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28 de janeiro de 2002

A falta de seriedade na discussão da informalidade

Flávio Quintão Mateus1

Tenho acompanhado com relativa preocupação a discussão que, no momento, aquece o cenário da intelectualidade na atividade leiteira nacional: o duelo de analistas de dados estatísticos sobre o destino do leite clandestino comercializado informalmente.

O que se vê é a formalização da discussão sobre a informalidade roubando a cena de assuntos que deveriam ter uma maior seriedade por parte de pessoas de renome na atividade, formadoras de opinião.

O editorial da Balde Branco nº 435 nos dá, de forma bastante clara, uma visão de como iniciar um processo de discussão sério sobre o que de fato deve ser tratado nas mais variadas vertentes desse rio obscuro da atividade leiteira nacional.

No referido editorial, levanta-se em discussão o quão complexa é a questão da eliminação da economia informal em nossa pátria amada, que convive com os extremos de uma minoria de nababos, privilegiados por políticas elaboradas para perpetuarem o status quo vigente, e a miséria aviltante que caminha a grande maioria da população, que não têm acesso a qualquer tipo de alternativa que lhes permitam a sobrevivência. Isso tudo sobre as vistas grossas de um poder público elevado a tal situação por esta população.

Segundo dados extra-oficiais, o número de produtores de leite varia entre 1,2 e 1,8 milhão (esta variação é fruto da inconsistência de dados oficiais sobre o setor), que multiplicado pelo número de pessoas envolvidas no processo produtivo, chega a ser superior ao contigente da população ligada à indústria automobilística.

Dando continuidade a exposição das análises feitas sobre a questão, se excluíssemos do processo aqueles que produzem abaixo de 100 litros de leite por dia, obter-se-ia um número reduzidíssimos de produtores e a produção pouco se alteraria. É uma visão simplista de um problema que traria graves conseqüências sociais para um país em que as desigualdades se acentuam cada vez com maior voracidade. E, como bem lembrou o colega Luis Fernando Laranja: – Este é o mesmo argumento que justifica a melhoria do padrão de vida da sociedade através da eliminação dos mais pobres. Uma mera questão estatística.

A referência que se faz a estes dados é relativa a grande importância que o leite tem na sobrevivência das famílias de pequenos produtores. Pois, o leite não é apenas um dos fatores de formação da renda familiar do camponês, e sim, é, na grande maioria dos casos, a única fonte de renda dessa fatia da população.

Discutir a informalidade na cadeia produtiva do leite da forma acadêmica como está sendo discutida é demonstrar que realmente nos falta seriedade.

Uma década se passou desde o fim da regulamentação e o que se viu foi um grande crescimento no setor. Completamente desordenado, traumático e mutilador, quando se pôde observar a transferência pelo pagamento da conta da ineficiência, do consumidor (inflação) para o produtor (achatamento de preços).

Será que somente os lá de fora conseguem enxergar o potencial do país no setor ?

É facil dizer ao produtor que ele tem que se tecnificar, gerenciar melhor seu negócio, reduzindo custo de produção, investindo em escala, melhoramento genético, produção a pasto, intervalo entre partos, idade ao primeiro parto, % de vacas em lactação, capacidade suporte de pastagem, redução da sazonalidade …

É técnico, é bonito, dá status ao profissional. Mas e daí ? ! O que se faz de concreto ?

Ele abre a porteira e não sabe para onde ir. O paizão que tinha, o abandonou na virada para a maioridade. Ficou esperando no portão da escola vendo os outros serem conduzidos pelos respectivos responsáveis. E ele, lá. Passando a ser um maior abandonado.

O leite importado continua entrando pelo país afora, através dos picaretas sem fábrica e das grandes empresas que regulam o preço do produto nacional. Subsidiado na origem.
A Argentina e o Uruguai estão fazendo do processo de dumping uma questão de segurança nacional. E nós, como ficamos ?

Continuamos a escutar, emplastados, que não sabemos produzir ? Que somos extrativistas, safristas … ?

E o brio ? E a tal da vontade política ?

Chega. Não quero ser piegas.

O que pecisamos é de clareza, rumos definidos, política consistente e includente, crédito sem exigências absurdas dos bancos, fiscalização, fortalecimento do setor e participação de todos. E, p´ra isso temos que ter informação qualificada chegando ao produtor de forma ininterrupta, mão de obra treinada, técnicos extensionistas preparados para difusão da tecnologia que sobeja de nossas instituições de pesquisa e ensino.

Precisamos sair do terreno da discussão interminável de fatos incontestes e cair na realidade.

A doença já foi diagnosticada pelos doutos que militam nessa apaixonante área da produção primária nacional.

O remédio é conhecido por todos. Precisa-se pois, tratar a enfermidade e não utilizar-se de placebo, como vem acontecendo até o momento.
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1Médico Veterinário, atua nas áreas de assessoria técnica a produtores de leite e no processo de granelização de cooperativas e laticínios nas regiões do noroeste fluminense, zona da mata de Minas e sul do Espírito Santo.

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