A crise e a oportunidade da pecuária de corte

Por Paulo Cesar Bastos1

O espectro dos preços baixos que hoje assusta a pecuária de corte, em todo o Brasil, é motivo de muito lamento. A emoção cede lugar à razão, atitude desfavorável para encontramos uma saída. Não podemos, mais, facilitar. As adversidades decorrem das facilidades. Vamos emparelhar a crise com a oportunidade. Visando, sobretudo, estimular um debate e o intercâmbio de idéias em busca dessa saída, tecemos as considerações seguintes.

O remédio considerado mais eficaz contra a malignidade das crises é a união, a parceria, o associativismo e a cooperação. Isso multiplica e fortalece as ações solitárias, conseguindo-se resultados admiráveis. Seguindo esse raciocínio, é preciso estabelecemos as forças impulsoras, modernas, eficientes e sintonizadas com o presente contexto de um quadro de economia mais estável em um mundo globalizado e competitivo.

O nosso papel deve ir além das porteiras das fazendas, fortalecendo a nossa cidadania e unidos contra as forças restritivas, anacrônicas e mesquinhas que embaraçam a pecuária de corte. Devemos estar sempre participando da sustentabilidade desse setor imprescindível para o bem estar sócio-econômico do País, ao gerar emprego e renda, que restringe o êxodo rural e o conseqüente inchamento urbano com as suas mazelas de desemprego, favelizaçao e o crescimento da violência. Aliás, tal importância deve ser dita e repetida para o entendimento e sensibilização dos nossos governantes, em todas as esferas do poder.

Cabe a lembrança de que os pecuaristas brasileiros fizeram a lição de casa, do campo, com distinção e louvor. Com tecnologia, trabalho e dedicação o sistema produtivo ficou mais eficiente resultando na melhoria e a ampliação da oferta de gado pronto para o abate. Ao mesmo tempo, em alguns estados, cresciam as exportações, entretanto, insuficientes para equilibrar a oferta com a demanda. A velha e irrevogável lei de mercado empurrou os preços da arroba para baixo.

Argumenta-se, constantemente, de que temos um enorme mercado potencial para carne vez que o consumo interno anda estabilizado em cerca de 36 kg/hab./ano enquanto os outros países chega até a 76 kg/hab./ano. Tudo bem, porém o problema é que a renda da população é que dita o cardápio do brasileiro.

Assim, o principal desafio, hoje, do agronegócio da carne bovina no Brasil é o equacionar o binômio preço justo x baixa renda. Resumindo, precisamos encontrar o caminho que nos permita uma justa remuneração pela arroba do boi gordo sem onerar e afugentar o consumidor. É difícil mas não é impossível.

O grande desafio é transformar a maior parte dos atuais matadouros frigoríficos da atual condição de simples unidades desmontadoras de carcaça bovina em plantas industriais processadoras da matéria prima boi gordo. A palavra chave é agregar valor aos produtos e aproveitar mais o subprodutos.

Enquanto, em outros países, já se implantam as “fábricas de carne” com “processamento avançado”, aqui, a maior parte das empresas de abate, ainda, não conseguiu chegar ao “processamento primário”.

A realidade, ainda, pouco difere do antigo tripé: carne, couro e fato. O pessoal do frango, há muito tempo, já partiu na nossa frente. Esse problema da gripe aviária é um acidente de percurso, um evento que vai ser administrado e superado por uma cadeia produtiva avançada e prestigiada.

Para isso acontecer, torna-se necessária uma modernização no relacionamento entre produtores e frigoríficos. Não adiantam, mais, as brigas de ocasiões. A negociação deve ser ainda mais ampla com a participação de todos os integrantes da cadeia produtiva, inclusive o varejo.

A presença das entidades de classe na coordenação desse verdadeiro mutirão será fundamental e determinante para a elaboração de um bom diagnóstico setorial para definir as ações necessárias ao aprimoramento tecnológico e comercial, incluindo o marketing institucional.

