Em recente estudo, o CEPEA informava aumento de consumo “per capita” de carne bovina no Brasil, de 37 para 38 kg por ano. Um aumento modesto, mas, ainda assim, um aumento de demanda, principalmente quando se multiplica este quilo a mais pela imensa população brasileira.
Ao mesmo tempo, as exportações brasileiras de carne bovina alcançaram, em 2003, mais de 1.250.000 toneladas, com crescimento de 20% (em volume) sobre 2002, e de 320% sobre 1997!!!
Também segundo o CEPEA, os custos de produção em pecuária de corte tiveram, em 2003, aumento três vezes maiores que a valorização nominal da arroba.
Não tendo aquele deputado (do qual me esqueço o nome) logrado revogar a “lei da oferta e da procura”, seria de se esperar uma valorização da arroba em 2003, quando comparada com 2002. Em termos reais, não foi o que aconteceu. A arroba de boi hoje vale menos que em 2002, o mesmo ocorrendo com animais de reposição.
Como se explica esta contradição?
Simples, a meu ver. Como a rentabilidade em pecuária de corte tem sido muito inferior à de outras atividades, especialmente a produção de grãos, milhões de hectares têm sido transferidos de pastagens para agricultura, todo ano. E, de forma mais acentuada, nos últimos dois anos. No início, priorizava-se pastos degradados, cuja extinção pouco efeito tinha sobre a cadeia de produção de carne bovina.
Agora, porém, esta transferência ocorre com pastagens de boa qualidade, o que determina “liquidações” de rebanhos.
De fato. Segundo o IBGE, nunca se abateu tanta fêmea apta para reprodução como agora. Em 2003 o abate de fêmeas situou-se em 34% do total, enquanto a média histórica, de acordo com a CNA, não passa de 15% a 18%. Dados preliminares de 2004 sinalizam a manutenção desta tendência.
Isto quer dizer que a crescente oferta de carne bovina no Brasil não é fruto de aumento de produção, e sim de “queima” de estoques, principalmente matrizes.
A manterem-se as tendências atuais de:
– Crescimento de demanda nos mercados interno e externo, de um lado, e…
– Liquidação de plantéis, com acentuado e crescente abate de matrizes, e …
– Considerando um ciclo de 3 a 4 anos entre a concepção até o abate, i.e. a vaca abatida em 2002 é o boi gordo que não teremos em 2005/2006…
Não se torna difícil traçar curvas em um eixo cartesiano, e verificar que a hora da verdade não está muito longe. A intersecção das curvas de oferta e de demanda ocorrerá entre o finalzinho de 2004 e o início de 2005 (mais provavelmente em meados de 2005). Isto sinaliza uma forte valorização do setor, que, provavelmente, não ocorrerá de uma só vez, mas ao longo de meses. A grande variável que determinará o “quando”, não apenas pecuária, mas principalmentea relação de custo de produção/valor do produto em grãos, especialmente a soja.
Minhas sugestões aos meus caros leitores:
– Se você está pensando em tombar seus pastos (bons) desmanchar cercas e currais, para uso agrícola – não o faça, principalmente se o destino for cana de açúcar, laranja ou café.
– Se você está com pastos ociosos, e com dinheiro no banco: compre animais jovens, bem jovens. E, se puder optar, dê preferência para fêmeas.
Aproveitando a oportunidade, duas pequenas observações finais:
Em tempo 1: o Brasil não é o maior exportador de carne bovina do mundo. Somos o maior apenas em volume, mas em valor agregado, que é o que importa, somos o 3o ou 4o, com exportação de cerca de US$ 1,5 bilhão em 2003. O maior exportador de carne bovina do mundo continua sendo os Estados Unidos, com aproximadamente US$ 3,5 bilhões / ano.
O grande atrativo da carne brasileira no mercado internacional continua a ser o preço baixo. A necessidade da valorização do nosso produto – e os caminhos para tal – têm sido amplamente debatidos em editoriais do BeefPoint, reforçados recentemente, em entrevista com o ex-ministro e atual presidente da ABIEC – Marcus Vinícius Pratini de Moraes.
Em tempo 2: pela primeira vez em muitos e muitos anos, os frigoríficos estão ganhando dinheiro com carne, principalmente os que são relevantes em exportação. Não parece estranha esta afirmação? Afinal, em que eles deveriam lucrar, se não em carne?
Tradicionalmente, os frigoríficos brasileiros não ganhavam dinheiro com carne, e sim com couro, sebo e miúdos. Ou seja, os frigoríficos pagavam mais pela arroba, do que vendiam a mesma arroba, já em peças.
Como o pecuarista de corte sempre foi capitalizado, não raro conseguindo impor preços, causa estranheza esta (mais uma) anomalia, só explicável pela exuberante oferta de animais para abate, especialmente fêmeas.
Nada tenho contra que os frigoríficos tenham lucro. Ao contrário: quanto mais sólidos forem, melhor para o pecuarista.
Alerto apenas para a ganância – principalmente das empresas com forte pauta de exportação – de não repassar ao produtor, parte dos seus ganhos. Podem estar comprometendo o sucesso da cadeia produtiva de carne bovina, e sua própria existência.
