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Cadeia bovina: a crise pode ser uma oportunidade

A experiência vivida, nos últimos cinco anos, mostra que a falta de coordenação entre os agentes é uma das maiores ameaças à melhoria da competitividade do setor, no Brasil. Para ilustrar essa observação, basta mencionar aqui alguns fatos que influenciaram profundamente o desenrolar da recente crise.

Plantas fechadas, pedidos de recuperação judicial, dívidas astronômicas, milhares de demissões, atrasos e inadimplência por parte da indústria frigorífica na remuneração de pecuaristas: a crise vivida desde o final do ano passado pelo setor de carne bovina é brava. Na lista dos males que acometeram o segmento industrial, é claro que deve ser mencionada a crise financeira mundial.

Essa crise provocou queda das exportações, escassez de crédito e a desvalorização brutal da moeda nacional. Para as empresas que haviam contratado empréstimos em divisas, o aumento do serviço da dívida, em um momento de baixa oferta de gado no mercado interno, fez com que, em pouco tempo, o resultado líquido encolhesse ou ficasse negativo. O impacto de todas essas dificuldades é amplificado no Brasil em razão da falta de coordenação que ainda existe entre os diversos elos da cadeia produtiva.

A experiência vivida, nos últimos cinco anos, mostra que a falta de coordenação entre os agentes é uma das maiores ameaças à melhoria da competitividade do setor, no Brasil. Para ilustrar essa observação, basta mencionar aqui alguns fatos que influenciaram profundamente o desenrolar da recente crise.

No decorrer do ano 2008, passou-se de uma situação de abundância de matéria prima no mercado nacional a uma situação de quase penúria. A redução da oferta de gado levou os frigoríficos a enfrentar uma ociosidade muito elevada, o que afetou negativamente a produção e o faturamento e impediu a otimização dos custos fixos.

É muito provável que tal ociosidade não prevalecesse se durante os anos passados os frigoríficos tivessem pensado em parcerias com a pecuária para incentivar a produção, com qualidade e constância. Essa dinâmica de parceria teria levado os produtores a adiar o abate de suas matrizes e a garantir assim uma oferta suficiente nos anos seguintes.

Outra ilustração da falta de coordenação e parceria entre pecuaristas e frigoríficos foi a situação que ocorreu em algumas regiões do país onde a pecuária migrou para a produção de etanol enquanto assistia-se a uma elevação da capacidade instalada nas indústrias.

Um dos componentes essenciais da crise foi a perda do mercado europeu, no início de 2008. Segundo cálculos publicados no site BeefPoint, o fechamento do mercado da União Européia fez com que o Brasil perdesse US$ 1,3 bilhão em receitas com exportação. Mais uma vez, se tivesse prevalecido aqui uma lógica de aliança entre os elos da cadeia produtiva e não uma lógica de confronto, os fiscais europeus nunca teriam identificado falhas tão preocupantes no que tange à rastreabilidade e à segurança sanitária. Os diversos lobbys protecionistas europeus não teriam encontrado argumentos para justificar o fechamento do mercado que mais remunera a carne brasileira.

Hoje em dia, para ocupar espaço em mercados maduros como o da União Européia, para disponibilizar produtos diferenciados aos clientes do Velho Continente, é preciso coordenar os segmentos da cadeia de forma que estes apliquem normas comuns de preservação ambiental, de segurança sanitária, de rastreabilidade e qualidade.

Essas alianças servem também para facilitar a troca de informações entre os agentes da cadeia. No Brasil, apesar de muito comentada, essa coordenação ainda está longe de ser a regra. Avanços reais, em termos de integração entre os elos da cadeia, deixam muito a desejar.

A crise dos últimos meses deve ser aproveitada para organizar um grande debate cujo objetivo principal seria avaliar o atual contexto e identificar medidas práticas e eficientes para transformar o impasse em oportunidade de melhores negócios para todos, uma vez que, a redefinição das relações entre os integrantes da cadeia é, sem dúvida, o primeiro e decisivo passo para reforçar a credibilidade internacional da bovinocultura de corte nacional.

