Por Ricardo Toshio Yugue1
A carne brasileira, de incontestável qualidade, está prestes a se consolidar como item de significativo valor agregado em nossa pauta de exportações. Explica-se: após a crise de abastecimento do produto, especialmente na Europa, desencadeada pela doença da vaca louca, foram realizados vários esforços internacionais para ampliar o controle da qualidade da carne destinada ao consumo humano, numa tentativa de se controlar a doença, evitar sua disseminação internacional e restabelecer a confiança do consumidor na mais tradicional fonte de proteína animal.
Nesse cenário, a carne bovina brasileira, pela característica da matriz de alimentação dos rebanhos nacionais, na qual não se incluem as rações de origem animal responsáveis pela contaminação do gado europeu, destaca-se como nova e significativa alternativa de abastecimento do mercado mundial.
No entanto, para ocupar esse imenso espaço que o mercado lhe reserva, a carne brasileira tem de atender a um requisito básico estabelecido pelas nações européias, dentre as medidas adotadas para conter a proliferação da vaca louca: a identificação precisa da origem e trajetória da carne, até chegar à mesa do consumidor.
Medida nesse sentido entra em vigor em junho próximo, na esteira dos esforços empreendidos por empresas e governos para rastrear a distribuição da carne, depois do surgimento da doença no rebanho europeu. Independentemente da vaca louca, nota-se em todo o mundo um empenho voltado a aumentar a segurança dos consumidores, em especial nas cadeias de abastecimento de alimentos e medicamentos.
De fato, a rastreabilidade da carne é fundamental, principalmente nos casos em que o impacto causado por incidentes envolvendo a segurança de produtos leva, além dos danos à saúde dos consumidores, à redução da confiança da população nos produtos, órgãos de fiscalização e empresas. Felizmente, o Brasil está prestes a atender a essa exigência, agregando à qualidade da carne que produz a identidade capaz de identificá-la, valorizá-la e credenciá-la a ingressar nos mais importantes mercados consumidores mundiais, a começar pela União Européia.
Para entender essa questão, devemos retroceder um pouco no tempo. Como fruto do esforço europeu, em decorrência da crise da vaca louca, foi publicada a regulamentação da Comissão Européia “EC 820/1997” substituída pela “EC 1760/2000”. Esta regulamentação determina que toda carne comercializada no continente, de origem local ou importada, deve ter identificação que permita saber o país de nascimento, engorda, abate do animal e processamento da carne. Obviamente, a exigência também se aplica os exportadores de carne brasileiros.
Em razão da necessidade de automação das operações e estruturação dos sistemas de identificação e operações logísticas, as entidades de padronização em todo o mundo foram requisitadas a participar dos programas locais voltados ao desenvolvimento dos sistemas nacionais de rastreabilidade na cadeia da carne, para atender às novas demandas do mercado internacional.
Os principais exemplos vêm dos países membros da Comunidade Econômica Européia e da Austrália, que desenvolveram sistemas de identificação e gerenciamento dos dados de origem e movimentação em toda a cadeia produtiva da carne, através da aplicação de ferramentas de automação baseadas em padrões internacionais, em especial, o Sistema EAN.UCC.
Os trabalhos técnicos que subsidiaram o sistema de rastreamento foram conduzidos pelo Comitê de Padronização da Carne das Nações Unidas (United Nations Meat Standardisation Committee), que conta com a participação de especialistas de todo mundo, incluindo-se aí a EAN International, que coordenou mais de 50 organizações da indústria da carne (provenientes de 30 países) e contribuiu de forma decisiva com os padrões de identificação por código de barras, que constam em seu “Guia para Rastreabilidade da Carne Bovina”.
A EAN BRASIL (Associação Brasileira de Automação) sediou, em setembro de 2000, em São Paulo, a 9ª Reunião do Comitê da ONU. A partir daí, a entidade tomou a iniciativa de formar o Grupo de Trabalho para Automação, Rastreabilidade e Padronização Comercial, do qual participam a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), FUNDEPEC (Fundo de Defesa da Pecuária), ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas), ABCC (Associação Brasileira de Ciências de Carne), frigoríficos e varejistas da cadeia da carne.
O principal objetivo do grupo é implantar a rastreabilidade da carne bovina brasileira por meio da implementação de sistemas estruturados e padronizados de coleta, armazenamento e administração de dados da origem, movimentação e destino do gado bovino e seus produtos derivados. A referência do sistema é a “Guia EAN.UCC de Rastreabilidade da Carne”, desenvolvida sob a coordenação da EAN International.
A consolidação de um sistema de rastreabilidade para a carne brasileira é fundamental para a manutenção e ampliação da participação do setor no cenário mundial, neste momento em que passam a valer as restrições impostas pelo mercado europeu.
Como resultado de todo esse trabalho, já se encontra no Ministério da Agricultura proposta técnica no sentido de que o Brasil possa implementar, em curto prazo, os necessários mecanismos de rastreamento da carne. O padrão EAN.UCC, internacionalmente aceito e reconhecido, inclusive pelo Comitê da ONU, será o vetor da identidade de nosso produto em todo o mundo. É de fundamental importância que o Brasil tenha um único, eficiente e internacionalmente aceito padrão, para facilitar não só as operações de exportação, como também todo o processo logístico ao longo da cadeia de abastecimento da carne. Este produto nacional ganha, assim, identidade internacional, agregando definitivo valor à sua qualidade e item capaz de contribuir para os bons resultados de nossa balança comercial.
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1Ricardo Toshio Yugue integra o Departamento Técnico da EAN Brasil.