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A tecnologia da ultra-sonografia para a avaliação de carcaça bovina

Por Marcos Yokoo1

A pecuária de corte brasileira atravessa um período de mudanças, com enormes oportunidades e desafios, demonstrando um grande crescimento. O International Food Policy Research Institute de Washington, DC nos Estados Unidos, projeta um crescimento de 200% na demanda mundial pela carne nos próximos 20 anos (Delgado, 2001), mas em termos de produção, ainda temos baixos índices de produtividade (Peck, 2002). Pela abundância de terras aptas para pastagem, o tamanho do seu rebanho, e sua vocação para a pecuária, o Brasil apresenta uma boa situação para aproveitar o crescimento na demanda mundial de carne.

A abertura do mercado brasileiro no processo de globalização da economia traz consigo a necessidade de competir com produtos de alta qualidade, que até então não faziam parte da realidade nacional, além de competir com outras fontes de proteínas, como por exemplo: carnes brancas (aves, suínos e peixes). Além disto, países como os Estados Unidos, a Austrália, a Argentina, e a União Européia já são grandes exportadores de carne, e estão lutando para manter a sua posição de dominância.

Para competir neste mercado, a pecuária brasileira terá que investir em tecnologias, melhorar os seus índices de produtividade, baixar os custos unitários e atender as exigências dos consumidores em relação à segurança alimentar, qualidade do produto, bem-estar animal e respeito ao meio ambiente. A importância das garantias de qualidade são demonstradas pelo sucesso de programas de carne certificada, como por exemplo: o CAB (Certified Angus Beef), que desde a sua implementação em 1978 o CAB tem crescido entorno de 20% anualmente (AAA, 2001). Atualmente, estes programas representam o valor agregado da carne certificada, com um diferencial no preço, é o mercado produtor agregando uma tecnologia. Mas no futuro, a garantia de qualidade já não será um diferencial, mas sim, uma condição básica para manter espaço para o produto no mercado competitivo.

O mercado globalizado aumentará a homogeneidade na atitude dos consumidores (HARDWICK, 1998), que criam a demanda e direcionam o setor produtivo especialmente de produtos in natura. Uma carcaça de qualidade deve apresentar quantidade de gordura suficiente para garantir sua preservação (como por exemplo: a gordura subcutânea) e características desejáveis para o consumo (CUNDIFF et al., 1993). Com relação às diferentes taxas de crescimento dos tecidos, vários autores (DRANSFIELD, 1994b e SAUNDERS, 1994) observaram que a taxa de proteólise miofibrilar estava intimamente relacionada às variações de pH do meio intracelular e que estas variações eram dependentes da quantidade de gordura subcutânea na carcaça. Segundo WATANABE et al. (1993) os valores de pH na carne apresentam relação direta e positiva com a quantidade de gordura subcutânea, o que sem dúvida garante maior preservação da carne no post mortem, garantindo a qualidade desta carne.

Ainda entre os maiores problemas da indústria de carne bovina no Brasil e no mundo, reside a falta de uniformidade em idade de abate dos animais, cobertura de gordura e marmorização da carne, fatores estes que possuem grande influência na maciez e palatabilidade do produto. Desta maneira a variação de qualidade de carne bovina é devido a pouca padronização dos sistemas de produção, variações nos níveis de maciez, da genética do rebanho bovino, bem como da inabilidade em identificar as carcaças que produzem maior quantidade de carne e de melhor qualidade (SHACKELFORD et al., 1991), além da falta de planejamento agropecuário e principalmente a não organização de programas de melhoramento genético.

A padronização dos sistemas de produção de carne é capaz de garantir um produto de qualidade específica, capaz de atender as exigências de mercado (SILVEIRA, 1995), ainda a respeito da maciez da carne, pesquisas de teste de paladar realizado pelo Padrão de Carne Australiana (MAS – Meat Standarts Austrália) sugerem que os consumidores possam discernir entre níveis de maciez e estão dispostos a pagar por um preço mais elevado.

A tecnologia da ultra-sonografia em avaliação de carcaça bovina in vivo é uma ótima ferramenta na luta pela qualidade, dentre estas qualidades destacam-se o rendimento de cortes cárneos, porcentagem de gordura (subcutânea e intramuscular) e musculosidade na carcaça. Tudo isto pode ser estimado com o auxílio da ultra-sonografia.

O desenvolvimento dos programas de melhoramento genético no Brasil para qualidade de carcaça busca atender as exigências do mercado consumidor e o progresso genético do rebanho brasileiro. As avaliações genéticas dos reprodutores, para as características de qualidade de carcaça, área de olho de lombo, espessura de gordura subcutânea e espessura de gordura subcutânea na garupa (AOL, EG e EGP8), dependem da ultra-sonografia para a estimação de suas DEP´s para carcaça (Diferença Esperada na Progênie).

Devido às necessidades competitivas, as associações americanas desenvolveram programas de melhoramento genético para qualidade de carcaça bovina, através de testes de progênie e/ou do uso da ultra-sonografia (Beef Improvement Federation – BIF, 2002). A ultra-sonografia, por sua vez, apresenta inúmeras vantagens, tais como: a técnica não é invasiva, tem custo da avaliação individual inferior ao teste de progênie, possibilita a avaliação genética dos reprodutores sem necessidade de abate e antes do primeiro acasalamento, e as herdabilidades são média-alta (em Bos tauros e Bos indicus – Nelore mocho) e em alguns casos as medidas de ultra-som são até superiores as medidas diretas, além das correlações serem altas (Sainz e Araujo, 2002).

