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A receptora e a vaca Nelore

Por Eduardo Biagi1

Desde a primeira vez que ouvi falar em transferência de embriões (TE) e me explicaram passo a passo os procedimentos adotados, uma coisa sempre me causou estranheza: a necessidade de usar vacas cruzadas como receptoras.

Eu pensava que a raça Nelore, que tem como um de suas maiores qualidades e diferencial, exatamente a habilidade maternal deveria ser, como de fato é, uma excelente mãe quando procria um bezerro de monta natural ou de Inseminação Artificial também deveria ser uma excelente mãe para produtos de TE.

Todo produtor que trabalha com Nelore sabe que a raça é precoce, prolífera, longeva, rústica e que dispensa maiores cuidados por ocasião do parto e também logo após, por ter tetas pequenas e uma grande produção leiteira, liberada aos poucos para sua cria. Isso impede problemas de mastite na vaca e diarréia nos bezerros, característica que foi o grande diferencial da raça, responsável pela enorme explosão de crescimento no Brasil. Raríssimos são os casos de prolapso vaginal ou outros problemas de parto. Dentre todas as qualidades e virtudes da Raça Nelore, a maior ou a mais importante no enorme crescimento de sua população é, sem dúvida, a habilidade maternal da vaca.

Interessante que, apesar de ninguém discordar disto, a TE e mais tarde a FIV (fertilização in vitro) adotaram como receptora ideal a vaca cruzada, no começo de HPB e mais tarde de Simental, Pardo Suíço e outras. No meu caso em particular, apesar de acreditar que era um erro, nunca consegui convencer os técnicos responsáveis pelas empresas prestadoras de serviço que contratei por muitos anos.

Em 1999, com a montagem da Central de TE na Fazenda Cibrapa (Central Carpa), em Barra do Garças (MT), em parceria com a Cenatte do brilhante e competente Dr. Múcio Alvim, as coisas começaram a mudar. O objetivo da Central Carpa é fazer TE multiplicando nosso melhor material genético e, assim, pude finalmente adotar a vaca Nelore como receptora. No primeiro ano, por insistência do Dr. Múcio e também para aumentarmos a segurança da modificação, combinamos trabalhar com metade de receptoras cruzadas e metade Nelore.

Os resultados obtidos após o primeiro ano de trabalho e mais de 300 prenhezes realizadas serviram como experimento de campo, tudo foi medido e comparado: desde a observação de cios até o peso de desmama. Como eu esperava, as vacas Nelore não perderam em nada, nem mesmo no peso da desmama dos produtos, a maior dúvida de muitos.

Importante dizer e repetir que estamos falando em mais de 300 produtos nascidos, já que tivemos oportunidade de comparar, em muitos casos, produtos com a mesma genética, vivendo no mesmo ambiente desde sua concepção como, por exemplo, 16 produtos nascidos do mesmo acasalamento, praticamente no mesmo dia, sendo metade gestados por cruzadas e metade por Nelore.

Após este trabalho, as dúvidas que possivelmente ainda existiam, sumiram e, desde então, apenas receptoras Nelore são usadas no programa de TE da Central Carpa. Após vários anos, a nossa convicção de que a decisão foi correta é total. Nossos números e, principalmente, nossas receptoras com seus produtos estão à disposição de quem se interessar.

Para concluir, eu gostaria de recomendar aos neloristas que façam o mesmo sem nenhum tipo de medo ou receio. A minha convicção é tão grande, que acredito que no futuro, não muito distante, isto será colocado como uma obrigação, como medida protetora de nosso mercado e de nossos programas de melhoramento genético e estimuladora da busca da excelência da habilidade maternal. Não existe vaca Nelore ruim, existe trabalho de seleção mal feito. Pense nisto.

O início da TE

Aqui, abro uma janela no raciocínio para contar uma curiosidade. A primeira TE realizada no Brasil se deu na Fazenda Fazendinha, da Carpa Serrana, comandada pelo Dr. Valter Becker, de saudosa memória e do Dr. Joaquim Hahm quando eu era presidente da Lagoa da Serra, e o Valter fazia pós graduação em Transferência de Embriões na Alemanha. O Dr. Hahm era seu orientador e ficou muito amigo dele e da sua futura mulher, a Bia Biagi (minha prima).

Em função desta amizade, o Dr. Hahm foi convidado para ser padrinho do casamento dos dois, união realizada em Ribeirão Preto, SP. Na bagagem, ele trouxe 11 embriões de Simental, em uma garrafa térmica, pois a técnica do congelamento ainda não era dominada, e o Valter, que tinha vindo antes em tempo de preparar as receptoras, realizou o implante de 4 embriões em 4 receptoras Nelore (os outros embriões degeneraram). Estes resultaram em duas prenhezes e, mais tarde, em um macho de nome Ariano e uma fêmea de nome Odisséia. Ele foi doador de sêmen na Lagoa e ela foi doada para o então Presidente da República João Figueiredo.

