tem origem nos próprios países emergentes, e não nos desenvolvidos. Segundo o banco UBS, gráfico abaixo, desde 2000, o crescimento das exportações das economias em desenvolvimento não vem mais dos países de primeiro mundo.

Com a crise, os países emergentes se tornam cada vez mais importantes. Em 2009, 80% do crescimento mundial virá desse grupo. Na década de 80, esse percentual era de menos de 50%.

Rússia

Sendo o maior produtor de petróleo do mundo e o segundo maior exportador, a queda dos preços dessa commodity afeta fortemente a Rússia. Além disso, há outros problemas que pioram a situação da economia, apesar do crescimento ter sido vigoroso nos últimos anos (gráfico abaixo).

A distribuição de renda, ao contrário do Brasil, está piorando. A corrupção se tornou endêmica, quase o padrão. O país depende de investimentos externos. O governo é totalitário e influencia nos negócios e empresas, de forma que desestimula o empreendedorismo e meritocracia. A população está em queda, o número de nascimentos por 1000 habitantes cai e a expectativa de vida hoje é menor do que em 1962, apesar de ter melhorado em relação ao ano 2000.

Por outro lado, a crise mundial é uma oportunidade para o país se reinventar, buscando se desenvolver em outras áreas, dependendo menos do petróleo.

Espera-se que a Rússia, em 2009, tenha o primeiro déficit em conta corrente da década e sua economia deve diminuir. A crise financeira mundial atingiu em cheio esse país, o mais afetado, até o momento, entre os BRICs. Apesar dos problemas, China, Índia e Brasil parecem estar em melhor forma, com previsão de crescimento em 2009, menor, mas ainda crescendo.

Exportações brasileiras

A Rússia tem uma renda per capita de US$ 14.680, 51% maior que a renda brasileira, de US$ 9.705 por pessoa (dados de 2007). Em 2008, o Brasil exportou valores recordes para a Rússia. No primeiro trimestre de 2009, espera-se muito poucas compras russas.
Exportações brasileiras de carne bovina in naturapara a Rússia

Clique na imagem para ampliá-la.

Em 2008, as vendas à Rússia tiveram um desempenho acima da média, se comparado com o total das exportações brasileiras. Enquanto que o Brasil cresceu cerca de 20% em valor e decresceu 20% em volume, com a Rússia, o resultado foi melhor. Queda de 15% no volume e aumento de 48% no valor, como pode ser visto na tabela comparativa abaixo.

O grande problema foram os últimos três meses do ano, que na comparação com 2007, tiveram um resultado 48% pior em valor e 63% em volume. Ou seja, até setembro as exportações para a Rússia estavam indo muito bem, mas de outubro para cá, a situação se inverteu. É um retrato do efeito da crise mundial num país com fragilidade econômica e política.

Tabela 1. Exportações brasileiras de carne bovina in naturapara a Rússia

Um dos grandes problemas de 2008, para as exportações brasileiras de carne bovina, foi a mudança nas regras para exportação de carne in natura para a UE. Na prática, se tornou um quase-embargo, com redução drástica nos volumes exportados.

Em 2008, o Brasil vendeu apenas um quinto (20%) do volume que foi exportado a UE em 2007. Em valor, exportou apenas um quarto (25%). Um mercado que representou um faturamento de US$ 1 bilhão em 2007, caiu para apenas US$ 270 milhões. Acompanhe na tabela abaixo a grande redução de volume e valor das exportações brasileiras a UE. Mesmo com o aumento de 34% no preço médio, o resultado foi pífio, se comparado a 2007.

Tabela 2. Exportações brasileiras de carne bovina in naturapara a UE

Saídas para a crise

Há algumas opções para a carne brasileira. Focar no mercado interno, melhorando ofertas, aumentando a qualidade, apresentação, embalagem e marketing. O mercado interno ainda pode ser melhor atendido, apesar dos grandes avanços dos últimos anos.

Nas exportações, podemos voltar a exportar para o Chile (hoje só o RS exporta). Para isso é preciso negociar mais fortemente.

No final do ano passado, criou-se uma situação inédita para o Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo. Na prática, não vendíamos para UE, Rússia e Chile, nossos três principais clientes. Além de não exportar (in natura) para EUA e Japão, dois dos maiores compradores de carne do mundo. Como ser o maior exportador, sem acesso a mercado?

Devemos buscar abrir novos mercados. Pedro de Camargo Neto, da Abipecs, deu uma entrevista muito interessante ao BeefPoint, cobrando o governo de uma postura mais firme nas negociações com outros países.

Agora que a Rússia está em crise, e outros países exportadores de petróleo (grandes compradores do Brasil) também vão diminuir suas compras, é preciso, mais do que nunca aumentar a lista de países que compram do Brasil.

É preciso trabalhar para aumentar o volume exportado à UE, em especial buscando regras mais uniformes entre todos os países exportadores. A Irlanda teve problemas recentes com dioxina. Argentina, Uruguai e Paraguai parecem ter sistemas menos complicados de rastreabilidade que o brasileiro.

