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A carcaça nos EUA

Daniel Furquim B. Machado1

Passei duas semanas no frigorífico Excel em uma cidade próxima daqui, que se chama Fort Morgan. O frigorífico pertence à Cargill Foods, uma gigante aqui nos EUA. Tenho algumas novidades e coisas boas para contar.

Com relação ao abate, fiquei muito impressionado com a quantidade e qualidade das novilhas que vinham sendo abatidas. Primeiro pelo peso delas. Eu calculo que elas, vivas no curral, pesavam umas 16@ no mínimo. Consultando um americano amigo meu aqui dos EUA que faz doutorado, perguntei lhe novamente sobre a média de peso das carcaças de novilhas e novilhos. Fiquei impressionado, a média de peso das carcaças das novilhas e de 650 a 700 Lbs, ou seja, 292,5 a 315 Kg (19,5 a 21@, respectivamente), a média de peso de carcaça dos novilhos é de 750 a 850 Lbs, ou seja, 337,5 a 382.5 Kg ( 22,5 a 25,5@ ).

Na minha opinião é um peso fantástico, atingido com apenas 20 a 24 meses de idade, vale lembrar, que isto é uma combinação de vários fatores onde a genética, a castração, a alimentação e o uso de promotores de crescimento (hormônio), são de fundamental importância. Outra característica marcante, que me chamou muito a atenção, foi a masculinidade das novilhas devido ao uso de hormônios. A vulva fica tão pequena, que se você não olhar direito, acha que é macho.

Agora, as carcaças são fantásticas, a conformação é excelente, o acabamento é perfeito e lindo e a gordura de cor branca, o que confere um aspecto visual muito bom à carcaça e aos cortes, principalmente na hora da comercialização. Mas a gordura é excessiva se comparada ao nosso mercado e aos mercados de exportação que compram carne brasileira, principalmente o MCE, que exige cortes bem limpos e aparados, com exceção do contrafilé que deve ter gordura de cobertura.

Mas o que me chamou mais a atenção em relação ao peso e acabamento de gordura das carcaças foi à homogeneidade dos mesmos, uma carcaça igual à outra, ou seja, eles tem padronização de cortes na hora da desossa, aspecto muito importante na hora de calcular o custo final do produto, pois você tem cortes iguais e padronizados em relação ao peso e acabamento. Vale lembrar, que o custo fixo de um frigorífico, onera de sobremaneira o produto final, motivo pelo qual os pesos de carcaça são tão importantes no calculo do custo final do produto.

O objetivo da indústria é processar a maior quantidade de quilos/homem/hora, para alcançar melhores índices de produtividade. O peso quando adequado otimiza a mão-de-obra e as instalações industriais, conferindo maior produtividade industrial.

A principal função e vantagem da gordura de cobertura é a proteção contra o frio das câmaras, o que é bem observado por aqui. As carcaças ficam por 48 h resfriadas em câmaras enormes a uma temperatura de 3 a 5oC. Portanto na hora da desossa a carne está com um tom vermelho cereja linda, pois não foi queimada pelo frio, e a carcaça teve tempo e condições para que ocorressem as reações naturais do músculo, tais como, queda de pH, rigor mortis, não ocorrência do cold shortening e temperatura interna adequada do músculo, fatores importantíssimos na qualidade final da carne. Observando as carcaças após a serragem entre a 12a e 13a costela pude observar que as carcaças tinham no mínimo 12mm de gordura.

O curral de acesso ao abate é feito nos moldes como recomenda a Dra. Grandin. É todo em curva, e os funcionários não gritam, não usam choque, usam uma vara com um saco plástico preto na ponta. É impressionante como o gado se desloca sozinho. O negócio funciona mesmo. O stress de pré-abate é muito pequeno.

Outros pontos importantes, que era justamente, o motivo de meu estágio lá, era acompanhar as operações no abate. Desde a esfola, até a lavagem final das carcaças, a preocupação deles com a contaminação é muito grande, também pudera, pois o gado é muito sujo devido a permanência nos currais de confinamento, o pêlo comprido facilita a aderência de fezes, e o mesmo não é lavado antes do abate e nem é submetido a jejum de pré-abate. A carcaça é esterilizada logo após a esfola dos quartos traseiros, com jatos fortes de vapor; após a esfola da região do alcatra e das costelas e novamente esterilizada com vapor, pois esta região e muito susceptível a contaminação por fezes e pêlo. Antes da evisceração, a carcaça é lavada e pulverizada com ácido láctico diluído em água para descontaminação. É fantástico. O funcionário que não esteriliza a faca após cada operação, que não faz a operação correta de troca de facas e prevenção de contaminação é advertido uma vez, se cometer o mesmo equívoco é mandado embora.

A carne a ser desossada é muito boa quanto à coloração. Não se vê diferença entre fêmea e macho por aqui. Cheguei a essa conclusão agora, com um americano: os pesos são semelhantes e a fêmea é muito bem aceita, pagando-se pouca coisa a menos que os machos.

Eles são mais justos com os pecuaristas do que os frigoríficos brasileiros, pois por aqui eles não tiram o diafragma, o lombinho, o rim, a gordura do úbere, a gordura da capadura, a gordura peri renal, o matambre, a sangria retira muito pouco, a gordura interna da bacia também não é retirada, ao contrário do que acontece no Brasil onde todos esses itens citados são retirados antes da pesagem da carcaça.

O rendimento médio das carcaças é em torno de 63%, quando mencionei a eles que no Brasil o rendimento médio das carcaças era de 53% eles não acreditaram e quiseram saber o porque de um rendimento tão baixo. Outro aspecto que me chamou a atenção e eu também perguntei a eles, é que você não vê o proprietário do gado ir ao frigorífico para acompanhar a pesagem e o rendimento do seu gado, devido à confiança que o frigorífico lhe passa.

A limpeza na matança é justa. Pois essas gorduras internas são as primeiras a serem depositadas pelo animal, durante o estágio de engorda, e no Brasil nós as retiramos, tanto quanto o diafragma, o rim, a sangria e o lombinho (carne perto do fígado), e tudo isto é vendido pela indústria e o pecuarista não recebe nada por isso. Será que o pecuarista brasileiro não merece uma remuneração mais justa pelas suas carcaças entregues ao frigorífico??

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1 Daniel Furquim B. Machado é Zootecnista. Estagiário na Universidade do Colorado, EUA, Dept. de Ciência da Carne. (Trechos de carta recebida pelo Engenheiro Agr. Fernando P.Cardoso, Agrolida, São Paulo, em Agosto de 2002).

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