Por Ivan B. Formigoni, José Bento S. Ferraz e Joanir P. Eler1
A genética e a economia
É inegável o reconhecimento das contribuições que os programas de seleção tem gerado para a pecuária de corte nacional. Pesquisadores, empresas e técnicos do setor têm se esforçado na identificação de animais geneticamente superiores para um conjunto de características de interesse. Com isso, aumento dos índices produtivo e reprodutivo tem sido observado e, não menos, contribuído para uma maior eficiência dos rebanhos comerciais.
No entanto, o pecuarista investe em material genético selecionado e aplica esforços de seleção sem conhecer com clareza o quanto de lucro esperar para o aumento no desempenho das características. Em outras palavras, o quanto representa para o pecuarista, em valores monetários, selecionar para peso em diferentes idades, precocidade reprodutiva em novilhas, habilidade de permanência de matrizes, entre outras características?
O valor econômico
No ramo empresarial, para todo investimento em tempo e dinheiro é esperado um retorno econômico e, de fato, os objetivos da seleção para qualquer pecuarista se referem à maximização do lucro. Desse modo, torna-se necessário, incorporar estudos econômicos aplicados ao melhoramento animal, no intuito de estimar a rentabilidade esperada dos pecuaristas para seus esforços de seleção.
Estudos que concatenam essas duas áreas de conhecimento (genética e econômica) são ainda incipientes no Brasil e a escolha dos melhores reprodutores é comumente feita apenas por meio da DEP (Diferença Esperada na Progênie). Ou seja, os melhores animais são classificados de acordo com seu mérito genético para uma ou um conjunto de características sem qualquer informação referente à importância econômica de cada uma delas.
Portanto, deve-se conhecer o lucro proporcionado a partir da seleção de uma dada característica ou, o quanto esperar de lucro com a seleção de uma determinada característica.
O valor econômico se refere ao lucro esperado para cada unidade de melhoramento de uma determinada característica, enquanto se mantendo todas as demais variáveis que poderiam estar influenciando o desempenho dos animais, como nutrição, manejo entre outros, constantes. Isso impede que o melhor desempenho para uma determinada característica seja efeito de uma melhor suplementação, manejo ou outra intervenção técnica e não da genética do animal.
Características economicamente relevantes
A relação de lucro com a característica muitas vezes não é fácil de ser conseguida. As características, de forma geral, têm influencia nas receitas e custos do sistema produtivo e, muitas vezes, essa mensuração é difícil de ser conseguida de forma direta.
Assim, muitas das características as quais são avaliadas nos animais (critérios de seleção) não afetam diretamente o lucro, sendo aplicadas para indicar o mérito genético de um animal para outras características. As características denominadas indicadoras são, portanto, recursos para se tentar melhorar características do objetivo de seleção do produtor.
Isso implica que as características indicadoras são selecionadas no intuito de melhorar características chamadas de economicamente relevantes. As características economicamente relevantes estão diretamente associadas à rentabilidade do sistema produtivo pela relação com custos específicos ou com o rendimento a partir da venda de um produto.
Para ilustrar esse fato, tem-se como exemplo a característica de perímetro escrotal (PE), amplamente avaliada e difundida entre os produtores e selecionadores brasileiros. Mas, qual a implicação de avaliar PE? O produtor comercial teria algum benefício mercadológico direto selecionando seu rebanho para um maior PE? Certamente nenhum frigorífico melhor remunera os animais para abate quando seus testículos são maiores. Desse modo, seleciona-se para PE por ser uma característica indicadora de precocidade sexual.
Adicionalmente, muitas das características dos objetivos de seleção não apresentam informações genéticas disponíveis, como para eficiência alimentar que, demanda custos elevados de mensuração em larga escala e a torna inviável para análise sob as condições de produção brasileiras.
Vale ressaltar, contudo, que os programas de melhoramento animal tem se aprimorado na tentativa de atender as necessidades dos produtores. Informações genéticas para características economicamente relevantes têm sido buscadas. Exemplos são as características de habilidade de permanência e probabilidade de prenhez aos 14 meses, avaliadas em bovinos da raça Nelore.
Lucro específico ao sistema produtivo
Os valores econômicos das características são específicos a um particular sistema de produção. Para esse aspecto, há necessidade de analisar individualmente os sistemas produtivos, ou seja, as metodologias de estimação dos valores econômicos são desenvolvidas para representar propriedades de maneira individual.
Para esse aspecto, o termo circunstâncias de produção é usado para indicar o total ou parte dos fatores que caracterizam cada propriedade, os quais podem influenciar consideravelmente os valores econômicos das características por diferenças nos custos e receitas entre os sistemas produtivos.