As características desejáveis na carcaça de bovinos apresentam correlações e herdabilidade (h2) consideráveis e variáveis (de 0,29 a 0,62 segundo Sainz e Araújo, 2003, Doyle et al., 2001 – apresentado nas tabela 1, 2 e 3), dependendo da raça e rebanho.


Vários estudos têm demonstrado que a ultra-sonografia é uma ferramenta objetiva e acurada na seleção para musculosidade, cobertura de gordura, marmoreio e rendimento de carne à desossa (HERRING et al., 1998; Wilson et al., 1998) justificando um programa de seleção, o que sugestiona o estudo dos principais fatores responsáveis pela melhor qualidade do produto e a possível identificação de raças e até indivíduos que apresentem uma maior porcentagem de massa muscular, maior ou menor gordura de acabamento (dependendo do objetivo de seleção) e melhor qualidade de carne.


Em alguns países as avaliações pela ultra-sonografia têm um grande impacto econômico, já que os produtores recebem ou são penalizados dependendo da qualidade da carcaça de seus animais (Sainz et al, 2003). No Brasil, apesar do produtor receber apenas pela porcentagem de rendimento de carcaça (com algumas exceções de programas de marcas de carne como, por exemplo: Nelore Natural e outros), a tendência é adotar um sistema de bonificação, tendo em vista, o sucesso dos vários programas de certificação de qualidade (marcas de carne) e o pagamento promissor, o qual já é feito por poucos frigoríficos.


De acordo com estes estudos, torna-se evidente a importância do uso desta “nova” tecnologia (ultra-som) para o desenvolvimento da pecuária brasileira e mundial.

Referências bibliográficas

ANUALPEC. Anuário da pecuária brasileira. São Paulo; FNP, 2003. 392p.

Beef Improvement Federation, Guidelines ; 2003.

DOYLE, E. W.; GENE, H. R.; CRAIG, L. H.; Carcass EPDs from Angus Heifer Real-time Ultrasound – Scans A.S. Leaflet R1736, 2001 Beef Research Report – Iowa State University.

HARDWICK, P. A. 1998. Anais 3o Congresso Brasileiro das raças zebuinas. P.188.

MAGNABOSCO, C.U.; Araujo, F.R.C.; Manicardi F.; Sainz R.D.; Reyes A.L.; Barbosa V.; PADRÕES DE CRESCIMENTO E CARACTERÍSTICAS DE CARCAÇA DE TOURINHOS NELORE MOCHO, AVALIADOS POR ULTRA-SONOGRAFIA EM TEMPO REAL. In: 12a Seminário Nacional de Criadores e Pesquisadores, MELHORAMENTO GENÉTICO E PLANEJAMENTO PECUÁRIO, 5 e 6 de agosto de 2003 – Ribeirão Preto SP, secção pôsters.

MORALES, D.C., CHARDULO, L. A. L., SILVEIRA, A. C., OLIVEIRA, H. N., ARRIGONI, M. D. B., MARTINS, C. L., BAYLER, M. C. A., DIAS, P. M. A. Características de Qualidade de Carne de Bovinos de Corte de Diferentes Tamanhos à Maturidade Submetidos ao Sistema Superprecoce. In: Anais do I Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Carne. Águas de São Pedro, SP. 2001.

SAINZ, R.D. 1996. Qualidade das Carcaças e da Carne Bovina. Anais 2o Congresso Brasileiro das raças zebuinas.

SAINZ, R.D.; ARAUJO, F.R.C.; MANICARDI, F.; RAMOS J.R.H.; MAGNABOSCO, C.U.; BEZERRA, L.A.F.; LÔBO, R.B.; Melhoramento Genético da Carcaça em Gado Zebuíno, In: 12a Seminário Nacional de Criadores e Pesquisadores, MELHORAMENTO GENÉTICO E PLANEJAMENTO PECUÁRIO, 5 e 6 de agosto de 2003 – Ribeirão Preto SP.

SAINZ, R. D. e ARAUJO, F. R. C. 2002. Uso de tecnologias de ultra-som no melhoramento do produto final carne. Anais do 5o Congresso Brasileiro das Raças Zebuínas, 20 a 23 de outubro, 2002. Associação Brasileira de Criadores de Zebu, em Uberaba, MG. Disponível em: www.aval-online.com.br/artigostecnicos

SAINZ, R. D. e ARAUJO, F. R. C. Tipificação de Carcaças de Bovinos e Suínos. Trabalho apresentado no I Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Carne, São Pedro-SP. 22 a 25 de outubro, 2001. Disponível em: www.aval-online.com.br/artigostecnicos

USDA. 1997. United States Standards for grades of carcass beef. Agriculture Marketing Service, United States Department of Agriculture. Washington D. C.
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1Marcos Yokoo é zootecnista e técnico da AVAL Serviços Tecnológicos, empresa sediada em Uberaba/MG, que se dedica a coleta e análise de imagens de ultra-sonografia em bovinos de corte.

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