Como consultora global e auditora de plantas frigoríficas na Austrália, Europa, América do Norte, Ásia, América Central e América do Sul, eu reconheço o quanto os problemas para cada uma dessas unidades são similares e como são fáceis de resolver. O aspecto mais desafiador é convencer os gerentes de que mudanças são necessárias. Depois que isso é conquistado, as soluções são rápidas, econômicas e indolores.
Na América Latina, geralmente leva de 3 a 4 anos para um animal atingir idade de abate. Sem manejo apropriado, a musculatura colhida desta bela criação pode ser destruída em menos de 4 horas. Uma planta de processamento que esteja por dentro dos melhores métodos de manejo humanitário e abate pode conseguir produtos de melhor qualidade, assim, uma vantagem econômica e, ultimamente, consumidores mais satisfeitos.
Projeto da estrutura, treinamento de funcionários e sistema de auditorias de rotina podem contribuir para assegurar a que os animais estejam livres do estresse daquelas últimas poucas horas. A partir do transporte de recebimento e a cada etapa do processo, os animais estão sujeitos ao estresse que pode afetar a qualidade da carne. Uma planta com manejo apropriado pode manter os animais livres deste estresse.
O transporte do gado é o primeiro ponto de impacto na qualidade da carne. Essas fotos mostram dois diferentes caminhões de transporte de gado. A primeira (Foto 1), tirada na China, mostra um embarque cuidadoso do caminhão, assegurando que os animais sejam alocados de forma a transportá-los sem que eles caiam.
A segunda foto (Foto 2) mostra o caminhão sobrecarregado, onde muitos animais caem durante o transporte e não conseguem mais se levantar. A foto 3 mostra uma vaca que caiu no caminhão. Note as lesões que resultaram neste animal, que foi ferido durante o transporte (Foto 4).
É extremamente importante que o frigorífico se comunique com a empresa de transporte e motoristas para garantir que os animais sejam embarcados apropriadamente nos caminhões. Ainda, os mesmos devem ser avaliados para determinar se o veículo tem a manutenção apropriada (sem pontas que podem causar ferimentos) e se é provido de assoalho anti-derrapante para prevenir de queda ao longo do transporte (Foto 5). O frigorífico deve registrar a auditoria e fornecer o feedback às transportadoras e aos motoristas.
Depois de transportado, o gado necessita de tempo de descanso e recuperação antes de entrar no frigorífico. Um curral de espera apropriado permitirá que os animais permaneçam calmos e livres do estresse.
As fotos abaixo mostram dois currais diferentes. Na primeira (foto 6), há espaço aos animais na espera. Água é fornecida e os animais podem alcançá-la. Como pode ser percebido, os animais estão calmos e sem estresse. Na segunda foto (foto 7), a área de contenção é muito pequena.
Se algum animal se deitar, os outros pisarão nele, na tentativa de se mover dentro do curral. Os animais poderão ficar presos muito próximos um ao outro em dias quentes. Isso poderá resultar em estresse pelo calor ou irritação, devido ao outro animal presente na sua “zona de fuga” (saiba o que é a “zona de fuga”).
Em currais superlotados, o gado pode não alcançar a água e sofrer estresse pelo calor devido à desidratação. Estudos indicam que o estresse pelo calor pode causar escurecimento na carne. O melhor é projetar o curral com pelo menos 1,87 m2 por animal.
Todos os animais devem ser capazes de se levantar, deitar e alcançar água sem pisar em outros, ou serem pisoteados. Os vaqueiros devem ser treinados para ajustar o número de animais por curral, garantindo que cada curral esteja com 3/4 da lotação, ou menos. É benéfico prover os currais de sombra, especialmente em climas quentes.
O uso de paredes sólidas entre os currais elimina a ansiedade devida ao contato com animais não familiares, que vieram de outros caminhões ou lotes. Isso é especialmente importante em grandes frigoríficos. Minha foto favorita, de animais relaxados, mostra todo o gado no curral descansando confortavelmente. (Foto 8).
A densidade do curral de espera deve ser monitorada diariamente para avaliar o quanto os funcionários estão mantendo o conforto animal. Água deve estar disponível em cada curral e todos os animais devem ter acesso à ela.
Observe o movimento dos animais para avaliar quando o piso está escorregadio. A necessidade de reparos no piso deve ser mais freqüente próximo de áreas com tráfego elevado de animais, tais como embarcadouro e porteiras de entrada nos currais. Crie a rotina de registrar os resultados de auditorias e elogie os funcionários quando completam corretamente e fazem manutenção efetiva dos currais.
Ao avaliar frigoríficos, é muito comum observar animais calmos ficarem estressados quando se deslocam do currais de espera para o brete de atordoamento. As razões mais típicas para o aumento do estresse são o piso escorregadio e o manejo inadequado.