A trajetória seguida pela cadeia produtiva européia no decorrer dos últimos quinze anos não pode ser vista como um modelo perfeito que deveria ser seguido cegamente, mas pode servir de referência aos fornecedores brasileiros que pretendem recuperar o espaço perdido no mercado europeu.

A partir de 1990, com a sucessão de crises sanitárias que enfraqueceu todos os elos da cadeia, os profissionais da pecuária de corte européia tiveram que mudar radicalmente o seu modelo de organização. Pressionados pelo setor varejista, passaram de uma lógica de confronto para uma lógica de aliança estratégica, onde prevalece a busca pela qualidade e a remuneração dos esforços realizados por todos os integrantes da cadeia produtiva.

Hoje em dia, no Reino Unido, na França, na Alemanha ou na Espanha, as alianças estratégicas (sejam elas coordenadas pelo varejo ou impulsionadas pelos pecuaristas ou por frigoríficos) são os principais canais de abastecimento do mercado de carne.

As parcerias firmadas incentivam os pecuaristas locais a fornecerem uma matéria-prima de qualidade, a respeitar normas de preservação ambiental, a implementar regras de rastreabilidade e de segurança sanitária através de um sistema de bonificações pagas pelos frigoríficos.

No quadro dessas parcerias, a classificação e a tipificação de carcaças (que já eram regulamentadas pelas autoridades públicas, mas ainda não eram rotinas antes das crises sanitárias) se tornaram componentes incontornáveis das novas políticas de comercialização. Os frigoríficos ingleses ou franceses classificam as peças conforme indicadores de idade, acabamento, rendimento e conformação.

O objetivo é remunerar os esforços dos pecuaristas, fidelizando assim fornecedores de matéria-prima boa e padronizada. Por sua vez, para serem premiados, os bovinocultures devem respeitar uma lista de requisitos que engloba desde os tratos veterinários aos animais até o bem estar dos mesmos, passando pela preservação do meio ambiente e o uso de uma genética selecionada.

No que diz respeito às indústrias de abates, para respeitar as normas impostas pelo setor varejista e garantir a rastreabilidade, estas empresas têm obrigação de se dedicar exclusivamente ao desmantelamento de carcaças oriundas de fazendas perfeitamente identificadas.

Funcionam como parceiros do varejo e só compram animais fornecidos pelos pecuaristas integrantes da aliança. Com essa verdadeira revolução, de produtores de commodities, os frigoríficos europeus passaram a operar como indústrias de alimentos com produtos diferenciados e valor agregado, com metas de venda bem definidas e segmentadas.

A crise que abala hoje a cadeia produtiva pode ser uma oportunidade se todos os segmentos do setor souberem privilegiar esse objetivo de coordenação que tanto ajudou a pecuária de corte da Europa, na década de noventa.

Está na hora de mudar profundamente as regras do jogo para tornar o setor altamente competitivo e transformar essa fase de grandes dificuldades em virada histórica. A saída da crise e o ingresso em um mundo novo passam pela resolução desses velhos problemas.

Jean-Yves Carfantan, é consultor da AgroBrasConsult e autor do livro “Le choc alimentaire”, recém-lançado na França. O consultor oferece uma palestra sobre o tema: “Pecuária brasileira, os caminhos para sair da crise”.

0 Comments

  1. Sergio Antonio Xavier Alves disse:

    Muito bom vai ser util para minha faculdade

  2. Andre Sorio disse:

    Parabens ao Prof. Carfantan, pela clareza na identificação do problema e pela coragem na abordagem do assunto. Concordo plenamento que o comportamento de confronto entre pecuaristas e frigoríficos é uma (se nao for A) das causas primordiais da crise da pecuária.

  3. Guilherme Augusto Vieira disse:

    Parabéns ao autor. Há muito tempo venho comentando com os alunos que o grande problema da cadeia produtiva da carne bovina é a falta de coordenação e a integração vertical, fato observado nas cadeias de aves e suínos. Em comparação com as cadeias de aves e suínos, o ciclo da pecuária de corte é mais longo, os produtores não tem um grau de profissionalismo e comprometimento das cadeias produtivas de aves e suínos.Em suma, no momento que todos os elos da cadeia produtiva da pecuária de corte tiver o mesmo grau de profissionalismo da cadeia de aves e suínos, o setor terá uma nova ´cara´, mas precisa adotar uma mentalidade associativista.