Dentre as circunstâncias de produção, especificidades para as circunstâncias naturais, sociais e econômicas, o sistema de produção, os requerimentos de mercado e o atual nível médio de produção do rebanho devem ser consideradas.
Outra questão pertinente aos aspectos econômicos da seleção se refere ao fato do ganho genético em bovinos, embora cumulativo, ser lento. Ou seja, as decisões de seleção tomadas hoje terão impacto futuro em 5 ou mais anos adiante, dependendo da característica a ser selecionada. Isso implica que as decisões de hoje devem ser pensadas anos adiante e, principalmente, se as características importantes hoje continuarão sendo no futuro. Certamente é difícil prever as tendências de mercado futuras, as exigências do consumidor, da indústria e, o quanto esperar pelo retorno econômico das características. No entanto, alguns sinais podem indicar os rumos da produção de bovinos de corte e, para onde devem ser direcionados os esforços de seleção na tentativa de mais bem se ajustar ao ambiente de mercado que os descendentes dos animais selecionados hoje estarão inseridos.
A taxa de desconto é fator importante a ser mencionado, uma vez que o valor econômico estimado no presente tende a não ser o mesmo quando os animais frutos do processo seletivo estiverem inseridos nos rebanhos comerciais. Isso ocorre porque não se espera que o valor presente seja o mesmo anos à frente.
Uso dos valores econômicos
A importância de ponderar as informações genéticas sob uma base econômica pode ser resumida na possibilidade de classificar os animais por um índice que pode ser usado para estimar o lucro do uso de um ou outro animal.
Podemos exemplificar o uso de valores econômicos supondo que um produtor comercial opte por um touro terminal (engorda) com DEP 10kg aos 400 dias de idade.
O valor monetário estimado para um reprodutor de DEP 10kg é apresentado na Tabela 1.
Tabela 1. Touro com DEP 10 kg para peso aos 400 dias, analisado para duas condições: a uma mais baixa taxa de acasalamento (exemplo A) e maior taxa de acasalamento e vida útil (exemplo B)
De acordo com a Tabela 1, o produtor comercial poderá obter uma receita extra de R$1.125,00 ou R$2.100,00 com o uso deste touro, o que pode variar conforme a taxa de acasalamento e a vida útil do reprodutor no rebanho. Uso mais intensivo do animal desde que possível ou como auxílio de técnicas reprodutivas como a inseminação artificial, pode maximizar o lucro esperado de um animal.
O exemplo apresentado na Tabela 1 implica que, a partir da aplicação prática dos valores econômicos, selecionadores e compradores de material genético tendem a se beneficiar economicamente dos processos de melhoramento animal, podendo melhor avaliar o retorno esperado com a mudança genética para características de interesse econômico e, com isso, mais bem negociar o preço de venda dos touros ou sêmen.
Considere que o preço médio de um reprodutor de determinada raça, sem avaliação genética, ou seja, sem DEP disponível, esteja em torno de R$2.000,00, por exemplo. Caso um animal da raça fosse geneticamente avaliado sob as condições apresentadas na Tabela 1, o reprodutor poderia ser negociado a um valor adicional e que beneficiasse tanto o selecionador como o produtor comercial.
Algumas considerações
A importância de avaliar as relações de custos e receitas do melhoramento genético do rebanho é de fundamental importância nos processos de tomada de decisão na pecuária de corte nos dias de hoje.
Desconhecer as relações de preços e o impacto econômico da seleção impossibilita o produtor em projetar o sentido da seleção ou mesmo redirecionar esforços quando necessário, na busca de melhores resultados econômicos com a atividade pecuária de corte.
Para tanto, recomenda-se desenvolver e/ou aplicar metodologias de análise do lucro esperado a partir da seleção de acordo com as particularidades de cada sistema produtivo. Com o uso de ferramentas adequadas e capazes de estimar o valor econômico das características para cada sistema produtivo em particular, será possível melhor identificar os animais que contribuam com a maximização do lucro da propriedade e, para onde devem ser direcionados os esforços de seleção. Sem o conhecimento do valor econômico das características e a importância de cada uma delas, pouco adianta a adoção de técnicas reprodutivas, como a inseminação artificial, transferência de embriões etc e os avanços dos programas de seleção, os quais possibilitam um mais rápido ganho genético. Nesse caso, os ganhos com a seleção podem ser muitos, mas, o que não garantem que esses ganhos atendam os objetivos do produtor, expresso pela maximização do lucro.
__________________________________
Ivan B. Formigoni, José Bento S. Ferraz e Joanir P. Eler são membros do Grupo de Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo.
0 Comments
Muito interessante seu artigo.