O manejo tranqüilo pode afetar significativamente a atitude e o nível de estresse dos animais. É impressionante quantas pessoas pensam que é necessário gritar com o animal para cumprir a tarefa de movê-lo. No entanto, é mais provável que o movimento sem estresse seja alcançado por um funcionário que seja muito quieto e utilize seu corpo ou sua “presença” apenas quando estritamente necessário para movimentar os animais.
Na maioria dos casos, os animais de corte estarão mais propensos a se mover para longe do funcionário, apenas por tê-los na vista e atrás do ponto de balanço (ombros). Este animais de manada têm uma tendência de “seguir o líder”, portanto se o funcionário convencer o primeiro animal a se mover para frente, os demais geralmente o seguirão.
O gado leiteiro tem maior familiaridade com os humanos e tem uma “zona de fuga” menor do que de animais de corte criados em campos ou pastagens. Por essa razão, o frigorífico pode precisar utilizar algo para ajudar no deslocamento, como um cano de plástico. ou uma vara com um saco plástico (foto 9).
Para os ocasionais animais extremamente mansos, o uso suave de uma bandeira ou de uma vara com chocalho geralmente é suficiente para convencê-los a se mover (Fotos 10, 11 e 12).
O uso de choque elétrico, gritos ou bater podem ser interpretados pelo animal como um “aviso” que há perigo à frente, por isso evitará ir adiante. Os animais são naturalmente curiosos e geralmente se moverão à frente pouco esforço do funcionário. Minimizando ruídos, níveis de estresse podem ser controlados. Se o frigorífico tem sérias dificuldades na movimentação do gado, pesquise os defeitos da área e descubra se há distrações que causam medo nos animais. Remova-as e o gado fluirá facilmente.
Desde que bovinos são animais grandes que precisam evitar o perigo, eles temem cair ou ter dificuldades de movimentação. Se o piso fica escorregadio, isso irá aumentar muito o nível de estresse nos animais de corte. Por isso, é muito importante que se planeje as instalações de forma a assegurar que currais de espera, corredores, rampas e o brete de atordoamento, todos tenham piso apropriado para prevenir que os animais escorreguem.
Em muitos casos, o frigorífico utiliza inicialmente o piso de cimento nos currais, corredores e rampas. À medida em que a produção aumenta, o cimento se desgasta até que o piso se torne escorregadio nas áreas de tráfego intenso. Os animais perdem o apoio e então podem escorregar, cair ou entrar em pânico por medo de cair. Observe os animais atentamente e localize as áreas mais escorregadias.
A foto 13 mostra um piso de cimento, onde ocorreram deslizes. As fotos 14 e 15 mostram como a instalação de grades de barras de metais erguidas (25 x 25 cm) podem facilitar a movimentação dos animais na rampa e no brete de atordoamento. Nos currais de espera o piso também pode ficar escorregadio. Utilizando uma máquina de marcar cimento, o frigorífico pode fazer ranhuras no piso para ajudar os animais a firmares os pés enquanto andam (veja a foto 16).
Muitos frigoríficos menores utilizam um brete de atordoamento inclinado no abate dos animais. O piso de cimento pode se desgastar com o envelhecimento e então os animais poderão escorregar no brete (Foto 17). Uma vez que pensa que vai cair, o animal entra em pânico e geralmente se debate. Com isso o trabalho do operador de abate fica difícil, enquanto o animal move-se na tentativa de encontrar um local seguro. O animal pode na verdade cair, o que resultaria em ferimentos e/ou escurecimento da carne.
Por causa da agitação do animal, o operador pode errar o tiro da pistola pneumática (o animal não estará insensibilizado na primeira tentativa). Isso causa dor ao animal e cria condições inseguras para os funcionários. Instalando barras de metal no piso do brete de atordoamento, o operador de abate pode trabalhar mais facilmente e efetivamente (Foto 18).
Para medir o processo e suas melhorias, o melhor é conduzir a auditoria de manejo pelo menos uma vez por semana. Um formulário de amostragem pode ser encontrado na Web Page da Dra. Temple Grandin (www.grandin.com).
Utilize o CCP (pontos críticos de controle) de eficácia de atordoamento, insensibilização, uso do choque, escorregões e tombos para avaliar o controle geral do processo. Se as medições se alterarem, descubra por quê. Anote quando os resultados de auditoria estão caindo e documente as mudanças nos processos e resultados de melhoria.
Como um exemplo, eu completei a auditoria de dois anos nos processos de seis frigoríficos. Minhas auditorias indicaram que os frigoríficos que tinham um trabalho de bem-estar animal, com treinamento de funcionários e auditorias internas semanais, todos passaram na minha revisão inicial.