Mas no Brasil, o imediatismo, e a ânsia em se matar a “galinha dos ovos de ouro” parecem ser irresistíveis.
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Prezado Carlos,
Parabéns pelo artigo, concordo com você que a evolução das exportações, o avanço da agricultura e o aumento do abate de fêmeas (hoje tem-se, realmente, uma liquidação de rebanho, deixando o mercado ofertado) sinalizam um ambiente favorável para quem se dedica à produção de carne bovina no Brasil. Tudo leva a crer em preços mais remuneradores ao produtor a médio prazo.
Contudo, se me permite, gostaria de fazer 2 colocações. A primeira, com relação ao mercado interno. Segundo os números da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a disponibilidade interna de carne bovina caiu de 35,8 kg per capita em 2002 para 34,5 kg em 2003, recuo de 3,6%, e deve cair um pouco mais em 2004, chegando a 33,2 kg per capita. Mas mesmo com a disponibilidade interna recuando, o que se observou ao longo de 2003 foi um consumo bastante fraco e um mercado atacadista frouxo, o que leva a crer que a demanda real ficou abaixo do disponível. Não pode, portanto, estar próxima de 38 kg per capita.
A disponibilidade interna caiu pois, além do consumo fraco, as exportações aumentam num ritmo forte (como você bem colocou no seu artigo), só que a produção não acompanha. Em 2003 o Brasil produziu 7,23 mil toneladas equivalente carcaça de carne bovina, ante 7,14 mil toneladas em 2002. Aumento de “apenas” 1,3%.
A Conab aponta também que as importações brasileiras não têm aumentado. Passaram de 73,8 mil toneladas equivalente carcaça em 2002 para 70,4 mil toneladas em 2003, recuo de 4,6%, e não devem mesmo crescer neste ano. Tem cada vez menos carne no mercado interno, que ainda assim absorve cada vez menos. Esse é um dos grandes gargalos da pecuária nacional, uma vez que cerca de 83% de toda carne produzida no Brasil fica por aqui mesmo. Aguardamos aí uma recuperação da economia que, ao menos, vem sendo pregada com bastante entusiasmo.
A segunda colocação é com relação ao Brasil ser o maior exportador do mundo. Apesar de ser “apenas” em volume, já é um grande feito. Bem ou mal, a carne lá fora vale muito mais que aqui dentro, e tem ajudado muito a, pelo menos, manter a cotação da arroba firme no decorrer dos últimos anos.
Aliás, acredito que esse é um processo natural. Primeiro conquistamos mercado pelo preço. Agora começa uma segunda etapa, agregar valor ao produto. E o ano começou bem, na comparação janeiro 2003 x janeiro 2002 o faturamento com as exportações de carne in natura aumentou mais de 40%, em cima de um volume 11% superior.
E aí concordo com você de novo. Não seria bom repartir o bolo e não matar a “galinha dos ovos de ouro”?
Forte abraço.
Prezado sr. Fabiano R. Tito Rosa,
A divergência entre os dados de consumo interno de carne bovina é peculiar, pois os dados que eu veiculei foram obtidos diretamente no site da Conab. Contudo, como o senhor é do ramo específico, e eu não – possivelmente os números que o senhor deu estejam mais próximos da realidade.
Contudo, havemos de concordar que tal NÃO muda a essência do problema, que basicamente é de:
(1) Aviltamento de preços recebidos pelo produtor.
(2) Aumento expressivo de custos de produção.
(3) Produção disponível para abate muito mais lastreada em “liquidação de estoques” (especialmente abate de matrizes), que em aumento significativo de produtividade.
(4) Problemas sérios (macros) – e também oportunidades (micras) – à frente.
Finalmente, reconheço que sermos o maior exportador de carne bovina do mundo em volume é uma conquista. Mas qual o verdadeiro valor de uma “conquista” calcada em desgraças alheias, e, ainda por cima, mal remunerada?
Melhor do que nada? Sem dúvida. Mas acho que devemos (e podemos) fazer muito mais que isto. Mas para que tal aconteça, a mentalidade de TODA cadeia produtiva de carne vai ter de mudar, e muito.
Com sua permissão, gostaria de inclui-lo na lista de correspondência eletrônica da Fazenda Água Milagrosa, promotendo que nossas mensagens são curtas, rápidas de abrir, e livre de virus.
Atenciosamente,
Parabéns pela clareza de raciocínio e pelo alerta à cadeia produtiva. Estamos assistindo a essa realidade a cada dia.
A volúpia de busca de novas terras principalmente para o plantio de soja deixa a todos atônitos. Será que ninguém consegue enxergar que, como toda commodity, está submetida às leis de oferta e procura e este aumento indicriminado de plantio provocará certamente danosos problemas ao bolso do sojicultor menos avisado?
É a conjugação da venda de rebanhos a preços vis, que jogam para baixo os preços dos animais jovens buscando lucro imediato. Será que ele (lucro) virá?
Parabéns por mais um excelente artigo.
