O fim do prazo para rastreamento do gado destinado à União Européia, que terminou ontem (02), já provoca preocupação no setor, principalmente por parte da indústria frigorífica. Isto porque não há animais suficientes enquadrados no Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov) para atender à demanda da UE, que exige carne com certificado de origem.
Mesmo com a última normativa publicada pelo Mapa, que traz uma adequação ao programa e determina que o animal que não nasceu na propriedade deverá passar por uma quarentena, antes de ser rastreado para só então ser abatido, essa situação deve causar uma queda nas exportações do produto, pelo menos nos próximos meses.
Enquanto isso, continua o impasse sobre o pagamento dos custos gerados pela rastreabilidade. O produtor quer um sobre-preço por animal rastreado, o que já vem sendo pago por alguns frigoríficos, mas outros ainda aguardam para tomar uma decisão sobre a questão, alegando que apenas parte do boi é exportada para a UE.
No Paraná, dois frigoríficos não encontraram bois rastreados e o mercado ficou parado, mas a expectativa é que se não houver carne para exportar, ela será direcionada para o mercado interno, derrubando o preço da arroba.
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Em Mato Grosso, seis frigoríficos já estão habilitados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a atenderem à União Européia: Friboi (Barra do Garças, Araputanga e Várzea Grande), Frigorífico Quatro Marcos (São José dos Quatro Marcos), Sadia Oeste, Frigorífico Frigoalta (Pontes e Lacerda).
A normativa que pretendia ampliar o mercado consumidor europeu e trazer aos segmentos envolvidos nessa cadeia produtiva uma melhor rentabilidade, estará tendo, pelo menos nos primeiros meses após a vigência do Sisbov, um efeito contrário ao imaginado em janeiro.
Ainda em período de transição, a oferta de animais habilitados ao consumo do mercado europeu soma, em todo Brasil, cerca de 1,2 milhão de cabeças. Em Mato Grosso estima-se que o total habilitado ultrapasse a casa dos 200 mil animais.
70 frigoríficos em todo o país estão aptos para exportar à UE e juntos têm uma demanda mensal de um milhão de cabeças. “Como do total já certificado estão animais de várias idades, fêmeas e machos, o total destinado ao abate pode cair a uma oferta de 500 a 600 mil animais. Teríamos cerca de 50% de déficit para trabalhar”, explica o gerente comercial do Frigorífico Tangará, Ricardo Borges Simão.
A falta de animais poderá impactar o saldo da balança comercial no Brasil, que a partir de setembro estará exportando menos para o principal mercado consumidor da carne brasileira.
No ano passado, Mato Grosso contribuiu com cerca de US$ 63 milhões em exportações de carnes. Durante os sete primeiros meses de 2002, o setor é o terceiro principal produto exportado pelo estado e já acumula um saldo de US$ 39,2 milhões. “Com a falta de animais para atender às exigências em vigor, acredito que a comercialização com a Europa será prejudicada. Por enquanto é cedo para se afirmar a porcentagem de redução no saldo da balança mato-grossense”, observa Simão.
Para o secretário adjunto de comércio exterior da Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração (Simc), Ari Wojcick, as exportações até agora são 20% superiores ao saldo registrado no mesmo período do ano passado e a estimativa é fechar o ano com um acréscimo de 15% sobre o valor comercializado no ano passado.
“Mesmo que as exportações a União Européia sejam reduzidas, temos produto suficiente para manter a balança. Os animais que não são rastreados poderão ser consumidos por outros mercados internacionais crescentes. O comércio internacional de MT poderá ser redirecionado para Europa Oriental, Rússia, China e Oriente Médio”, explica Wojcick.
Efeito colateral
A indústria frigorífica se preocupa com um outro efeito colateral provocado pelas restrições européias. Enquanto falta produto certificado para atender a exportação, a oferta de carne no mercado interno será acrescida e contribuirá para a redução da arroba do boi, que hoje em Mato Grosso está cotada entre R$ 45 e R$ 46.
“Ninguém vai parar de trabalhar e cruzar os braços porque não há animais rastreados suficientes para atender nosso principal mercado consumidor. Estaremos abatendo os animais normalmente e direcionado o produto para outros mercados, o que certamente chegará ao mercado interno”, aponta o gerente de compras do grupo Friboi, Artemio Listone.
A última normativa número 47 sobre Sisbov publicada pelo Mapa, em 31 de julho, traz uma adequação ao programa e determina que o animal que não nasceu na propriedade deverá passar por uma quarentena, antes de ser rastreado para só então ser abatido. “Essa é uma das adequações que o governo foi obrigado a fazer para não interromper as exportações. Se não fosse essa adequação, o País só poderia retomar as vendas externas em dois anos”, explica o executivo de negócios da Planejar, Nícolas Fernandes de Paula.