Com isso, bem fundamentados, com justo direito, poderemos reivindicar o apoio e as medidas dos governos, federal, estadual e municipal no sentido de preservar o trabalho desenvolvido desde os rincões até as cidades pelo agronegócio da carne bovina.

Assim, deste modo, uma indústria moderna, eficiente, processadora poderá produzir a custos competitivos, remunerar melhor ao produtor e conseguir resultados positivos sem repasse inviável para o consumidor final.

Vamos ao debate, não podemos desanimar, iluminemos as nossas idéias para as iniciativas que possam retirar o bloqueio sobre o horizonte a fim de vislumbramos o porvir.

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1Paulo Cesar Bastos é engenheiro civil e pecuarista, Feira de Santana, Bahia

0 Comments

  1. Fernando Cardoso Gonçalves disse:

    Sr. Paulo Cesar Bastos.

    O direcionamento que a sua tese prevê, tem a necessidade de acontecer. Concordo quando compara a cadeia da carne Bovina com a Suína e a de Aves, porém há algumas coisas que são inegociáveis nesse processo.

    Antes de comentar os aspectos inegociáveis, é preciso lembrar que qualquer negócio que se coloque nesse país, mais de 30% são entregues para o nosso querido governo, que tanto nos apóia com suas políticas agrícolas e que tanto é do nosso conhecimento.

    Falava dos aspectos inegociáveis e a autonomia de cada produtor é um deles. Esse produtor quando ouve falar de integração, lembra do sistema que o produtor de frango e suíno vive de quase assalariado. Outro ponto são as exigências que são criadas e que nem sempre são do interesse do produtor. Às vezes as integradoras mudam todo o sistema de produção obrigando o produtor a investir em equipamentos novos e fora da realidade do produtor.

    Por outro lado, acredito que um processo bem articulado pode desenvolver uma centena de produtos carne de forma a atingir o consumidor final e estabelecer metas de produção e remuneração adequada ao produtor, que tratará de produzir aquele bovino que é necessário para essa cadeia.

    A única coisa que pode unir de fato os interesses dos produtores é a remuneração à qualidade. Definir biotipos de animais para aquele segmento de mercado e pagar por isso.

  2. Amauri Gouveia disse:

    Posso afirmar que não iremos longe, pois nós mesmos não fazemos uma união para lutarmos juntos. Veja, não temos uma associação que represente os criadores e fale a mesma linguagem. Volto a dizer, ainda estamos longe.

  3. José Manuel de Mesquita disse:

    Prezado Paulo César Bastos,

    Somente após acertar os problemas porteira adentro, vosso raciocínio estará inteiramente correto. Até lá, veremos o tempo passar, as oportunidades sendo perdidas, países muito menores que o nosso exportarem seus produtos por preços muito maiores, e continuaremos a culpar a tudo e a todos, esperando que alguma coisa mude.

    Infelizmente não estamos exatamente no ponto onde você acredita que estamos. Ainda temos muitos problemas porteira adentro. É inevitável e inadiável a identificação animal individual para que se tenha um mínimo controle sobre a vida sanitária do rebanho. Rastreabilidade é a palavra de ordem para que o mercado externo volte a consumir nosso produto. Mas infelizmente, os órgãos responsáveis por normatizar, o fazem seguidas vezes sem a mínima preocupação em conhecer de perto o os problemas nos diferentes Brasis existentes dentro do nosso Brasil.

    O mês passado escrevi para a ouvidoria do Mapa, a respeito do Sisbov, especialmente sobre o número de manejo, tal como está seu uso é inviável (com alguma segurança) por propriedades que efetivamente fazem um controle efetivo do rebanho. Recebi como resposta que estão estudando uma nova codificação e que poderá ser “Alfanumérica”. Imagine as coincidências fonéticas entre as letras, a quantidade de erros nos registros das ocorrências, (com identificação de 4 dígitos seqüenciais em nossa propriedade, temos um erro de 3 a 4% para cada um dos envolvidos no processo de apontamento) com letras então será desastroso. E olhe, estamos falando da fase inicial da rastreabilidade que é a identificação, imagine o resto…

    Propriedades que não possuem cercas, currais adequados, funcionários que moram em casebres, alguns sem energia elétrica, sem o mínimo suporte, sem escolas para os filhos. Como imaginar que estas pessoas realmente cumprirão suas tarefas com responsabilidade, se a elas está sendo negado um mínimo de dignidade; muitas vezes não possuem ferramental adequado para executar seu trabalho…se a vacina está fora do gelo, se a agulha quebrou, o vidro de aplicador, ou a chuva…o assunto é mais sério, e é de infra-estrutura (moral, social, humana e material).

