Análise Semanal – 10/11/2004
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A maturidade baseada na ossificação e dentição de bovinos

Por Angélica Simone Cravo Pereira 1

Existem muitos sistemas de classificação de carcaças adotados por diversos países, tais como, Brasil, Europa, Estados Unidos e Austrália. O objetivo principal desses sistemas é avaliar as características de carcaças que estejam relacionadas direta ou indiretamente com as características de qualidade, tais como coloração, maciez, sabor e suculência. Porém, essas características são influenciadas por diversos fatores, como idade, genótipo, sexo, dieta, entre outros.

No Brasil, por exemplo, as avaliações ainda são realizadas de forma subjetiva, levando-se em consideração a maturidade, conformação, acabamento, além do sexo e peso de carcaça quente. Por outro lado, no sistema europeu de classificação (EUROP) os animais são separados em grupos de diferentes maturidades, avaliando-se a ossificação (formação do tecido ósseo) e cartilagens da carcaça (Tabela 01).

Em relação ao sistema australiano de classificação, na década de 80, foi criado o “The autority for Uniform Specification of Meat and Livestock” (AUS-MEAT). Nesse sistema, as carcaças são avaliadas em relação à idade, peso, sexo, medidas de musculosidade, gordura e escores de contusões presentes na carcaça. A classificação da idade por esse sistema é realizada através da dentição dos animais, observando-se os dentes incisivos e molares permanentes. Outra forma de avaliar a idade, no AUS-MEAT, consiste na ossificação das vértebras.

Porém, a idade da dentição dos animais é um preditor mais objetivo e preciso a fim de estimar a idade de bovinos, comparando-se a avaliação da maturidade por ossificação (Li et al., 2005; Lawrence et al., 2001).

Desta forma, o objetivo deste trabalho é descrever algumas informações necessárias para a realização desta avaliação, como tipos de dentes e suas localizações, tipos de erupções, incisivos decíduos versus permanentes, períodos de erupção para dentes decíduos e permanentes utilizando tempos de erupção de incisivos permanentes para avaliar a idade de bovinos, além de comparar esse sistema baseado na dentição, com a ossificação mensurada em bovinos.

Durante muitos anos, produtores, veterinários e pesquisadores têm utilizado procedimentos, como avaliar a dentição a fim determinar a idade dos animais. Porém, essa avaliação pode variar com a genética, dieta, indivíduo, local em que o animal é criado. Ainda, segundo Luchiari Filho (2000), nem todos os animais de uma mesma espécie ou raça crescem, terminam e amadurecem na mesma idade cronológica (idade em dias, meses ou ano). Assim, alguns animais são mais precoces (amadurecem mais cedo) enquanto outros são mais tardios.

A maturidade pode ser avaliada também através da avaliação da dentição, observando-se a presença de dentes incisivos permanentes (Tabela 02).

Avaliar a maturidade é importante, pois esta pode ser diretamente relacionada à maciez da carne. Em geral, músculos de animais fisiologicamente maduros são mais duros, principalmente devido às mudanças que ocorrem no tecido conjuntivo (colágeno). Da mesma forma, animais mais jovens possuem músculos com coloração mais vermelha brilhante. À medida que os animais tornam-se mais velhos, a concentração de mioglobina na carne de idade aumenta, alterando a cor desses músculos, tornando-os com coloração mais escura. Daí a importância da avaliação da característica de maturidade dos animais a fim de identificá-los com qualidade superior (Judge et al., 1989).

Bovinos possuem na região da mandíbula 8 dentes incisivos (2 pinças, 2 primeiros médios, 2 segundos médios e 2 cantos ou extremos). Aproximadamente aos 20 meses de idade inicia-se o processo de substituição dos dentes de leite (decíduos) para os dentes permanentes.

Por outro lado, em relação à idade fisiológica (período em que o animal se encontra, aleitamento, desmame, puberdade, adolescência ou adulto) é altamente discutida, levando-se em consideração indicadores ósseos de maturidade ou composição corporal.

