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A Bunda do Nelore

Por Carlos Viacava1

Com alegria li no suplemento agrícola do Estadão o artigo “A cara do nelore” do meu “cumpadre” e irmão Orestes Prata Tibery Júnior. Orestinho, como é tratado pelos amigos, é diretor da ABCZ e membro do Conselho de Administração da ACNB. Um dos mais tradicionais e competentes criadores de Nelore deste país. Que bom que ele voltou a escrever e a levantar assuntos polêmicos. Lideranças como a dele, tem o dever de criticar e debater os rumos da seleção.

Orestinho critica duramente os atuais critérios de julgamento em exposições, onde se valoriza extremamente o ganho de peso e a precocidade sexual, confundindo-se o concurso de animais com um concurso de rações. Concordo plenamente com ele, assim como com ele concorda toda diretoria da ACNB. Estamos organizando com a ABCZ um amplo debate, para harmonizar os critérios de julgamento com os critérios de seleção massal. Não pode haver distinção, como hoje há, entre o boi de pasto e o boi de pista. A força da pecuária brasileira reside no nelore criado a pasto, o boi de capim, o nelore rústico, longevo, fértil e lucrativo. O sucesso do Nelore no Brasil deve-se a perseverança de criadores como Orestinho, que durante décadas insistiram na fixação de um padrão racial bem definido, que permitisse a consolidação da raça. Afinal, apenas um máximo de 2.000 animais nelore foram importados da Índia para gerar, em um século, 100 milhões de cabeças nelore ou aneloradas.

Ficou clara no último Simpósio da ACNB a advertência aos perigos do gigantismo.

O nelore brasileiro deve manter-se rústico e fértil. Está provado que fêmeas maiores são mais exigentes e menos férteis. Quem imaginaria manter uma atividade lucrativa com um plantel de, por exemplo, 1.000 matrizes nelore de 700 ou 800 quilos em regime de pasto? E olhem que hoje, são pesos baixos comparados aos de fêmeas de pista com 2 anos e meio de idade. E não é apenas o gigantismo das fêmeas que devemos evitar. O mesmo se aplica aos touros enormes que vão produzir filhas enormes e bezerros com alto peso ao nascer. Deixemos os enormes para as raças de tração e não para as produtoras de carne. Do ponto de vista econômico, da lucratividade, a característica mais importante, longe da segunda, é a fertilidade É essa que devemos preservar.

No entanto, isso não quer dizer que está errado quem busca aperfeiçoar a precocidade sexual e de acabamento de carcaça. Está provado que fêmeas nelore precoces produzem filhas precoces. É uma característica de grande herdabilidade. Alguns criadores estão fazendo, com muito sucesso, esse tipo de seleção. Claro que não é o cio provocado artificialmente. Simplesmente as novilhas de 12 a 16 meses são expostas a touros, durante a estação de monta. Umas emprenham, a maioria não. Aquelas são as precoces e 80% delas produzem filhas precoces. Isso é uma evolução. Na década de 80, abatia-se o boi de 5 anos e emprenhavam-se as novilhas com 3 anos, que iam dar sua primeira cria aos 4 anos de idade. Hoje, a maioria das boiadas nelore abatidas tem entre 2 a 3 anos e meio de idade e as fêmeas que não parirem aos três anos são descartadas. Concordo que as superprecoces exigem cuidados especiais para não perderem o segundo ano reprodutivo: um pasto reservado e umas gramas de proteinado no cocho. São as novas técnicas de manejo que, associadas ao progresso genético do Nelore, estão levando a um aumento da produtividade e do desfrute do rebanho brasileiro.

O nelore não pode perder a cara. Mas também não pode ser pernalta e sem carne. Deve manter a cara e melhorar a carcaça. Também não pode ser a Raimunda: feia de cara e boa de bunda.

Só fiquei triste porque o Orestinho, ex-criador de nelore mocho, disse que a cara do nelore é “a cara do nelore indiano, com chifres chatos…” Ora, nós sabemos que o nelore brasileiro (na Índia não tem esse nome) tem sangue não só do puro ongole indiano. Por outro lado, lê-se claramente no Regulamento do Serviço de Registro Genealógico das Raças Zebuínas, que o padrão ideal no capítulo chifres é o seguinte: “De cor escura. Firmes. Curtos….achatados….; ou a ausência completa de chifres”1.

Ou seja, o nelore mocho, com ausência completa de chifres é nelore padrão. Ou, se preferirem, está incluído como ideal no padrão da raça nelore. Como diz Orestinho, nelore é nelore, ou como diz o manual, nelore mocho é nelore.

Outra coisa que me surpreende no artigo é a crítica ao LA. Então o que é POI e PO? Será que todo PO tem genealogia conhecida? Será que não tem nenhum cruzamento absorvente? Até no POI se destaca a presença de sangue taurino2. O que vale mais: um pedigree honestamente incompleto ou aquele recheado de falsas informações ou informações equivocadas? Um animal LA, vistoriado e aprovado por técnicos da ABCZ com desempenho comprovado em programa de melhoramento ou um PO, com avaliação genética negativa? Por que agora a ABCZ se prepara para exigir tipagem sanguínea de animais gerados através de monta natural? Como fica a tão decantada fusão dos sumários de touros. Queremos um único sumário, mas não queremos incluir nele o LA. Desse jeito não pode haver fusão.

O registro de LA, suas pesagens e mensurações enriquecem a base de dados e aprimoram os programas de melhoramento.

Felizmente a ABCZ está registrando animais LA. Muitos criadores estão começando com o LA e passando para o PO, num processo de treinamento e aprendizagem, que está agregando milhares de novos pecuaristas à família nelorista. Digo milhares, sem exagero. É só conferir na ABCZ como anda a lista de novos associados nos últimos 3 anos.

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Carlos Viacava é criador de Nelore, Presidente da ACNB e membro do Conselho Técnico da ABCZ. Fazer GIF

1 Página 95 do Regulamento do Serviço de Registro Genealógico das Raças Zebuínas. Ministério da Agricultura e Abastecimento e ABCZ

2 Flávio Vieira Meirelles. Anais do Simpósio 2002 Nelore Natural.

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