  4. Paulo Cesar Bastos disse:

    Prezado Jean-Yves Carfantan

    Precisamos superar essa nova crise (são cíclicas) e desenvolvermos uma nova oportunidade. Sobre o tema crise e oportunidade na pecuária de corte publiquei artigo em 05-04-2006 neste democrático e participativo Espaço Aberto do BeefPoint.

    A atual crise internacional decorreu da especulação e não do trabalho e da produção. Essa é a nossa vantagem na competição .Para maximizar tal vantagem torna-se , no entanto, imprescindível um processo de inovação do segmento da pecuária de corte.

    Setor fundamental para o bem estar sócio-econômico do país, gera ocupação e renda, restringe o êxodo rural e o conseqüente inchamento urbano com as suas mazelas de desemprego, favelização e o crescimento da violência.

    A união, a parceria, o associativismo e a cooperação multiplicam e fortalecem as ações solitárias em busca dessa nova oportunidade. Seguindo esse raciocínio, é preciso estabelecemos as forças inovadoras, modernas e sintonizadas com o atual quadro de uma economia com mais estabilidade, porém inserida em um mundo cada vez mais globalizado e com intensas transversalidades comerciais e financeiras.

    A exportação de carne foi desenvolvida em vários estados. A maior parte, no entanto, do consumo, o fiel da balança, é e será por muito tempo, o mercado interno. Esse fato merece uma atenção especial num momento em que a crise financeira desaqueceu economias de todo o mundo provocando a queda considerável das exportações da carne brasileira.

    Possuímos um enorme mercado potencial para carne, vez que o consumo interno anda em torno dos 36 kg/hab./ano enquanto em outros países chega até a 67 kg/hab./ano. Tudo bem, porém o problema é que, apesar dos avanços conseguidos, a renda da população é que dita o cardápio do brasileiro.

    Assim, o principal desafio do agronegócio da carne no Brasil continua sendo equacionar o binômio preço justo x baixa renda. Precisamos conhecer a fórmula que permita uma justa remuneração ao produtor sem onerar e afugentar o consumidor. É difícil, mas não é impossível.

    Inovar é mais do que preciso, é fundamental. Precisamos ir além das melhores práticas de manejo dentro da porteira, precisamos manter um relacionamento moderno e inovador entre produtores, frigoríficos, distribuidores e o varejo.

    Não adiantam, mais, as brigas de ocasiões. Tornam-se necessárias as modernas técnicas negociais do ganha-ganha, para um compartilhamento de bons resultados com preços justos e viáveis, vendendo para muitos não só por muito tempo, mas por todo o tempo. Não se constrói nada sozinho.

    A hora do Brasil é agora com capacitação, cooperação, comunicação, comprometimento e confiança. Iluminemos as nossas idéias para construirmos juntos um país inovador, democrático e sustentável, isto é, economicamente viável, ambientalmente correto e socialmente justo.

    Paulo Cesar Bastos é engenheiro civil e produtor rural.

  5. Jean-Yves Carfantan disse:

    Prezado André Sorio,

    Muito obrigado pelos seus comentarios.

    JY Carfantan

  6. Jean-Yves Carfantan disse:

    Prezado Paulo César,

    Espero que todos os atores da cadeia compartilhem as suas analises e principalmente o ultimo paragrafo da sua carta. Obrigado.

    JY Carfantan

  7. ODORICO PEREIRA DE ARAUJO disse:

    Parabens Sr. Jean.
    Vem de encontro com o que venho propondo nestes ultimos anos.
    Recentemente enviei uma materia na qual se tratava dos pontos
    que o Sr. abordou.
    Um abraço

  8. ODORICO PEREIRA DE ARAUJO disse:

    Caro prof. Carfantan

    A quantidade de informações que hoje temos a respeito da crise dos frigorificos é muito grande. a também uma grande quantidade de opiniões e sugestões. vejo que cada setor tem buscado de certa forma proteger seus associados. até ai concordo plenamente. os sindicatos dos produtores rurais conjuntamente com suas federações estão criando mecanismos. mecanismos estes até contraditorios. por exemplo, exigir que os frigorificos criem um fundo garantidor e ao mesmo tempo pedindo para os mesmos venderem somente avista, ai eu pergunto, vender somente avista então pra que criar um fundo?

