Por Louis Pascal de Geer1
Como em qualquer negócio, quem realmente gosta do que faz, geralmente o faz bem feito e este princípio vale em dobro pela atividade de cria de gado bovino.
Não adianta teimar em usar cruzamentos industriais quando o coração está no Nelore; para ambos tem espaço no mercado de carne; o importante é fazer bem feito a cria; e para quem está aberto para fazer mudanças, logo vai ver quais são as melhores opções na sua situação.
Perguntei a um diretor de um frigorífico, se tinha diferença entre os produtos industrializados derivados do Nelore e do Angus, e surpreendentemente para mim, ele respondeu que sim, os de origem Angus são geralmente os mais gostosos.
Quem cria hoje, tem também que pensar na qualidade do produto na mesa do consumidor final, porque é isto que o mercado e o consumidor final querem e podem valorizar.
Isto quer dizer que o sistema de produção de bezerros em si já se reflete no resultado do resto da cadeia inteira.
A cria é hoje, e sempre foi, o mais importante componente da cadeia produtiva da carne, mas infelizmente também é, e sempre foi, o mais economicamente castigado e abusado.
O surgimento do novilho precoce tem por mérito que visualiza de maneira clara a dependência exclusivamente da cria, e os criadores para este tipo de produto escolhem as melhores opções de raça e cruzamentos industriais e manejo dos bezerros, porque disto depende o sucesso da atividade.
É um exemplo de que como a cria se arma para viabilizar um sistema intensivo de engorda e a produção de animais jovens para abate.
Esta preocupação do criador com a escolha do seu sistema de produção é necessária em todas os situações, mesmo quando os bezerros são vendidos após desmame para recria e/ou engorda, porque o comprador já compra um animal identificado e em tese apto para futura exportação da carne.
Para o criador a identificação individual também poderá trazer grandes benefícios dentro da fazenda porque permite conhecer os animais, fazer observações e avaliações, as quais podem ser usadas em programas de melhoramento genético e através de uso dessas informações incorporar ganhos genéticos no seu rebanho e agregar valor aos produtos.
A explosiva expansão de exportações nos últimos anos faz com que tenhamos que satisfazer as exigências dos compradores e praticamente todos querem animais castrados até no máximo 30 meses de idade, mesmo para os produtos industrializados.
Sabendo isto o criador poderá castrar os machos logo após o nascimento ou então antes da desmama; hoje com a tecnologia do Imoboi (ondas magnéticas que imobilizam o animal em pé e eliminam a sensação de dor) a trauma é reduzido ao mínimo.
Sabemos que o boi castrado já tem um comportamento mais dócil e menos agitado do que o boi inteiro, o que também já deve favorecer um crescimento mais tranqüilo, também sabemos que o ganho de peso do inteiro é maior, mas não existe omelete sem ovos quebrados, e podemos até perguntar se esta velocidade de ganho de peso “do sexo” contribui para aumentar a qualidade de carne e a provável resposta é não.
Um bom senso dita para castrar o macho antes da desmame ou até no máximo 14 meses de idade.
Apesar de que atualmente se pesquisa muito o assunto maciez e o sabor da carne, as fazendas de cria tem ainda muito pouco feito com as armas que já têm na mão.
Creio que o temperamento e o bem estar do animal tem uma relação direta com a qualidade de carne, e obviamente tem alguns animais agitados por natureza, mas estas são as exceções e devem ser descartadas o mais depressa possível.
A grande maioria, que eu situo acima de 90%, pode ter o seu temperamento amenizado com tratamentos adequados que visam o bem estar do animal e isto é visível e pode ser avaliado com escores visuais.
Parte importante do comportamento dócil é visível na pelagem dos animais que neste caso quase sempre é composto de cabelos curtos e brilhosos; isto também pode ser avaliado com escores visuais.
Quando fechamos o gado para o confinamento é notável que, depois um pequeno período de aclimatização, a docilidade dos animais aumenta muito e devemos perguntar o porque disto.
