Por Orestes Prata Tibery Junior1
Criticar a seleção da raça nelore, no estágio em que se encontra, de excelentes preços e com animais de pista acima de 1.500 gr de ganho dia pode parecer coisa de despeitado ou no mínimo de quem não entende nada de seleção.
Despeitado, quem me conhece sabe que não sou. Ninguém é mais preocupado com o sucesso da raça do que eu, porém, o que desejo, é que este sucesso não seja passageiro. É preciso que esteja alicerçado na pureza racial, que está sendo descaracterizada, na harmonia da carcaça, que está sendo menos importante que o superpeso, na fertilidade, que está sendo valorizada pela prenhez precoce (precoce demais) sendo que esta prenhez, na grande maioria é feita artificialmente, principalmente para fêmeas de pista. Esta é a minha preocupação, as invenções, os exageros, desprezando o equilíbrio a harmonia.
Quanto a entender de seleção, confesso que, da maneira que está sendo direcionada, realmente não entendo nada.
Chega de peso, se quisermos levar a raça para 2.000 gr dia, com certeza conseguiremos, o nelore tem “laceio” para isto. Vale a pena? E as conseqüências? Os bezerros vão conseguir nascer normalmente? Muitos se vangloriam de estar colhendo bezerros de 50 e mesmo 60 kg. Isto já aconteceu na minha fazenda e muitos só nasceram com a ajuda do peão e alguns com cezariana.
Vamos analisar o que está acontecendo nas pistas. Peguem o catálogo, acompanhem o julgamento e constatem que mais de 88% dos premiados são os mais pesados. Vejam que um animal de 1.300gr (ótimo ganho) harmonioso, caracterizado, com bons aprumos, não ganha de um de 1.500gr “meia boca”.
Será que os mais pesados são os melhores? Já atentaram para a quantidade de medidas que colocam no catálogo? O juiz tem condições de avaliar animal por animal? Elas são corretas? O animal mexendo no tronco, mais de mil para medir, comprimento, altura, testículos etc. Será que sai tudo certinho?
Temos bons juizes que entendem de raça e carcaça, mas, alguns deles não conseguem se livrar deste verdadeiro arrastão “tecnológico”.
Lembrem-se que nelore é nelore, é único, não pode seguir os métodos de seleção das raças européias.
A nelore é rústica e fértil, não escolhe capim nem qualidade de terra. Uma vacada nelore a campo, com touros suficientes, eliminando as solteiras vazias, depois de algum tempo passa a parir com a precisão de um relógio suíço, igual bicho.
Infelizmente, neste campo da fertilidade, também já começaram as invenções, para mim as mais graves. O assunto da moda é a prenhez precoce, o exagero é tanto que estavam valorizando nas pistas bezerras prenhas aos 13, 14, 15 meses. Acho isto um absurdo, a maioria destas bezerras estavam sendo inseminadas através de cios provocados artificialmente. Isto é seleção? Vários amigos criadores me falavam que tinham de usar deste artifício para ter chance nas pistas, eu também, por um período, fiz esta bobagem para não perder muito feio.
A prenhez obrigatória para a fêmea com 500 kg foi uma piada, este peso já estava sendo alcançado por bezerras de 13 e 14 meses. Muitas vezes, na exposição de Uberaba, antes do peso, podíamos ver bezerras nos currais, sem comer, porque ainda não estavam prenhas e não podiam pesar 500 kg. Fazendo regime para poder concorrer. Isto é seleção? E o pior, nossa comissão da ABCZ que mudou a obrigatoriedade dos 500 kg para 20 meses, foi criticada por alguns que já estavam achando os 500 kg defasados.
Estão querendo ganhar do europeu em tudo, até na prenhez super precoce que é característica destas raças, que na sua origem nascem e parem com ótima alimentação e aqui no Brasil continuam com estas exigências e mais: clima, sombra, carrapaticidas, etc, para sobreviverem.
A fertilidade de uma matriz é avaliada durante a sua vida reprodutiva, uma bezerra que dá cio aos 12 ou 13 meses pode perder no fim da sua história de parições para a novilha que prenhou com 20 ou 22 meses, esta bezerra, quando parir, se não estiver em ótimas pastagens ou com ajuda de alimento no cocho, vai dar cio só depois que desmamar o bezerro. Esta é a realidade.
Temos que selecionar as famílias de vacas parideiras e longevas. Aí é que damos um verdadeiro banho nas não zebuínas, que, com dez anos estão-se aposentando, tendo a nelore quase outro tanto em franca atividade reprodutiva.
Os criadores também são grandes pesquisadores. Acho que deveria haver uma maior aproximação entre técnicos e criadores, com troca de informações em que prevaleça o bom senso, o equilíbrio, sem esta busca de novidades, copiando seleções americanas e européias, que volta e meia estão “quebrando a cara” com métodos que nem sempre dão certo. Selecionar o nelore é diferente, porque é uma raça diferente. Responde a tudo que quisermos implantar, porém, toda mudança traz também conseqüências indesejáveis e não podemos atirar a esmo. A tecnologia está aí e não pode ser desprezada, basta não inventar.
Já erramos feio com os pernaltas que atrasaram a nossa seleção, agora estamos com o exagero do peso e da prenhez precoce. O nelore já tem peso suficiente, vamos cuidar da boa distribuição da carcaça, principalmente das garupas volumosas. A garupa cheia não atrapalha no nascimento do bezerro, passando a cabeça e a paleta, o resto sai com facilidade.