Até sexta-feira, uma grande dúvida ainda permanecia no setor industrial sem respostas: o que fazer com os estoques de carne destinados a Europa e que ainda não haviam sido embarcados? Segundo o chefe do Serviço de Inspeção Federal do Mapa em Mato Grosso, Antônio Franco Barbosa, fica mantida a regra anterior. “A carne com data anterior a 02 de setembro poderá ser exportada normalmente para União Européia. Apenas o gado que for abatido a partir desta data é que deverá estar rastreado”, explica.
Sisbov
Para ter o rebanho cadastrado ao Sisbov, o pecuarista tem que investir na nova tecnologia e para se sentir motivado a aderir à nova ordem do agronegócio pecuário, os criadores querem cobrar de animais rastreados um sobre-preço. Em algumas regiões do país, frigoríficos estão garantindo uma espécie de “prêmio” para os animais enquadrados ao sistema, que variam de R$ 1 a R$ 2 por animal.
Muitos frigoríficos estão aguardando uma acomodação de mercado para oferecerem esta espécie de ajuda de custo. O frigorífico Tangará, em Tangará da Serra (a 242 quilômetros de Cuiabá), antecipou que a partir de 02 de setembro também estará oferecendo um valor a mais por cada animal rastreado comprado. “Estamos há um bom tempo conscientizando os produtores sobre a importância de se aderir ao programa de certificação bovina, principalmente porque apenas algumas regiões do estado estão habilitadas a comercializar com a União Européia, o que restringe ainda mais o número de animais aptos a atender o mercado europeu”, enfatiza o gerente comercial de exportação do Frigorífico Tangará.
De acordo com a Organização Internacional de Epizootias (OIE) os rebanhos localizados no norte do estado e na região do Pantanal estão aptos a exportarem carne para o mercado internacional, por estarem dentro das condições sanitárias exigidas, como o controle da febre aftosa, mas não foram habilitados pela comunidade européia. “Temos empreitado duas frentes de trabalho, uma junto ao Ministério da Agricultura e a outra junto à Secretaria de Agricultura e Assuntos Fundiários de Mato Grosso para que estas regiões sejam liberadas pela União Européia”, aponta Simões.
Cortes especiais
Além de atender às exigências sanitárias ditadas pela União Européia, os frigoríficos exportam apenas parte do animal abatido. Por exemplo, de animal com média de 255 quilos, apenas 28,5 quilos são exportados, ou seja, pouco mais de 11% é aproveitado. São comercializados de cada animal cerca de 10 quilos de contra-filé, quatro quilos de filé mignon, 2,5 quilos de alcatra e 11 de coxão mole. “É por isso que atender a reivindicação da classe produtora de pagar um sobre-preço por cada arroba do boi é inviável, afinal, apenas 28 quilos são de fato destinados ao mercado europeu”, explica Simões.
Paraná
No Paraná, os dois frigoríficos exportadores, o Margem, de Paranavaí, e o Amambai, de Maringá, não conseguiram comprar animais rastreados. Com isso, o mercado ficou parado à espera do que vai acontecer. Não houve cotações para o boi gordo. Uma reunião realizada na semana passada no Mapa decidiu pela ”prorrogação branca” por 15 dias da entrada em vigor da portaria.
Na reunião, ficou decidido que serão aceitas as informações das propriedades rurais como comprovação de origem dos animais e, a partir de 1o de outubro, só serão aceitos para o abate animais inseridos e identificados no Sisbov com 15 dias de antecedência.
Os frigoríficos exportadores alegam que se não houver animais com rastreabilidade para vender, as exportações serão suspensas e o abate será destinado somente para o mercado interno. Com isso vai ocorrer um aumento na oferta de carne e a tendência do preço do boi é cair, diz o gerente administrativo do Frigorífico Margem, Celso Bianchi. A empresa abate 12 mil animais por mês e 60% dessa produção são destinados à exportação. O Frigorífico Amambai abate 800 animais por dia e 70% são destinados à exportação.
O presidente da Sociedade Rural do Paraná, Edson Neme Ruiz, disse que os frigoríficos que recebem em euro precisam repartir esse diferencial com os criadores, que arcam com os custos da rastreabilidade.
Na visão de Bianchi, do Frigorífico Margem, se os criadores investirem agora na rastreabilidade eles vão evitar a desvalorização do boi gordo no curto prazo e, mais à frente, à medida que os países da Comunidade Européia se certificarem que o Brasil só vende carne de bois rastreados vão ampliar as encomendas e certamente vão pagar mais pelo produto. ”É aí que o criador vai ganhar, porque essa valorização será repassada”, disse.
Fonte: Diário de Cuiabá/MT (por Marianna Peres) e Folha de Londrina (por Vânia Casado), adaptado por Equipe BeefPoint