    fico aqui analizando tudo que tem aparecido em materia de jornais, internet, televisão e rádio. chego a conclusão que infelizmente o caminho para uma solução vai ser muito longo e perigoso. equanto todos os envolvidos na cadeia produtiva da carne bovina, desde o pecuarista até o varejista, estiverem olhando para seu umbigo não havera uma solução. em algumas materias até sinalizam em falar da cadeia produtiva da carne bovina, e é só.

    somente para pensar: diante da situação que a economia mundial vem passando, e que deva persistir ainda por alguns anos. deve ocorrer ainda grandes ajustes, que podem afetar diretamente o setor. pode colocar os pecuaristas e frigorificos principalmente os exportadores em situação de alto risco. caso ocorra de um ou mais frigorifico de grande porte pedir falencia ou recuperação judicial. seria impossível prever as consequencias. são muitas as variantes. cada setor envolvido na cadeia produtiva da carne tem que observar e ficar atento, pois dependendo da situação alguem vai ficar falando sozinho. portanto passo aos envolvidos na cadeia produtiva da carne bovina algumas sugestões:

    – primeiramente deverão olhar para o pequeno, medio e grande pecuarista, criando condições de igualdade a acesso a tecnologia de ponta, creditos a juros baratos e incentivos;
    – criar um mecanismo de retenção de matrizes;
    – tipificação de carcaças, diferenciação entre animais para carne e leite;
    – valorização, quer dizer diferenciar preço, quanto a carcaça, precocidade, raça, etc;
    – buscar a isonomia tributaria entre os pequenos, medios e grandes frigorificos;
    – criar mecanismo para sair da concentração do varejo, hoje a venda em supermercado representa mais de 70% das venda em varejo;
    – extinguir a cobrança do funrural;
    – buscar parcerias entre os envolvidos; produtor < > frigorifico < > varejo = mão dupla;

    não acredito em solução enquanto os representantes dos setores envolvidos na cadeia produtiva da carne bovina estiverem visando o interesse próprio. cada um dano tiro pra todos os lados, e o pior com poucos resultado. os envolvidos precisam sentar na mesa juntamente com o governo estadual e federal para buscar uma solução. só assim acredito.

  9. Gil Marcos de Oliveira Reis disse:

    Caros senhores Jean-Yves Carfantan, Andre Sorio, Guilherme Augusto Vieira e Paulo Cesar Bastos

    Depois de ler atentamente o artigo e os competentes comentários, fiquei aqui “a refletir com os meus botões”:

    – Competência do produtor brasileiro chega a ser assustadora !!!!!

    Apesar de todas as dificuldades apontadas – falta de profissionalismo, perseguições governamentais, falta de reconhecimento, falta de dinheiro, etc.., temos hoje o maior rebanho comercial do mundo, 200.000.000 de cabeças.

    Fico imaginando que se não houvessem tantos óbices estaríamos em uma “sinuca de bico”.

    O que teríamos que fazer para continuar com a expansão do rebanho???…..Arrendar as terras dos outros países da América do Sul?…

    Por falar nisso, caro Sergio Antonio Xavier Alves, anota este comentário que vai ser muito útil para a sua Faculdade.

    Caro Jean-Yves Carfantan, esta mudança de paradigma, que estou propondo, chegou a ser imaginada no seu livro?

    A dimensão do rebanho brasileiro foi alcançada pelos pequenos, se duvida deixem-me dar um exemplo citando o Estado do Pará,na Amazônia, que com 76% das suas florestas preservadas
    possui um rebanho da ordem de 20.000.000 de cabeças (10% do rebanho brasileiro):

    – Governo do Pará, após exaustiva e demorada pesquisa, descobriu que das 110.000 fazendas de gado do Estado, 90.000 tem um rebanho igual ou inferior à 200 cabeças, ou seja, aproximadamente 18.000.000 – o restante dos bovinos são criados em 20.000 fazendas.

    Ao terminar de redigir este comentário me veio a indagação?

    Os estados que produzem as outras 180.000.000 de cabeças tem quanto de suas florestas preservadas?