MEQ/Forbes Australia
Uma startup australiana que desenvolve câmeras para classificar carne bovina conseguiu algo que ninguém realizava havia mais de 15 anos: convencer o governo dos Estados Unidos a aprovar uma nova tecnologia para uso em sua indústria de processamento de carne, avaliada em US$ 108 bilhões (R$ 600 bilhões na cotação atual). A MEQ, sediada em Melbourne, acaba de receber a certificação do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) para sua tecnologia de câmeras.
Esse é o primeiro sistema baseado em vídeo já aprovado para uso oficial na classificação de rendimento e qualidade da carne bovina. “É um momento histórico”, diz Remo Carbone, cofundador e CEO da MEQ. “A certificação do USDA não é apenas um selo de aprovação. É a chave para digitalizar toda uma indústria.”
Em um setor que ainda depende de classificadores humanos avaliando carcaças em ganchos que se movimentam pelo chão do abate, a tecnologia da MEQ oferece algo que os processadores de carne e toda a cadeia de suprimentos carecem há tempos: uma análise objetiva e instantânea.
Utilizando vídeo 3D e 12 modelos de inteligência artificial, a MEQ Camera avalia o marmoreio, o rendimento e o tamanho do contrafilé. Os dados podem então retornar ao produtor rural ou seguir adiante para varejistas e consumidores.
A tecnologia já foi implantada em várias plantas de processamento nos EUA, incluindo a Sustainable Beef, em Nebraska, e também está sendo utilizada na Austrália por empresas do setor como JBS Foods Australia, Teys Australia, Greenhams e Australian Meat Group.
A MEQ captou US$ 6 milhões (R$ 33,3 milhões) no fim de 2023 e tem se tornado uma força discreta no setor de agtech australiano. Mas não se trata de um mercado saturado. “Se você for a qualquer polo de startups e perguntar a 100 empresas se alguém está desenvolvendo algo para apoiar a indústria da carne vermelha”, diz Carbone, “a resposta será não.”
Quando Carbone e o cofundador Andrew Grant iniciaram essa jornada há 20 anos, após um curso sobre comercialização de ciência e tecnologia na Universidade de Adelaide e na Universidade do Texas, eles não tinham a intenção de fundar uma startup de carne. Estavam em busca de algo que ainda não existia no mundo, mas que deveria existir.
Por meio de uma série de conexões, encontraram essa oportunidade não no metaverso ou nas fintechs, mas no chão do abate. “Eu vinha do mercado financeiro institucional de Nova York”, diz Carbone. “É um ambiente hipercompetitivo. Pense em todo o talento empreendedor e de engenharia que tem sido direcionado para entregar soluções para esse mercado. A área da saúde é igual.”
A indústria americana de carne bovina, de US$ 108 bilhões, estava sendo ignorada. As razões são em parte culturais, afirma Carbone. “As pessoas que fundam empresas de tecnologia não têm ligação com esse setor e não conhecem ninguém que tenha ganhado dinheiro nesse espaço.” O setor de carne, tradicionalmente fechado, fisicamente exigente e geograficamente remoto, também não facilita o acesso.
Há ainda a questão do tempo. Até recentemente, a tecnologia para resolver o problema da classificação de carne não existia. Foi preciso uma convergência de hardware, aprendizado de máquina e visão computacional para tornar a MEQ Camera viável. E, mesmo assim, foi necessária uma conexão com alguém de dentro da indústria da carne para que Carbone encontrasse os parceiros certos para testar a teoria.
Eles adaptaram uma ideia de uma sonda feita para humanos e a aplicaram à carne, contornando a necessidade de longos processos de aprovação. Construíram uma câmera 3D para treinar a IA da sonda, e perceberam que a câmera era o produto com maior potencial comercial. “A única razão de estarmos aqui é porque demos sorte. Alguém nos apresentou a alguém conectado ao setor. Do contrário, não teríamos percebido essa oportunidade.”
A MEQ foi fundada em 2016, e os cinco primeiros anos foram dedicados à pesquisa e desenvolvimento, justamente em um período em que boa parte do capital de risco mundial era direcionado às alternativas de carne à base de plantas, cujos investidores pareciam querer tirar a indústria tradicional da carne do mercado.
Nunca achei crível que o gado fosse substituído. Sempre torci por essas empresas. Queria que prosperassem, porque o gado sozinho não consegue atender à demanda global por proteína.
Segundo Carbone, quando a Beyond Meat, empresa norte-americana especializada na produção de carnes vegetais, abriu capital na Nasdaq, em 2019, todo mundo achou que aquele era o futuro. “O que eu acho que deixaram de perceber é que a produção de proteína animal e a forma como ela é consumida globalmente não são apenas uma questão de nutrição. As pessoas ignoraram o que a comida representa. É sobre partilha e cultura.”
As ações das alternativas à carne tiveram um desempenho ruim desde 2019, quando a capitalização de mercado da Beyond Meat atingiu o pico de US$ 14 bilhões (R$ 78,3 bilhões). A empresa perdeu 98% desse valor e hoje vale em torno de US$ 280 milhões (R$ 1,5 bilhão). Os consumidores passaram a questionar os três pilares da proposta: se era realmente mais saudável, melhor para o meio ambiente e com sabor semelhante.
Enquanto outros trabalhavam para substituir o gado, a MEQ focou em melhorar a carne, classificando-a com mais precisão, devolvendo dados aos produtores e encaminhando informações para os varejistas e consumidores, para que tomem decisões mais conscientes.
Com sede em Reservoir, no estado de Victoria, e quase 40 funcionários espalhados pelo mundo, a MEQ planeja continuar expandindo. “Nosso plano de entrada no mercado americano já foi desenhado com o objetivo de obter a certificação”, explica Carbone.
Enquanto a empresa implantava a câmera na Austrália e buscava a certificação junto aos órgãos reguladores locais, Carbone diz que já estava construindo uma base de conhecimento e visibilidade nos EUA. “Temos ótimos relacionamentos. Desde os maiores frigoríficos do mundo até os processadores regionais nos EUA”, afirma ele. “As relações que cultivamos nos permitem acelerar as conversas para implantar a câmera no mercado americano, então estamos bastante empolgados.” A MEQ tem outros dois produtos: um dispositivo para avaliação de carcaças quentes, e outro voltado para a estimativa de gordura e marmoreio em animais vivos.
A MEQ Camera consiste em uma câmera 3D acoplada a uma estrutura que pode ser usada com um smartphone comum. Juntos, eles capturam imagens em alta resolução e a geometria espacial da carne em poucos segundos, o tempo disponível para o classificador enquanto 450 carcaças por hora passam diante dele.
Carbone afirma que, agora que a tecnologia está certificada e em uso, o foco da MEQ é escalar e ativar os ciclos de retroalimentação de dados que há tempos impulsionam outros setores, mas ainda mal tocaram a carne vermelha. “É uma oportunidade imensa”, diz Carbone. “De produtores a processadores, de varejistas ao food service, ninguém conseguia usar esse tipo de informação em tempo real. Até agora.”
Sobre a necessidade de captar mais recursos para a expansão, Carbone diz que a decisão ainda está em aberto. “Estamos discutindo isso no momento. Mas essa certificação nos dá mais opções. Fizemos um bom trabalho ao preservar o capital que tínhamos, considerando que estamos desenvolvendo hardware. Mas temos ambições bastante grandes.”
Fonte: Forbes.