__________________________
1Eduardo Biagi é engenheiro agrônomo, pecuarista com mais de 30 anos de experiência, titular da Carpa Serrana, fazenda com unidades em Serrana (SP) e Barra do Garças (MT). É também vice-presidente da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ).

0 Comments

  1. Magno Augusto de Matos disse:

    É isso aí, Duda Biagi!

    É de pensadores e defensores da raça Nelore como você é que precisamos. Pecuarista como você; idealizador, moderno, convicto, etc que a nossa pecuária de corte (Nelore) está precisando.

    Realizamos um trabalho de Melhoramento Genético da Raça Nelore aqui na propriedade com muito sucesso, quanto a precocidade sexual, precocidade de terminação,etc.

    Fomos pioneiros aqui no Cerrado; a princípio muitas críticas e resistências, porém hoje muitos aplausos e consequentemente “copiadores” de plantão estão querendo fazer o mesmo.

    Pioneiros normalmente são inovadores e é disso que a Raça Nelore precisa.

    Parabéns!!!

    Carlos Magno Alves Pereira

    CONDOMINIO ITAVERÁ

    Campo Grande-MS

  2. Fernando Penteado Cardoso disse:

    Parabéns ao Eduardo por essa iniciativa coroada de sucesso.

    Faz-me lembrar de minha viagem à África do Sul para seguir a escola do Prof. J. Bonsma, que veio ao Brasil em 1982 para dar consultoria ao rebanho Lemgruber.

    No Centro de Pesquisa de Irene, me explicaram que naquele país as receptoras devem ser da mesma raça do embrião, a fim de que a cria não venha a sofrer influências estranhas ao seu genoma, seja de hormônios, seja do aleitamento.

    Beleza vaca Nelore abrigar embrião de Nelore!

    Só que, após a parição poucos criadores vencem a tentação de produzir gigantes artificiais. Então oferecem duas girolandas para amas, estrado para o bezerro grande facilmente alcançar as tetas, a seguir ração e mais ração superespecializadas com anabolizantes e tudo o mais.

    Depois vem a festa das pistas e dos leilões milionários dominados pela vaidade masculina. Aí os técnicos ficam deslumbrados e chamam de “melhoramento genético”.

    Parece brincadeira, mas não é!

    Onde estão as avaliações de progênie e os cálculos dos DEPs baseados na carcaça de bois criados a pasto? Se existem, peço perdão por minha ignorância em desconhecê-los.

    Estou certo que o Eduardo só tira embriões de vacas parideiras, muito férteis, com primeiro parto antes dos 3 anos, que nunca falharam e que foram inseminadas de touros filhos de matrizes do mesmo padrão! Vacas capazes de desmamar todos os anos um bom bezerro, sem perderem sua condição corporal!

    Sua fazenda em Alto Garças é um modelo, com um mínimo de artificialismo e um máximo de realismo ao selecionar o Nelore que vai ajudar a pecuária nacional a produzir economicamente uma carne oriunda de animais provindos do verde, do sol, da chuva, do frio, do calor, criados longe das cocheiras, mas próximo da natureza!

    Grande abraço ao Eduardo!

  3. Breno J P Barros disse:

    Sr Duda, já em 1998, buscando diminuir os custos e obter um produto de transferência que pudesse ter seus dados avaliados com segurança, transferimos embriões em vacas nelores multíparas, que já tinham produtos próprios avaliados.

    Como veterinários, acreditávamos que um aparelho reprodutivo em ordem é o que precisávamos para obter uma prenhez.

    Outro desafio a ser superado, ao meu ver ainda maior, é o manejo após o nascimento, que elimina em grande parte a influência das receptoras. Os bezerros são super alimentados e nos faz selecionar animais pouco adaptados.

    Parabéns pelo trabalho valoroso da Carpa.

  4. José de Assis Belisário disse:

    Parabenizo e elogio sinceramente a iniciativa do colega engenheiro agrônomo Eduardo Biagi. Isso é que chamo quebrar paradigmas… Não ter medo e firmar uma bela iniciativa.

    Sempre pensei da mesma forma quanto a habilidade maternal da vaca Nelore, além da inegável superioridade em rusticidade em relação às mestiças taurinas.

    Parabéns!!

    Prof. Belisário

  5. Lucas Teixeira M. Gonçalves disse:

    Eu sempre tive essa curiosidade de fazer TE em vaca nelore. Já havia escutado que o senhor Eduardo Biagi fazia, porém acabei não fazendo, porque o veterinário que faz TE aqui, disse que não dava certo.

    Acabei concordando com ele e não fazendo, mas apos ler o relato de uma pessoa tão importante no nelore, uma pessoa que nós devemos tentar imitar, vou fazer

    E gostaria de saber se o senhor Eduardo Biagi usa novilha nelore ou vaca nelore para realizar a TE.