Os argentinos convivem há mais de cinco anos com inflação de dois dígitos, mas só agora ela começou a doer na carne. A carne, o principal alimento da Argentina, já subiu cerca de 35% só nas primeiras semanas do ano. Para tentar impedir uma onda de protestos o governo avalia medidas como novos "acordos" de preços com o setor privado e a proibição de exportações.
Os argentinos convivem há mais de cinco anos com inflação de dois dígitos, mas só agora ela começou a doer na carne. A carne, o principal alimento da Argentina, já subiu cerca de 35% só nas primeiras semanas do ano, de acordo com os cálculos de consultorias privadas. Quando se trata do país mais carnívoro do mundo, com consumo anual de 73 kg por pessoa, o aumento tem a capacidade de gerar uma onda de insatisfação, levando o debate sobre a disparada de preços ao horário nobre da televisão e ao centro da política nacional.
Para tentar impedir uma onda de protestos o governo avalia medidas como novos “acordos” de preços com o setor privado e a proibição de exportações. Mais uma vez, a presidente Cristina Kirchner culpou os pecuaristas pelos aumentos. Suas declarações reacenderam a ira das entidades rurais, que já vinham demonstrando crescente descontentamento com problemas na comercialização do trigo.
“Senhora presidente, em vez de ser cronista ou repórter, veja como resolver o problema da carne”, retrucou o dirigente da Federação Agrária Argentina, Eduardo Buzzi.
Os produtores rurais da Argentina voltarão a protestar na próxima semana, segundo anúncio do presidente da Federação Agrária Argentina (FAA), Eduardo Buzzi. Na terça-feira, haverá um “tratorazo” em Chabás, na Província de Santa Fé, e no dia 26, no Porto de Quequén, Província de Buenos Aires. Os agricultores vão fazer uma concentração para protestar contra as empresas exportadoras e contra o governo. Para Buzzi, a atitude da presidente Cristina Kirchner confunde a opinião pública porque propõe diálogo com os produtores, mas “tem uma péssima política agropecuária e de extermínio dos pequenos produtores”.
A pressão chegou ao ponto de o sindicalista Hugo Moyano, presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e um dos principais aliados políticos dos Kirchner, afirmar que “ninguém pode negar a inflação”, dando aval implícito a pedidos de reajustes salariais de 20% a 25%.
A questão ganhou contornos inusitados. A rede de supermercados Coto, de um empresário argentino bem relacionado com o casal Kirchner e cuja mais nova unidade foi inaugurada pessoalmente pela presidente, alardeia uma “megapromoção” no sábado e domingo: a venda de 300 toneladas de cortes de exportação a “preços insuperáveis” – o preço foi uniformizado em 6,99 pesos o quilo. O mais curioso é que o anúncio foi feito por meio de uma entrevista do gerente comercial da rede à agência de notícias oficial Télam, uma espécie de porta-voz da Casa Rosada.
Diante da polêmica, a rede social Facebook entrou em cena, com a convocação de uma “greve de carne” a partir de segunda-feira. “Somos um grupo de consumidores que acreditamos que o aumento é excessivo e injustificado”, apresenta-se a comunidade criada no Facebook. Com 5.129 membros ontem à noite e sob o slogan “basta de preços loucos”, a comunidade pede que os argentinos deixem de comprar carne por sete dias, uma verdadeira heresia para a cultura gastronômica da maioria da população.
No ano passado, a produção argentina de carne aumentou 11% e as exportações praticamente igualaram o recorde alcançado em 2005. Os números positivos contrastam com a previsão catastrófica, feita há menos de dois anos, de que a Argentina passaria a importar carne. Mas as estatísticas podem enganar, segundo a Câmara da Indústria e do Comércio de Carnes da Argentina. O abate cresceu em 1,2 milhões de cabeças na comparação com o ano anterior, mas 650 mil eram fêmeas.
Em janeiro, consultorias privadas que fazem medições independentes registraram variação de 2,1% a 2,3% nos preços. Para a consultoria Bein & Associados, só o aumento dos alimentos – em especial da carne – levará a inflação de fevereiro a um piso de 1,5%. “Mas acreditamos que o aumento dos preços será superior, em torno de 2%”, afirmou Marina Dal Pogetto, economista-chefe da consultoria. De estimativas iniciais próximas de 15%, as projeções dos analistas para a inflação de 2010 já subiram para mais de 20%.
As informações são do Valor Econômico e do jornal O Estado de S. Paulo.