    Propriedades deveriam ser qualificadas dependendo de seu nível tecnológico e estrutura física para que dessem um mínimo de segurança ao que estaria sendo produzido; dessa forma teríamos propriedades nível A ou B ou C ou D…e em cada um deles (nível), determinado de forma clara quais itens deveriam estar presentes, para que as propriedades pudessem mudar de nível e poder oferecer produtos mais ou menos garantidos dependendo do mercado a ser atendido.

    Não entendo ainda como um órgão expede uma portaria, nos obriga a usar um número de identificação que irá dificultar nosso manejo, e nenhuma das confederações a quem pagamos as contribuições se levantam para nos defender da insanidade que nos está sendo empurrada garganta abaixo.

    Mas, para variar, estaremos novamente fingindo que fazemos a rastreabilidade, e os órgãos governamentais e os frigoríficos fingindo que acreditam que estamos fazendo, bastando para isso que apresentemos um animal com um brinco em uma das orelhas e talvez um botton na outra. Os órgãos governamentais são dessa forma, e continuarão sendo assim, pois a maioria dos que lá estão não tem idéia do mundo real ao qual estamos submetidos.

    Quanto aos frigoríficos a eles também não interessa que seja diferente, pois uma parcela dos criadores tem estrutura técnica para produzir os diferentes tipos de produtos que os mercados externos exigem, com todos os respectivos controles. Mas…depois do animal abatido, visualmente todos podem ser iguais, 2 anos ou 7 anos que importa? desde que tenham o acabamento determinado, não importa de onde veio ou de onde foi criado, os cuidados sanitários, o que comeu etc…o número do brinco (Sisbov) os transforma no mesmo produto… então alinham os preços por baixo, e pagam a todos o mesmo valor, e assim vão matando os que estão realmente preocupados em produzir produtos de qualidade com sanidade e responsabilidade social.

    A situação vai piorar um pouco mais, pois alguns deles já possuem grandes confinamentos, os quais dificilmente não serão usados como um pulmão ou melhor uma reserva estratégica, para manter o abate de suas plantas funcionando, sem prejudicar uma escala longa o suficiente para controlar os preços do mercado, em níveis de seu próprio interesse.

    A situação somente melhoraria, com a entrada de frigoríficos estrangeiros, mas na instabilidade política que vivemos (onde a oposição de hoje foi governo de ontem, e o governo de hoje foi oposição de ontem, e o maior objetivo de ambos é destruir um ao outro), que empresa se arriscaria a aplicar seus recursos em um país sem objetivos e regras futuras duradouras…

    Pois é…acredito que a classe deveria primeiramente se preocupar em não permitir que se fizessem leis, ou portarias sem que as obrigações delas resultantes, fossem plenamente discutidas, e viáveis de serem implantadas em nosso mundo real…algumas vezes chego a pensar que quem nos representa nada mais é, do que mais uma organização política, que está mais interessada em sua sobrevivência junto ao poder, do que na classe que a mantém e que deveria ser razão de sua existência.

  4. Francisco José Cavalcante Pereira disse:

    Bastante oportuna suas observações Dr. Paulo. Infelizmente nosso problema crônico de cultura tornam as perspectivas desanimadoras. É histórico a falta de cooperativismo e associativismo no Brasil e, particularmente aqui na Bahia.

    Tomemos como exemplo a CCLB e COOGRAPE. O espírito predominante é o que a Cooperativa/Associação pode fazer por mim. Nunca o que posso fazer para que elas se tornem cada vez mais fortes.