O mesmo fenômeno acontece quando colocamos gado em um regime de pastejo rotativo em áreas pequenos e onde tem uma infra-estrutura adequada de água e suplementação.
Em ambos os casos as necessidades básicas do animal estão sendo atendidas e o gasto dos animais em energia para comer, beber água e se mineralizar fica restrito ao mínimo.
O manejo do gado é nestes casos quase sempre feito a pé e faz muito tempo que o laço foi aposentado como também as corridas de gado para o curral e brete.
O resultado disto é que o animal tem tudo para se sentir bem e tranqüilo, e começa a usar os cuidados para produzir uma carne de qualidade superior.
Pode até ser que as enzimas ou outras bio-substâncias, que facilitam a maciez da carne são produzidas em maior quantidade nestas condições favoráveis.
O tempo em que se tinham algumas milhares de vacas para criar em fazendas nos lugares remotos com mão de obra semi ou totalmente analfabeto já está se indo rapidamente e não deixa nenhuma saudade porque este sistema e atitude massacraram todos os criadores que se encontravam nesta situação, e pior, também condenavam regiões inteiras do país a um atraso de desenvolvimento durante séculos.
É verdade que principalmente as Brachiarias possibilitaram uma verdadeira revolução na pecuária de corte principalmente no centro-oeste a partir da década de 80 e esta revolução ainda é a base para o grande aumento de gado nos últimos anos, mas infelizmente ainda há muitos bolsões de “cria antiquada”, e são eles o principal obstáculo para quebrar os paradigmas na cadeia produtiva de carne bovina.
Em vez de declarar guerra, precisamos ajudar estes criadores através de financiamentos, assistência técnica e a formação de cooperativas.
É um verdadeiro investimento na base de produção e que permitirá também um grande ajuda para os problemas fito-sanitários e de identificação individual dos animais, porque destas exigências o Brasil exportador simplesmente não vai escapar.
Os protestos contra a obrigatoriedade do sistema SISBOV são vestígios do passado, os quais não deviam ter mais vez na pecuária de hoje e fiquei surpresa com a grande adesão que a não obrigatoriedade do SISBOV teve de lideranças que em outros assuntos são até progressistas. Que pena.
Só a compra de carne pelos frigoríficos exportadores de terceiros já simplesmente não permite qualquer recuo neste assunto.
Quem não quer se qualificar para a exportação hoje? Algum criador aceita um preço menor para o seu produto porque só serve, por enquanto, para o mercado interno?
Será que não todas as fazendas de cria deviam estar cadastradas com os seus sistemas de produção e identificação individual para que seus animais tenham acesso ao mercado de exportação?
Será que isto não é um caminho com muito mais retorno do investimento no sistema SISBOV do que a exigência atual (no meu ver ridícula i.e. um custo sem retorno futuro) de 40 dias de permanência no sistema para os animais abatidos para a exportação?
Vamos pensar grande e agir com criatividade, objetividade e firmeza.
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1Louis Pascal de Geer atualmente é consultor, trabalhou durante 28 anos para Agropecuária CFM Ltda, se aposentando como vice-presidente da empresa.
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Muito oportuno seu texto.
O emprego de tecnologia na cria é uma necessidade constante, para baixar custos e oferecer melhores produtos. O rastreamento ao nascimento é o caminho para uma pecuária adequada ao mercado atual e uma solução para as constantes mudanças no Sisbov.
Parabéns.
Caro Louis Pascal,
Li com muita atenção e interesse o seu artigo no BeefPoint “A cria no ganha-ganha” e me identifiquei com grande parte do que você expõe.
No entanto, gostaria de registrar minha frustração pela sua inclinação total para a exportação, em relação aos aspectos gerais da criação, desconhecendo que temos um vastíssimo mercado interno não atendido e que mereceria ser tratado com igual respeito que o mercado externo.
A busca da qualidade não deve ser direcionada ùnicamente à exportação, temos que fazer bem feito também para o nosso mercado interno e talvez seja até mais fácil atingir o mercado externo.
