Todos sabemos como a pecuária de corte vem evoluindo muito nos últimos anos. Controle de doenças, grande aumento das exportações, melhora dos índices de produtividade. O Brasil é visto como o futuro produtor de carne bovina e de proteína animal do mundo.
No início de Abril estive num congresso internacional sobre mercado de carne em Punta Del Leste, no Uruguai. Um congresso com palestras dos maiores especialistas mundiais de carne, mais de 600 participantes de todos os continentes. Um verdadeiro encontro do mundo da carne.
Norte-americanos, canadenses, europeus, uruguaios, argentinos ou australianos, todos tinham a mesma reação ao encontrar um brasileiro. Queriam saber mais sobre a nosso sistema de produção, nosso gado, nosso potencial e nossos planos. Os poucos que já tinham visitado o Brasil tinham uma imagem ainda mais impressionante. Para eles é certo que o Brasil vai dominar o mercado mundial de carne.
É fácil entender porque toda essa preocupação. Em apenas 3 anos, o Brasil ganhou uma fatia significativa do mercado mundial. Nossos preços estão muito competitivos e isso preocupa muito nossos competidores. É fácil imaginar que os países produtores (e exportadores) de carne desejam se preparar para a concorrência no mercado de carne.
Enquanto o mundo todo se preocupa com uma “invasão” brasileira, nós enfrentamos alguns problemas. A pecuária de corte brasileira, por ser muito carente de informações, está sempre sujeita a informações duvidosas.
Hoje, estamos vivendo pressões de mercado bastante distintas. Por um lado, os custos de produção estão muito elevados. A maioria dos insumos da pecuária de corte atualmente é dolarizada. Mesmo com a queda do dólar, os preços desses insumos ainda não cairam. É o que se pode notar nos valores de ingredientes para rações de confinamento e semi-confinamento. Segundo dados de experientes consultores em nutrição, a arroba engordada em confinamento hoje tem custo de alimentação (fora instalações, mão-de-obra, etc) de R$ 48,00 no Mato Grosso.
Por outro lado, vários analistas de mercado do boi e representantes dos frigoríficos exportadores brasileiros afirmaram essa semana que o preço do boi não tem sustentação, pois o mercado interno não tem renda suficiente para remunerar uma arroba cotada em R$ 55,00 em São Paulo e ao mesmo tempo a carne brasileira não é mais tão competitiva no mercado externo, estando com cotação muito similar à argentina e inferior em US$ 2,00 à uruguaia. Já a cotação paraguaia (devido aos focos de aftosa) estaria em torno de US$ 11,00/@, bem abaixo do valor brasileiro, acima de US$ 18,00.
Após essas declarações, coincidentemente ou não, a arroba do boi recuou em diversas praças, segundo cotações da Scot Consultoria divulgadas pelo BeefPoint essa semana. Clique aqui para ver cotações.
Quando o Brasil começou a exportar de forma consistente, em 2001, as consecutivas quedas do preço da carne no mercado internacional eram explicadas devido ao conhecimento dos traders a respeito do câmbio e preços praticados no Brasil. Assim, esses traders (com grande poder de barganha) conseguiram ganhar uma considerável parcela da lucratividade gerada pelos competitivos custos de produção brasileiros.
O que parecia ser uma guerra de preços entre frigoríficos brasileiros, uruguaios e argentinos era na verdade um “leilão” realizado pelo poder de negociação dos importadores, que se viam numa situação muito confortável ao se deparar com uma grande oferta de produto não diferenciado. O Brasil, graças também a esse fator, vendeu muito e argentinos, uruguaios e outros tradicionais exportadores de carne reclamaram muito de nossa política agressiva de preços, em 2001 e 2002.
Hoje, o dólar ainda está muito valorizado (R$ 2,90 a 3,00), muito acima do primeiro semestre de 2002, quando batíamos recordes de exportação mês a mês e se pensava que era um absurdo imaginar o dólar cotado a R$ 3,00. Para alguns, R$ 2,90 parece hoje um valor muito baixo para se manter as exportações. Será mesmo?
Será que não é possível reverter um pouco essa tendência e aumentar um pouco as cotações da arroba no Brasil e da carne brasileira no mercado internacional (em dólares) agora que não há mais moeda americana acima de R$ 3,50 ? Será que a saída é reclamar que o dólar está cotado à “apenas” R$ 2,90?
Para se manter a atual rentabilidade, é preciso obter algum acréscimo no valor da carne exportada ou se diminuir a cotação da arroba paga aos produtores. O mercado interno não suporta os atuais preços, visto que o equivalente físico está defasado em mais de 20%.
Os produtores têm reclamado dos problemas de vender seus animais por um preço baixo em dólares, como ocorrido no segundo semestre de 2002, quando suplementos minerais, adubos, grãos e produtos veterinários são cotados em dólar. Mas mesmo assim, com quem será mais fácil de se negociar reajustes para baixo ou para cima, dependendo do caso? Produtores com baixo nível de informação (sujeitos a boatos) e com baixíssima organização ou traders internacionais, com o já famoso poder de negociação?
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Parabéns pelo seu artigo.
Você tocou com muita clareza no ponto crítico da nossa ferida, um percentual muito grande de nosso setor produtivo é desinformado, com índice cultural baixíssimo, e o que é pior, julgam-se extremamente inteligentes, competentes e preparados.
Isto facilita o desempenho das traders e de especuladores.
Parabéns pelo artigo.
Att,