A utilização de ureia em dietas e suplementos para vacas pode comprometer sua vida reprodutiva?
Por Fernanda Altieri Ferreira, Nutricionista Agroceres Multimix Nutrição Animal1
Introdução
Uma característica única que faz dos bovinos uma espécie extremamente eficiente do ponto de vista nutricional é a capacidade que estes animais possuem de utilizar fontes de nitrogênio não protéico e o transformarem em proteína de origem animal (carne e leite). Esta vantagem competitiva em relação aos monogástricos (suínos e aves) permite aos nutricionistas que empreguem a ureia tanto em suplementos proteicos, para vacas mantidas a pasto, quanto em dietas completas, para vacas estabuladas.
Apesar do custo da ureia ter aumentado substancialmente nos últimos anos, esta ainda é um ingrediente de ótimo custo-benefício nas dietas para bovinos, afinal possui quase três vezes mais nitrogênio que uma fonte de proteína verdadeira. No atual cenário de preços, um quilograma de nitrogênio vindo da ureia é quase quatro vezes mais barato que o vindo do farelo de soja e seis vezes mais barato que o oriundo da soja integral.
Contudo, apesar de excelente alternativa econômica para complementar a proteína bruta da dieta de vacas e novilhas, seu uso em determinadas situações foi associado à diminuição das taxas de produção de embriões em vacas leiteiras. Nos anos 90, uma série de trabalhos realizados nos EUA e na Europa foram publicados, relacionando dietas de alto teor protéico com diminuição no desempenho reprodutivo de vacas leiteiras. A explicação mais utilizada para justificar este pior desempenho foi que excesso de nitrogênio uréico plasmático (NUP) pode atingir oócitos em formação e também alterar o ambiente uterino, atrapalhando a implantação do embrião. O nitrogênio uréico plasmático (NUP) é um produto da digestão da proteína bruta da dieta.
Porém, a maioria dessas observações foi feita com vacas de raças leiteiras de alta produção. Assim, outras perguntas surgiram. Será que a vaca zebuína, criada a pasto sob condições tropicais sofreria este mesmo efeito? Isto foi o que alguns autores brasileiros estudaram.
Experimento realizado no Brasil
Estudando um programa de transferência de embriões, Barreto et al., 2003 ofereceram três tipos de suplemento a doadoras e receptoras Nelore mantidas a pasto.
1. O primeiro grupo (grupo controle) continha apenas farelo de soja como fonte de proteína bruta (PB),
2. O segundo grupo continha metade da PB como ureia e metade como farelo de soja,
3. e o terceiro grupo recebeu apenas ureia como fonte de PB.
Neste estudo, tanto doadoras quanto receptoras receberam suplementos balanceados e com adequada proporção de proteína degradada no rúmen.
Resultado:
Não houve comprometimento da qualidade dos embriões obtidos das doadoras, nem tampouco nas taxas de prenhez das receptoras (figura 1). Isto indica que, se houver balanceamento correto da dieta, a ureia pode ser usada em programas de transferência de embriões sem acarretar problemas.
Nas condições brasileiras é mais comum a falta de proteína na época seca do ano do que a superalimentação observada em rebanhos leiteiros norte-americanos. Desta forma, o oferecimento estratégico da suplementação proteica é indispensável para garantir o sucesso na estação de monta, e parte da proteína verdadeira pode ser substituída ureia. Mas é fundamental a boa disponibilidade de pastagem para que o animal possa aproveitar o nitrogênio oferecido pela ureia.
Lembrar também que a adaptação dos animais a ureia é fundamental. A inclusão gradativa da ureia na dieta de fêmeas bovinas, seja via suplemento a pasto ou em dietas, é indispensável para que para não haja picos de ureia plasmática. Havendo carboidrato na dieta o suficiente para combinar-se com o nitrogênio, o animal tem condições de diminuir a amônia livre no rúmen e quanto menos amônia atingir a circulação, menor será a formação de ureia no fígado. Consequentemente, haverá menos ureia circulante, que poderia atingir útero, folículos e embriões, estruturas que são sensíveis a este composto. A dieta total como forma de arraçoamento deve ser usada para atenuar os efeitos da rápida degradação de nitrogênio.
Em conclusão, o uso de ureia em suplementos e dietas para vacas em reprodução tem ótima relação custo benefício, complementando a proteína bruta da dieta. Os possíveis efeitos indesejados na reprodução destes animais são atenuados com adaptação e dietas balanceadas, a fim de que oócitos, embriões e útero não sofram efeitos de picos de ureia plasmática.
1Médica Veterinária, Doutora em Reprodução Animal pela FMVZ-USP.
Referência
Barreto AG, Louvandini H, Costa CP, McManus C, Rumpf R. Uso da ureia como suplemento protéico na dieta de doadoras e receptoras de embriões bovinos. Rev Bras Zootec, v.32, p.77-84, 2003.
Figura 1- Taxas de prenhez de receptoras Nelore recebendo suplemento a pasto composto apenas com farelo de soja, farelo de soja+ ureia ou somente ureia (Barreto et al., 2003).
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