Um dos métodos para avaliar a maturidade fisiológica consiste da ossificação das apófises espinhosas das cartilagens (vértebras). Bovinos possuem 7 vértebras cervicais, 13 torácicas, 6 lombares, 5 sacrais e 18 a 20 caudais. Além disso, o processo de ossificação inicia-se da região posterior para anterior e o processo de ossificação é finalizado em média, aos 6 anos de idade. Os sistemas que utilizam essa característica de grau de ossificação levam em conta o grau de ossificação da epífise da articulação carpo-metacarpiana, bem como a progressão da ossificação da espinha dorsal, seja nas vértebras do sacro, da terminação das apófises espinhosas ou do esterno e das costelas. Portanto, há uma progressão gradual na maturidade das vértebras, iniciando-se pelas sacras, seguidas pelas lombares e torácicas, já descritas anteriormente (Pardi et al., 2001).

Em relação às diferenças individuais, quando a idade do animal é desconhecida, o exame dos dentes é a melhor prática para determinação da idade do mesmo.

A arcada dentária de bovinos apresenta, 38 dentes incisivos. Esses dentes, situados perto da região nasal da boca, são encontrados na mandíbula (inferior). O restante dos dentes é constituído de pré-molares, molares, conhecidos como dentes da face. Para avaliação da idade, é necessário observar sinais da idade dos dentes incisivos. Ainda, a erupção destes dentes é diferente em relação à idade.

Em Janeiro de 2004, o Departamento da Agricultura dos Estados Unidos (USDA) regulamentou algumas normas em relação a Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE). Dentre elas, especificou como materiais de riscos (SEM´s), bovinos acima de 30 meses de idade, não permitindo o consumo de determinados produtos desses animais, pois haveria uma relação entre a idade desses bovinos e o início da doença, que seria ao redor dos 30 meses. Contudo, ainda discute-se muito esse assunto, se realmente a idade de 30 meses é apropriada, baseada nas práticas para redução do risco de BSE.

O Serviço de Segurança de Inspeção dos estados Unidos (USDA´s Food Safety and Inspection Service) (FSIS) determinou que os sistemas de identificação dos animais deveriam incluir a característica idade, preferivelmente a dentição, (tipo, número, e organização dos dentes) determinando, portanto, a idade dos animais no abate. O FSIS mantém ainda, que esta documentação consiste na melhor alternativa, pois a dentição é um meio efetivo na determinação da idade de bovinos.

Dentes incisivos são ordenados em pares (1 a 4). Além disso, a erupção do terceiro dente permanente incisivo (padrão FSIS) é um padrão indicativo de bovinos classificados com 30 meses. Porém, alguns animais podem apresentar a erupção desse dente aos 24 até 29 meses.

Pesquisas realizadas por Lawrence et al. (2001) compararam os sistemas de maturidade baseados na ossificação e na dentição dos animais e concluíram que há uma pequena evidência entre estimar a idade através da ossificação e na contagem do número de dentes incisivos permanentes presentes nos animais submetidos ao abate. Em adição, os resultados revelaram que bovinos acima de 30 meses de idade são inclusos na maturidade categoria A (bovinos considerados com idade inferior a 30 meses) deve ser baseado no sistema USDA de classificação de carcaças.

Ainda, a substituição do sistema de classificação através da ossificação por um baseado no número de dentes permanentes incisivos durante o abate, permitiria aos produtores determinar a idade dos animais antes do abate, reduzindo a heterogeneidade em relação à idade. Os autores concluíram ainda que bovinos com 0 dentes permanentes incisivos devem ser classificados como maturidade A, bovinos com 2 ou 4 incisivos permanentes deveriam ser classificados na categoria B, bovinos com 6 dentes incisos deveriam ser inseridos na classe de maturidade C e finalmente animais com 8 incisivos permanentes, nas categorias de maturidade D e E.