Essencial para quem é primeiro do mundo

A crise mundial e os problemas com a economia russa são um forte apelo para o Brasil fazer sua parte: aumentar acesso a mercados, seja melhorando sanidade, rastreabilidade, seja negociando melhor. Isso é o essencial para quem é o primeiro do mundo. Para os pecuaristas, o ponto positivo, é que essa crise internacional vem em momento de oferta muito enxuta e demanda interna aquecida.

Esse artigo tem como base uma série de artigos publicados pela revista inglesa The Economist, sobre crise financeira mundial e um “special report” sobre a Rússia.

0 Comments

  1. Fernando Pinna disse:

    Miguel, parabéns por esse artigo, concerteza ele traz um panorama bem atualizado sobre o que essa crise poderá afetar o mercado bovino brasileiro em 2009.

    Penso apenas que devemos de posse desses dados estabelecer estratégias concretas e firmes para não deixar a peteca cair, como se diz no popular.

    Enfim temos que nadar contra a correnteza e ter otimismo, onde a maioria dos analistas apontam o crescimento do país em torno de 3 a 3,5%, inclusive citado nesse seu artigo, o que numa crise mundial como diz os mineiros “é bom demais uai”.

  2. Millena Claudia Rodrigues disse:

    Ola Miguel, frequentemente leio seus artigos, os quais admiro seu ponto de vista, mas esse me chama a atençao e nos faz refletir ate que ponto nosso governo esta interessado em manter a posiçao de “MAIOR EXPORTADOR DO MUNDO” se o que vivenciamos e uma falta de interesse em nos posicionar como tal.

    Creio que nos, como exportadores, deveriamos exigir mais os nossos direitos e atuarmos incansavelmente para que consigamos o objetivo de abertura dos mercados que somos perfeitamente capazes de atender, mas devido a burocracias e interesses superiores estamos fadados a acomodaçao e abertura de acordo com a necessidade destes, e nao das nossas.

    Salvo algumas exceçoes, os frigorificos devem tomar a consciencia que cresceram, desenvolveram e se profissionalizaram o bastante para que possam ser reconhecidos como uma classe honravel, mas a união destes seria imprescindivel para a conquista de novos mercados, uma vez que uma classe unida lutaria por interesses comuns, o que infelizmente nao ocorre hoje.

    Parabéns pela sua matéria.

  3. Helvecio Oliveira disse:

    Parabenizo ao Miguel por mais um excelente artigo e ao Evandro pela visão prática e realista da situação.

  4. Enrico Lippi Ortolani disse:

    Prezado Miguel e diletos leitores do BeefPoint

    Parabéns pelo conteúdo de seu artigo que articula bem o que poderá acontecer com nossa capacidade de exportação. Temos intrinsicamente a mesma visão das saídas para a crise pelo Brasil, em especial quanto a venda de carne para o Chile.

    Reafirmo que o governo brasileiro não tem sido competente e diligente quanto a negociação da venda de carne bovina com o governo chileno. O Chile está numa situação econômica previlegiada e embora também sofra com a vigente crise vai saber driblar bem a situação. Eles são hoje os empresários sulamericanos mais preparados para a exportação. Só não vendem seus vinhos para os muçulmanos e os países mais pobres e miseráveis do mundo.

    O Brasil teria que jogar pesado com os governantes chilenos, pois a atual crise não diminuiu a compra pelo nosso país de vinho, salmão e frutas temperadas do Chile. Se nós compramos, por que eles também não podem comprar mais nossa carne?

    Lembrem-se que em 2003 e 2004 o Chile foi o nosso maior comprador de carne bovina. O Presidente Lula tem que jogar pesado com a Presidente do Chile e saber barganhar frente a situação desequilibrada para o nosso lado. Se ele não fizer um empenho pessoal nada mudará nesta relação.

    Creio que toda cadeia da carne tem que pressionar nosso presidente para tomar tal atitude, para começar dos deputados que elegemos e que defendem a causa da pecuária. Sugiro que façamos uma campanha a partir do BeefPoint para tal causa. Como disse nosso grande pensador Rui Barbosa: “Quem não luta por seus direitos e interesses não é digno deles “.

    Um forte amplexo e vamos a luta!
    Enrico Lippi Ortolani
    Prof. Titular da FMVZ-USP

  5. Bruna Rosa disse:

    Parabéns pelo artigo!

    Além de ser muito esclarecedor, traz alertas de como podemos contornar essa “crise”, que em seu significado mais a fundo quer dizer “decisão”.

    Estamos em um momento de decisão sobre como podemos e devemos agir; e como já disse em seu artigo devemos melhorar a oferta para o mercado interno em relação à marketing e qualidade, e procurar novos mercados.

    É isso aí!

  6. Thales dos Anjos de Faria Vechiato disse:

    Miguel,

    Parabéns pelo artigo e suas colocações frente ao mercado da carne nacional.
    Se não mudarmos o foco e buscarmos “novos” paises compradores, estaremos correndo riscos de deixarmos de ser essa potencia mundial em exportação!

    Forte abraço,
    Thales