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A polêmica dos transgênicos no Brasil

Donário Lopes de Almeida1

A polêmica sobre o uso de plantas geneticamente modificadas (GM) parece estar longe do fim. Com a recente decisão do TRF de Brasília de postergar, até o mês de abril, a decisão sobre a exigência de estudos de impacto ambiental para a produção de transgênicos no país, continuaremos com o processo emperrado na Justiça. Também preocupante é a posição do Governo, que somente neste mês de março criou o grupo de trabalho interministerial para estudar seu posicionamento em relação ao tema. Na primeira reunião deste grupo ficou no ar a tendência de posição contrária a liberação do plantio de transgênicos, mas o grupo estará avaliando com mais profundidade a questão nas próximas semanas. Esta falta de definição vem afetando seriamente a agricultura brasileira e, pela forma que vem sendo conduzido o assunto, seguiremos nesta situação de indefinição. É preocupante.

A revolução verde, como muitos chamaram a evolução da agricultura no terço final do século vinte, proporcionou aumentos significativos de produtividade que garantiram, junto com a expansão das fronteiras agrícolas, o abastecimento de alimento para uma população mundial em explosivo crescimento neste período. Apesar disso, as técnicas convencionais e a expansão da área de terras agricultáveis chegando ao seu limite, estamos correndo o risco de comprometer seriamente alguns recursos naturais, como flora, fauna e mananciais de água. Portanto, é imperativo que se busque alternativas para uma maior oferta de alimentos. É onde entra a biotecnologia.

Ao longo da última década tivemos uma grande evolução na pesquisa e desenvolvimento de novas variedades de plantas, de diversas espécies, que tradicionalmente são utilizadas em várias regiões do mundo e são responsáveis por grande parte do alimento que consumimos. O desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas (GM), ou geneticamente melhoradas, está abrindo uma nova perspectiva para que venhamos a resolver o problema do suprimento de alimentos no mundo, reduzindo o risco de comprometimento de nossos recursos naturais.

A biotecnologia de plantas GM pode ser descrita em três gerações de melhoramento genético, cada uma delas adicionando potencial de valor para agricultores, processadores e consumidores. A primeira geração de plantas GM afeta o uso de insumos e características agronômicas do cultivo, cria valor para os agricultores ao aumentar a produtividade, reduzir o uso de pesticidas e fertilizantes e, também, o custo de produção e impacto ambiental do cultivo. A segunda geração é aquela que afeta as características de qualidade do produto agrícola, aumentando o valor nutricional dos alimentos e proporcionando ganhos de qualidade no processamento e consumo. Já a terceira geração de plantas é a chamada bio-fábrica, onde plantas podem passar a incluir ingredientes farmacêuticos e nutritivos, servindo como alternativa para tratamentos de saúde e solução de deficiências nutricionais.

Atualmente a segunda e terceira gerações ainda estão em fases de experimentos, estando a tecnologia de primeira geração já disseminada em diversas regiões do mundo. Hoje já são dezesseis países que utilizam a tecnologia de plantas geneticamente modificadas, sendo os Estados Unidos o maior produtor, onde mais de 80% da soja e do algodão usam esta tecnologia e o milho ultrapassando os 30%. Em termos mundiais mais de 50% da soja, 20% do algodão e 10% do milho plantados já são plantas geneticamente modificadas. No ano de 2002 houve um avanço de 12% da área plantada no mundo, sendo esperado que esta expansão continue firme nos próximos anos.

Os produtos oriundos de plantas GM vem sendo testados extensivamente em vários países, porém até hoje não foi encontrada qualquer evidência de riscos ao meio ambiente ou a saúde humana. Apesar disso, vivemos uma situação de confronto ostensivo entre países que defendem posições contrárias sobre o tema, mais especificamente os Estados Unidos e a Comunidade Européia. Esta última, apesar de não encontrar qualquer motivação científica, vem usando o argumento de que a tecnologia poderia trazer riscos ao consumidor e ao meio ambiente. Usa esta posição para criar mais uma barreira de proteção ao seu setor primário, já fortemente subsidiado e com baixa competitividade. Enquanto isso os grandes produtores mundiais de alimentos continuam a intensificar o uso da biotecnologia, aumentando a produtividade de sua agricultura e produzindo alimentos a um custo mais baixo.

O risco que estamos correndo no Brasil ao postergar o debate e a tomada de decisão é exatamente este, distanciar nossos índices de produtividade e custos de produção dos demais países produtores, que já aderiram e estão aderindo ao uso da biotecnologia. Em resumo, quem está perdendo é o nosso agricultor, que vende sua produção pelo mesmo preço dos demais concorrentes globais, mas com custos mais elevados. A decisão tem de ser tomada. Ou aprova-se o uso da biotecnologia, e passamos então a competir em condições de igualdade, ou nos posicionamos como produtores de plantas convencionais, sem uso de biotecnologia, e saímos ao mercado tentando vender este produto convencional por um preço maior. Infelizmente, até o momento, o mercado internacional não deu sinais de que pagaria um valor extra pelo produto convencional, nos volumes que o país produz.

Além disto, esta decisão é particularmente importante para os produtores do sul do País, onde estima-se que mais da metade da soja plantada na última safra seja de variedade GM, ou seja, segundo a legislação vigente, ilegal. Nossos produtores, em função das vantagens indiscutíveis de maior produtividade e menor custo de produção, além da proximidade da Argentina, onde a quase totalidade da soja é GM, passaram a tirar proveito desta tecnologia. Portanto, em função do volume de área plantada, importância econômica e geração de empregos, se a decisão do Governo for pela aplicação da lei atual, teremos um grande problema social na região. Este argumento não pode ser usado como instrumento de manobra, mas deve servir como alerta para um problema a ser resolvido no caso da decisão ser contrária ao uso da biotecnologia.

A polêmica continua, a Justiça mais uma vez mostra-se morosa e o Governo ausente, postergando uma definição. Enquanto isso, colocamos nossos agricultores em posição de risco, nossa agricultura perde gradualmente competitividade e oportunidades de geração de renda. Perdemos ainda em outros elos da cadeia do agronegócio, pois os custos mais elevados de alimento impactam também a produção e competitividade da carne, do leite, da produção de frango e suínos, encarecendo estes produtos para nossa população e, também, dificultando o acesso ao mercado externo. O tema transcende a discussão filosófica e politizada, como tem sido encarada por diversos membros do Governo, tendo um impacto muito grande na economia do agronegócio. Merece atenção imediata e uma decisão baseada em parâmetros técnicos.

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1Donário Lopes de Almeida é engenheiro agrônomo e agropecuarista

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