    Impressionante que os responsáveis pela quebradeira são, hoje, todos consultores do governo.

    Mas por favor não desanime. Se não fossem os persistentes, o avião provavelmente não teria sido inventado, a energia não teria sido descoberta.

  5. Edgar Cristiano Höfig de Castilho disse:

    Com admirável lucidez, este articulista equaciona as causas da crise que se abate sobre a pecuária de corte, mostrando com tranqüilidade, nova luz no horizonte.

  6. Nadia de Barros Alcantara disse:

    Olá Dr. Bastos,

    Fico triste em ver que a maioria das respostas ao seu artigo sejam tão pessimistas. Infelizmente, enquanto continuarmos a reagir a uma crise começando pelo que ainda tem que ser feito, e que ainda tem muito trabalho, e que ainda temos que nos organizar…tudo vai continuar sendo igual e o setor vai sempre ficar totalmente dependente dos fatores externos…

    Concordo com o Sr. e aos pontos levantados na sua matéria. A estratégia de aproveitar um momento de crise para levantar o setor é eficaz, buscar ajuda nos outros pontos da cadeia e reorganizar a estrutura de comercialização é necessário para valorizar o produto “boi gordo”.

    Podemos tomar como exemplo o que vem acontecendo no setor de carne bovina na França. Há 3 ou 4 anos a crise da vaca louca abalou a sanidade econômica das propriedades francesas. Hoje, novos modelos de organização da cadeia estão surgindo, com circuitos cada vez mais curtos e integrados entre os produtores, os abatedouros e as grandes cadeias de supermercado. Campanhas para estimular o consumo, campanhas para que o público entenda a importância da manutenção do trabalho no campo, a preservação do ambiente rural…fizeram com que o preço à produção duplicasse no intervalo de 2 anos e o consumo se restabelecesse. Lógico, a conjuntura é diferente da brasileira, a renda da população, a diminuição do rebanho são os fatores maiores que influenciaram essa valorização, mas as ações dos pecuaristas franceses também tiveram o seu peso, visto o resultado do desenvolvimento do conceito da multifuncionalidade da agricultura…

    Iniciativas tem que ser tomadas, ficar reclamando não é, definitivamente, uma boa solução. Num pais enorme como o Brasil, achar um ponto comum a todos os produtores é muito difícil. Cada um tem que ceder um pouquinho e ajudar a procurar soluções, ou ao menos concordar com as que são dadas e acrescentar ao invés de só criticar negativamente…

  7. Jucelino dos Reis disse:

    Caro Paulo Cesar Bastos,

    Concordo com seu raciocínio, porém faltou dizer que, a margem histórica do varejista que era de 30%, está hoje em 75%, e em algumas regiões até mais.

    Assim, penso que há que se criar algum mecanismo (mercado) de modo que a carne chegue às mãos do consumidor a preços bem menores.

    Saudações.

    JUCELINO DOS REIS
    PRODUÇÃO DE GADO DE CORTE

  8. Paulo Cesar Bastos disse:

    Amigos ,

    O nosso artigo começa e termina com convites ao debate e ao intercâmbio das idéias. Acreditamos estar cumprindo o nosso objetivo. Provas disso são as vossas cartas.

    Não existe a pretensão de apresentarmos a receita infalível, no entanto é notória a necessidade de uma modernização e adaptação de todo o sistema produtivo da carne à uma nova realidade, descartando conceitos e práticas ultrapassadas e que não podem mais gerar resultados favoráveis.Grato pela atenção, divulguem o artigo.

  9. Paulo Cesar Bastos disse:

    Prezado Sr. Jucelino

    Grato pela carta. O grande problema do varejo,hoje, é a concentração das vendas pelos grandes supermercados. A facilidade da venda pelo cartão, os parcelamentos vêm inviabilizando os açougues e pequenas casas de carne. É um importante ponto a ponderar dentro de um plano de adequação tecnológica aliado às novas estratégias de mercado que venham a promover preços compatíveis para o consumidor e remuneração justa e coerente com os custos de produção do boi gordo.

    Saudações

    Paulo Cesar Bastos

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