Havia três frigoríficos que não tinham um programa de bem-estar animal quando visitei pela primeira vez. Estes não passaram na primeira auditoria. Contudo, receberam as recomendações ansiosamente. Modificações foram feitas no projeto das rampas e bretes de atordoamento para melhorar o apoio e reduzir os deslizamentos, foram realizados treinamentos com funcionários para ajudá-los a entender os melhores métodos de manejo animal e cada frigorífico estabeleceu um programa interno de auditorias do programa de manejo no transporte e abate, pelo menos, semanalmente.
Os três frigoríficos puderam rapidamente adequar-se ao International Animal Handling Guidelines (Norma internacional de manejo de animais), e passaram na minha revisão na visita subseqüente. O International Animal Handling Guidelines estabelecido pelo American Meat Institute está disponível no site www.animalhandling.org.
Visitei frigoríficos onde, com uma hora de treinamento com os vaqueiros no esvaziamento das áreas e dos currais, e obtivemos melhorias drásticas imediatamente. Isso é muito recompensador para o frigorífico, já que o número de animais estressados diminui e os funcionários acharão o trabalho muito fácil.
O processo global irá fluir de forma contínua e o frigorífico irá passar com confiança em qualquer auditoria de terceira parte de bem-estar animal. Os administradores e proprietários ficam mais satisfeitos enquanto melhorias de qualidade resultam em qualidade da carne e melhores retornos financeiros. O lucro e os benefícios para toda a equipe são facilmente mensuráveis.
Dra Temple nos ensinou bem, seja gentil com os animais e eles serão gentis com você.
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O mercado consumidor a cada dia que passa fica mais exigente, levando pecuaristas, técnicos, e pessoas envolvidas neste meio a procurarem novas tecnologias para poderem competir neste mercado.
O manejo racional veio como um novo meio de trabalho, trazendo um bem-estar aos animais, diminuindo acidentes de trabalho e melhorando a relação entre homem e animal, não esquecendo dos melhores resultados produtivos e reprodutivos, diminuindo custos e tendo um produto final “carne” de ótima qualidade.
Parabéns pelo artigo.
Devemos parabenizar a Dra. Erika pelas lindas fotos e comentários expostos em seu artigo, cujo assunto é de grande importância para a qualidade de nosso produto. No entanto, no Brasil, os frigoríficos são munidos de uma fiscalização diária e contínua por duas equipes responsáveis. A primeira (SIF, SIE ou SIM) e a segunda pelo médico veterinário contratado pelo frigorífico. Portanto, acredito que é um pouco diferente do que acontece em todos aqueles países em que a Dra. Erika realiza auditorias.
Portanto, este artigo seria enriquecido se ao invés do mesmo trazer tantos dados e sugestões para abatedouros, o mesmo trouxesse sugestões ou dicas de manejo para serem aplicadas na propriedade rural, pois dos frigoríficos já tem muita gente cuidando.
Agradeço pela atenção,
Atenciosamente
Sarturi
Gostaria de agradecer á excelente explicação da Dra Voogd. Felizmente os grandes frigoríficos estão começando a ter esta visão de bem-estar e perceber os benefícios financeiros que ela traz.
Venho também comentar sobre uma campanha de Boas Práticas Agropecuárias, que o SENAR está promovendo no estado de Mato Grosso do Sul, onde tentamos levar esta percepção ao elo mais complicado da cadeia: o produtor.
Espero que em poucos anos esses conceitos de bem-estar e abate humanitário se espalhe em sólidas bases por toda a cadeia. Dependemos também da pressão do consumidor, para conseguir consolidar nosso trabalho.
Espero que tenhamos o prazer de ler novos artigos da Dra. Voogd.
O artigo está muito bom, considero importante fonte de informação, principalmente para as entidades responsáveis pela fiscalização na esfera Federal, Estadual e Municipal.
Novamente venho parabenizar o artigo, pelo ressalto da importância do Bem-estar em animais de produção e a influência das instalações e do transporte na qualidade do produto final, que poucos atentam e enxergam a importância, e o resultado econômico que isto acarreta.
É neste intuito de melhoria na produção e redução de custos que a minha empresa e várias outras do setor investem em pesquisa e desenvolvimento de produtos que venham a atender tal necessidade; tais como: currais antiestresse, revestimentos de borracha antiderrapante para pisos, troncos de contenção, enfim vários produtos que utilizados trazem excelentes resultados.
Por este caminho de melhoria na produção, que estamos tendo destaque no cenário mundial como produtores de carne, que ainda está longe do ideal. Mas com artigos como esses, parcerias de empresas e instituições para introdução de técnicas na produção, conscientizando todos os elos da cadeia produtiva, chegaremos ao ideal e seremos melhores remunerados pela qualidade de nosso produto lá fora, tornando-se assim exemplo para todo o mundo na produção de carne.