Os resultados de Shackelford et al. (1995) contrastaram com os encontrados padrão USDA (1996), sugerindo que a maturidade A de bovinos deveria ser inferior a 30 meses e para classificação maturidade B, os animais deveriam possuir entre 30 e 42 meses de idade. Porém, comumente, o que se encontra na indústria da carne americana é a classificação da maturidade C, D, E são de bovinos com aproximadamente 42 a 72, 72 a 96 e superior a 96 meses de idade, respectivamente.

Em relação às características qualitativas de carne, algumas pesquisas sugeriram que não houve diferenças na maciez da carne (força de cisalhamento e painel sensorial) para o músculo Longissimus (contra-filé) de bovinos com 0, 2, 4, 6 ou 8 dentes permanentes incisivos, ou ainda entre os escores de maturidade A, B C da USDA. Por outro lado, Crosley et al. (1995) citado por Lawrence, observaram diferenças na palatabilidade da carne utilizando-se os escores de dentição. Portanto, há necessidade de mais pesquisas, a fim de concluir tal relação.

Posteriormente, Li et al. (2005) avaliaram tipos de vértebras sacral, torácicas e lombares de carcaças de novilhos para determinar a composição mineral, grau de ossificação e idade da dentição. Esses autores concluíram que o grau de apófises espinhosas do processo transverso das vértebras torácicas é um preditor relativamente confiável na determinação da idade desses novilhos, na ausência dos registros de idade cronológica. Além disso, as vértebras torácicas iniciam o processo de ossificação ao redor dos 24 meses e a ossificação torna-se completa aos 84 meses de idade (Figura 01).

Dentre algumas técnicas para avaliar a ossificação está a utilização de equipamentos que avaliam imagens coloridas a fim de caracterizar a maturidade das carcaças baseada na ossificação da cartilagem na região das vértebras torácicas. Essas pesquisas concluíram que a cor e o tipo de cartilagem da espinha dorsal varia com o grau de maturidade. Além disso, são utilizados aspectos da curva de ossificação nesse processo de avaliação (Hatem et al., 2003).

Considerações gerais

Mensurar a idade fisiológica do animal é de extrema importância, pois não somente melhora o sistema de classificação das carcaças, como permite uma descrição mais precisa das carcaças para a indústria de carnes.

Há necessidade de estudos mais detalhados a fim de identificar a melhor forma de avaliar a idade de bovinos. Porém, certamente os sistemas baseados na dentição de bovinos permitem aos produtores identificar a idade dos animais antes do abate, com qualidade superior, além de separar grupos mais homogêneos, atendendo, às expectativas dos consumidores, por produtos com maior qualidade e segurança.

Tabela 01- Grupos de maturidade, levando-se em consideração a ossificação da carcaça

Tabela 02 – Idade de erupção dos dentes incisivos
permanentes (vista frontal e dorsal) em meses


Figura 01 Microestruturas das apófises espinhosas das vértebras torácicas de novilhos com diferentes idades: (a) 16 meses (sem ossificação), (b) 24 meses (sem ossificação), (c) 48 meses (30% ossificação), (d) 84 meses (ossificação completa). A idade dental é estimada através da erupção (altura e desgaste dos incisivos permanentes). O grau de ossificação é estimado pela ossificação da cartilagem do sacro, lombar e torácica. Fonte: Li et al. (2005).

Referências bibliográficas

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1Angélica Simone Cravo Pereira é pós-graduanda na FZEA/USP

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  1. Eduardo Telles Marques da Silva disse:

    Muito bom o artigo!!! Esse tipo de asunto é de fundamental importância pois, muitas vezes, ao adquirirem garrotes para recria e engorda, os produtores não ficam sabendo da real idade dos animais, podendo muitas vezes serem enganados pelo vendedor.

    Conheço a Angélica pessoalmente. Além de muito competente ela é super atenciosa com os alunos de graduação.