Nestes detalhes é que o criador fazendeiro pode ajudar, a maioria participa do dia a dia da fazenda, vê os bezerros nascerem e acompanham o seu desenvolvimento, observam que as mães dos grandes raçadores não são as vaconas pesadas e grosseiras e sim as femininas, caracterizadas e harmoniosas.
Temos ótimos técnicos, alguns filhos de criadores e outros que mesmo não tendo participado do dia a dia da criação, são observadores e tem o dom natural e necessário, pois, sem este predicado, sem o jeito pela coisa, não conseguem avaliar em detalhes e, aí, a solução é premiar o mais pesado.
Muitos juízes já não estão aceitando os “fenômenos”, alguns já estão colocando estes pesadões e principalmente as pesadonas do terceiro lugar para trás, tirando-lhes a chance de disputar campeonatos.
Acho que temos juízes capazes de avaliar os animais sem todas estas informações que na verdade só atrapalham o bom julgamento induzindo-os a escolherem o caminho dos mais pesados.
Não podemos deixar de valorizar as características raciais. Antes da importação de 1962 o nosso nelore estava sem rumo, só existiam dois ou três touros que alcançaram 1.000 kg depois de adultos, lembro-me do Egípio do Brumado e do Iman do Mario Franco.
Depois da importação, começou a grande arrancada que transformou o nelore na maravilha que é. Por muitos anos a raça foi selecionada buscando o seu aperfeiçoamento como raça de corte e mantendo as características raciais que o padrão da ABCZ tão bem descreve. O nelore não pode perder a cara de nelore, do ongole, é a cara do nelore indiano, da sua origem, com chifres chatos, cabeça seca, goteira nos machos, olhos elípticos, chanfro e focinho largos, estas características tem que ser preservadas e não inventadas. Estou vendo animais premiados com chifres redondos, marrafas altas, chanfros e focinhos finos. O padrão racial existe e tem que ser respeitado, a cara do nelore não pode caminhar para virar cara de brahman. Não tenho nada contra esta raça, só que: nelore é nelore e brahman é brahman.
A responsabilidade dos criadores e dos técnicos que valorizam a raça é muito grande no policiamento contra os adeptos de mudanças por conveniências, como o absurdo de colocar touro LA em vaca PO e o de descornar o nelore.
Pensam que isto é fofoca, pois saibam que estas duas propostas foram apresentadas na última reunião do conselho técnico e, felizmente, levaram tinta. Mas o perigo existe, é real, como exemplo posso citar o que aconteceu com a fantástica raça guzerá que vinha evoluindo a galope, aprovaram a descorna e o guzerá ficou com a cara igual à do brahman. Agora ficou fácil misturar e “mascarar”.
São mais de setenta anos de seleção, de grandes criadores, que foram buscar animais na Índia e continuam com plantéis maravilhosos, selecionando precocidade e raça, mostrando vacas fantásticas nos leilões de embriões, felizmente muito valorizados pela grande maioria dos criadores.
Todo este trabalho de seleção, feito com critério, respeitando o padrão, está sob ameaça de outras correntes, a dos que querem começar com o cara limpa, registrar no LA, cuja filha desta LA já estará parindo PO, que na verdade não é PO e nunca será. O que precisamos é acabar com o registro do “cara limpa”, cujo comércio, prejudica muito a raça nelore, formando seleções milagrosas que nascem da noite para o dia, fazendo provas de ganho de peso, indicando “qualidades” de touros sem pedigree, fazendo acasalamentos pelo computador. LA é touro comercial para cobrir vacas de corte.
Acho que os PO, originários do LA, deveriam ter um pedigree com cor diferente para sabermos sempre de onde vieram.
Se bobearmos, vai chegar o dia que o catálogo vai ganhar de 100% e os animais não precisarão comparecer às pistas.
O nelore precisa ter peso, precocidade, carcaça harmoniosa, fertilidade e cara. Insisto, não podemos inventar, a cara do nelore é a da sua origem, do nelore Indiano, de animais com história e carga genética, conseguidas através de anos de seleção e de cruzamentos programados, formando genealogias que não podem ser comparadas com os originários dos cara limpa e LA, que em lugar do caranguejo deveriam ter na cara a marca?
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1Orestes Prata Tibery Junior é criador de nelore desde 1957, ex-diretor da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, diretor da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu e membro do Conselho Técnico da Raça Nelore.
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É com muita autoridade, que o criador e selecionador Orestes Prata Tibery, aborda o assunto da seleção do nelore, onde reconhecidamente exerce com competência seus trabalhos.
Realmente, há de se preservar e melhorar as características raciais, a capacidade de adaptação, fertilidade em condições tropicais, entre outros atributos.
Como criador e pecuarista, Orestinho como é conhecido, sabe que estas características se somadas ao bom desempenho na balança, significam o retorno garantido em qualquer capital investido em pecuária.
Por outro lado, existe uma preocupação justificada, pelos critérios de avaliação em pistas de julgamento, visto que sabidamente, estas premiações norteiam a seleção da maioria dos criadores, tendo eles conhecimentos técnicos ou não.
Agora, para a seleção rigorosa, se objetivando um avanço em torno das características citadas, as pistas de exposição e suas conhecidas artimanhas também citadas por ele, muito pouco têm a contribuir em termos de embasamento científico, a não ser por um belo espírito de confraternização dos criadores, em torno de festas muito bem organizadas, onde não raro, pequenas divergências atormentam por demais os mais vaidosos.
Neste ponto concordo plenamente com o autor, da necessidade de redirecionar os critérios de julgamento!