Por outro lado, nossos maiores concorrentes não cresceram nesse segmento apenas através de exportações, mas antes atenderam o seu próprio mercado, é o caso da Australia e do próprio EUA.
Aqui ainda não atendemos a base. Nossa pecuária ainda é tocada em bases muito incipientes e você coloca muito bem isso quando reflete sôbre posições de lideranças do setor quanto a implementação de tecnologia e implantação de uma política de qualidade.
Atente para a inutilidade do SISBOV tal e qual está concebido e operando atualmente.
Reflita sobre a rapidez do recuo do MAPA em relação a obrigatoriedade da rastereabilidade em nossos rebanhos. Ela foi função principalmente da falta de inteligência na concepção do modelo para o Brasil.
Temos excelentes paradigmas na suinocultura e na avicultura de corte, mas nos recusamos a olhar para os lados, então vamos identificar 180 milhões de cabeças de gado, no país em que não temos nem sequer nossa população identificada, e vai por aí afora meu caro Louis Pascal.
Então finalizo: Estou com você em tudo que se refira à profissionalização do nosso setor, mas sem esquecer que o incipiente mercado interno brasileiro (fruto da perversa distribuição de renda em nosso país) responde pelo consumo da maior parte da carne produzida pela nossa pecuária.Imagine uma pequena correção nesse item que efeitos não poderia produzir.
Quanto ao dilema nelore X outras raças, não poderemos nos ater a opinião de alguns sobre ao sabor da carne do Angus ou do nelore verde, da gordura entremeada ou da gordura localizada externamente à carne, não é verdade?
O mercado consumirá, certamente, os dois produtos desde que tenham qualidade e se formos realmente profissionais deveremos estar aptos a atender a ambos os gostos , não é verdade? É questão de gosto e quem o dita é o consumidor.
Um grande abraço e parabéns pela sua preocupação que parece não estar presente nos níveis decisórios do nosso país.
Excelente artigo, bem focado, respeitoso com os pecuaristas mais tradicionais e tidos como refratários.
Aliás, valeria a pena vermos um tema de mestrado em economia com avaliação das cidades e regiões onde a pecuária se estabeleceu e o reflexo do desenvolvimento – ou nâo – que propiciou à região/município e sua esperada evolução mais recente, pela substituição – não simplesmente sucessão familiar – por pecuaristas mais “modernos”.
Naturalmente que a diversidade do país, as condições econômicas internas, com seu grande paradoxo de grande mercado, ainda que pobre e estacionado na baixa renda média da população, serão impeditivivos para a recuperação do setor pecuário em termos de preço praticado.
Com certeza, o pano de fundo do artigo, voltado para atendimento do consumidor, não despreza essas condições e cabe ao emprésário do setor entender, cada vez mais especializado/focado em alguns dos sistemas de produção, que preço não será para a produção crescente, via melhorias de produtividade por genética, nutrição, sanidade e manejo, a variável da esperança, eis que incompatíveis.
Preço baixo, e alguns acreditam que o nível de exportação hoje ao redor de 20% já trouxeram esse preço a um patamar muito mais elevado do que quando estava em 10% – o que é óbvio – talvez será a constante mais presente nos próximos anos e seja o mecanismo de aumento do consumo interno que precisamos alcançar enquanto aquele percentual de exportação também cresça pelo dinamismo de nossos empresário da cadeia produtiva/frigoríficos e outros traders.
Vejo, de algum modo, implícito, o tema da necessária especialização por segmento, visando o dinamismo proposto no artigo, até como forma de acelerar a adoção das necessárias tecnologias, sobretudo de processos.
Enfim, parabéns ao autor pelo foco e educação/polidez com que tratou o tema, fugindo do lugar comum das reclamações dos atores principais neste segmento, todos os dias reproduzidos nos registros do site, jornais econômicos, etc.
Saber bater com luvas de pelica é uma virtude dos grandes mestres!