Vejo com preocupação a liquidação e plantéis, cercas e pastos para a implantação da lavoura de soja.
Como já aconteceu com o café e o algodão, vemos produtores ingressando na cultura da soja com base nos preços atuais do produto, sem uma análise criteriosa de mercado a médio e longo prazo.
Uma eventual queda de preço da soja poderá refletir de maneira desastrosa para os “antigos pecuaristas”.
Os que não estiverem capitalizados, muito provavelmente não se manterão nem na agricultura e nem na pecuária. Não conseguirão recompor os seus planteis, cercas e pastos, pois terão vendido na baixa e encontrarão o mercado em alta.
Prezado sr. Wilson Baggio Jr.,
Agradeço sua palavras gentis a respeito de meu último artigo no BeefPoint.
Realmente, “planejamento estratégico” não faz parte da alma do brasileiro. No ano passado, a fila de carretas para descarga no porto de Paranaguá chegou a 98 km. Este ano certamente passará de 100%. E o Brasil, que já foi um país essencialmente monoculturista, na época áurea do café, está se encaminhando no mesmo sentido, só que em relação à soja. A hora que soja der chabú…
Prezado sr. Benjamin Lins,
Agradeço suas palavras gentis.
O senhor, com poucas palavras, resumiu brilhantemente o que levou-me uma página para dizer.
Abraço Carlos!
Lendo hoje 25/4/2008 o artigo do companheiro de batalha Carlos A Ortenblad alguns poderão dizer que era profecia.
Não!
Era fruto da análise nua, crua e muito bem feita, da realidade do momento (2004), que desenhava o futuro que estamos vivendo hoje 25/4/2008.
Mas, boi hoje a 77 reais a arroba em plena safra está pior que em 2003, os custos subiram mais que a arroba.
Os frigoríficos reclamam mas continuam se expandindo, JBS comprou a SWIFT e acaba de comprar mais um na Australia e nós produtores fazendo contas para ver se dá para reformar o pasto e comprar sal mineral que quase dobrou de preço.
Se não aumentarem nossa fatia pelo menos para mantermos a fazenda e o rebanho vão ficar sem boi!
Já ficaram sem os bois do Carlos, é provavel que fiquem sem os meus também.
Resposta do autor:
Prezado Wilson Tarciso Giembinsky,
Seria cômico se não fosse trágico, não é mesmo? O ser humano se recusa a enxergar o óbvio, como você bem constata.
Os exemplos são inúmeros, e, por vezes, gritantes. Vou contar um caso, que vem bem a calhar.
Durante um período nos últimos dois anos, eu tive de ir várias vezes ao Paraguai. A campanha eleitoral, que veio a consagrar o ex-bispo Fernando Lugo como presidente, já se delineava.
E também qual seria o “mote” da campanha: o “imperialismo” brasileiro, traduzido nos “brasiguaios” – tratados praticamente como invasores – e não como eficientes produtores de soja e carne, que só têm feito enriquecer economica e tecnicamente o país vizinho. E principalmente, a hidrelétrica de Itaipú, que se tornava a expressão da exploração do fraco pelo forte. A realidade é outra, como sabemos. O Paraguai só entrou com uma barranca do rio, e todo o resto foi projetado e custeado pelo Brasil. Parte de nossa dívida externa é fruto do financiamento captado pelo Brasil, para a construção da hidrelétrica. Daqui a 15 anos o Paraguai será dono de 50% de uma empresa que vale, no mínimo, 60 bilhões de dólares, sem ter investido um só guarani. Foi um bom negócio para o Brasil, mas melhor ainda para o Paraguai.
Em outubro de 2006, como o assunto não me saía da cabeça, e tinha de ir a Brasília, pedi a um diplomata amigo meu, que me pusesse em contato com alguém do nosso Ministério das Relações Exteriores, alguém que tivesse voz ativa. Ele o fez. Fui bem recebido, contei tudo o que vira e ouvira, e sugeri que o Brasil fizesse uma campanha de esclarecimento da população paraguaia, não apenas relativa à hidrelétrica de Itaipú, mas também em relação aos “brasiguaios”, a maior parte deles eficientes pequenos e médios produtores rurais. Voltei mais duas vezes a Brasília, apenas para tratar deste assunto. Recebi elogios, tapinhas nas costas, tive entrevistas com outros membros do governo federal (e horas de “chá de cadeira”), etc., etc.
O que foi feito? Nada, como sabemos.
O que vai acontecer? Uma de duas coisas. Ou nos negamos a ceder, que é o que Hugo Chávez et caterva desejam, para que o Brasil seja caracterizado como “ïmperialista”, ou revemos o acordo bi-lateral de Itaipú, e a conta resultante será paga pelo consumidor brasileiro.
Nenhuma das opções é boa para nós. E por quê? Porque, como de hábito, imprevidência e improvisação parecem estar indelevelmente inseridas no nosso DNA.
Se pareço muito pessimista, permita-me reproduzir o adágio que diz que “o pessimista é apenas um realista bem informado”.
Abraço,
Carlos Arthur Ortenblad