Marina Hojaij de Carvalho e Albino Luchiari Filho
“No mercado globalizado em que vivemos atualmente, a padronização da segurança internacional para os alimentos, não é uma questão de luxo e sim uma necessidade primordial”, diz Tom Billy, presidente da Comissão do Codex Alimentarius (CAC) e administrador da USDA´s Food Safety and Inspection Service. Somente depois de 40 anos da criação do Codex Alimentarius é que diversos grupos de indústrias e consumidores se interessaram por ele, a ponto dos diversos padrões estabelecidos pelo Codex fazerem parte de muitas negociações realizadas na Organização Mundial do Comércio. O mais importante é que o Codex conta atualmente com 165 países membros, o que corresponde a 98% da população mundial.
Em abril de 2001, houve um workshop entre a FAO e a OMC para definir como a precaução poderia ser inserida nos sistemas regulatórios.
Uma série de acontecimentos que ocorreram recentemente na indústria de alimentos, como a presença da Escherichia coli O157:H7 em hambúrgueres, as contaminações por dioxina em frangos e suínos, a presença de Listeria monocytogenes em produtos lácteos e a presença das TSEs, destacando-se a BSE em bovinos, só para citar alguns, mostram que, do ponto de vista da população, ela está ciente dos riscos a que são expostas e também do tipo de ambiente em que vivem. Isso é, em parte, devido ao grande desenvolvimento dos meios de comunicação que contribuíram para esta capacidade de ver novos riscos, muitas vezes antes que a comunidade científica venha a detectar o problema. Portanto, frente a esta situação, as autoridades políticas se vêem na função de criar medidas preventivas que possam minimizar estes acontecimentos dentro de níveis aceitáveis.
Conceito
A dimensão do princípio da precaução vai além dos problemas de curto a médio prazo; diz respeito a problemáticas futuras, de longo prazo, com o objetivo de prevenir e proporcionar o bem estar das gerações futuras.
Para que medidas possam ser tomadas, ainda que sem todo o conhecimento científico necessário a respeito do assunto, estas devem estar baseadas na precaução.
O ponto de equilíbrio para que exista um nível de proteção adequado deve estar baseado em três elementos da análise de riscos: a avaliação de riscos, a seleção da estratégia de gestão de riscos e a comunicação de riscos.
A utilização do princípio de precaução deve ser feita quando a informação científica for insuficiente ou incerta e existam indicações de que possam ocorrer efeitos sobre o ambiente, sobre a saúde das pessoas ou dos animais ou sobre a proteção vegetal, ou ainda possam ser potencialmente perigosas e incompatíveis com o nível de proteção escolhido.
A procura por um nível de proteção elevado para a saúde humana e para o ambiente, e a segurança e defesa dos consumidores enquadram-se no Âmbito do Mercado Interno, aspecto fundamental da Comunidade Européia, tendo em vista que a Comunidade já recorreu ao princípio da precaução no caso da camada de Ozônio e também das alterações climáticas.
Por conseguinte, a Comissão considera que o princípio da precaução é um princípio de aplicação geral que deve ser considerado nos domínios da proteção do ambiente, da saúde das pessoas e dos animais, bem como a proteção vegetal.
No caso de medidas sanitárias e fitossanitárias (Acordo SPS), é utilizado o princípio da precaução, apesar de o próprio termo não ser explicitamente utilizado. Este Acordo SPS da OMC determina que “quando as provas científicas pertinentes forem insuficientes, um membro pode provisoriamente adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias com base nas informações disponíveis, incluindo informações provenientes das organizações internacionais competentes e as que resultam das medidas sanitárias aplicadas por outros membros. Nessas circunstâncias, os membros farão esforços por obter informações adicionais necessárias para proceder a uma avaliação mais objetiva do risco e examinarão, em conseqüência, a medida sanitária em um prazo razoável.” Foi muito estudada a hipótese da elaboração de diretrizes internacionais em relação à aplicação do princípio de precaução no Codex Alimentarius. Estas orientações, tanto neste como em outros domínios, poderiam preparar terreno para uma abordagem harmonizada pelos países membros da OMC na elaboração de medidas de proteção da saúde ou ambiente, evitando ao mesmo tempo o uso incorreto do princípio da precaução, o qual poderia de outro modo, conduzir a barreiras injustas no comércio.
São diversos os fatores que desencadeiam o uso do princípio da precaução, dentre eles: identificação de efeitos potencialmente nocivos, avaliação científica e incerteza científica, sendo que neste item, os avaliadores de riscos devem basear-se em fatores de incerteza utilizando-se de elementos prudenciais como por exemplo, utilizar modelos animais para estabelecer os potenciais efeitos sobre o homem, utilizar escalas de peso corporal para comparações entre as espécies, adotar fator de segurança avaliando doses admissíveis em função do grau de incerteza dos dados disponíveis e, ainda, não admitir doses para substâncias reconhecidas como tóxicas ou cancerígenas, tomando como base o nível ALARA (“as low as reasonably achievable” = tão baixo quanto razoavelmente possível).
Portanto, o recurso do princípio da precaução pressupõe a identificação de efeitos potencialmente nocivos decorrentes de um fenômeno, de um produto ou de um processo e ainda uma avaliação científica dos riscos, que devido à insuficiência dos dados, ao seu caráter impreciso, não permita determinar com certeza o risco em questão.
Campos de aplicação
Na prática, o âmbito de aplicação é muito mais vasto do que se pode imaginar, principalmente quando uma avaliação científica prévia indique que existem motivos suficientes para suspeitar de perigos potenciais ao ambiente, à saúde das pessoas e dos animais ou à proteção ambiental.
O recurso pressupõe que, identificados os potenciais perigos decorrentes de um fenômeno, de um produto ou de um processo e a avaliação científica não seja capaz de determinar o risco com um certo grau de suficiência, as medidas então devem ser tomadas baseadas na precaução que deve ser proporcional ao nível de proteção escolhido. Dificilmente se pode reduzir o risco a zero, mas um sistema bem definido pode vir a ter uma grande diferença, e o risco deve ser controlado ao nível ALARA.
É cada vez mais freqüente a menção do princípio da precaução em nível internacional, o que nos demonstra que os sistemas que proporcionam alimentos seguros ainda são pouco estudados em nosso país, com muita coisa ainda para ser implantada. Estes sistemas ainda não têm um ponto final, mas pelo contrário, devem constituir apenas um ponto de partida para estudos mais amplos das condições de avaliação, apreciação, gestão e comunicação de riscos.
Em vários países da União Européia, o conceito dos “precautionary principles” começa a ganhar força e crescer, sendo utilizados largamente pela sociedade e aplicados em vários setores como ambiente e saúde. No setor de alimentos, que indiretamente diz respeito à saúde pública, a aplicação dos mesmos é de extrema importância. Limitar os riscos potenciais enquanto os mesmos são hipotéticos, mantendo-os dentro dos controles é o objetivo principal desses princípios. Agindo dessa forma, será a única maneira de reconquistarmos a credibilidade dos consumidores, principalmente no aspecto de segurança do alimento.
Embora possamos afirmar com muita certeza que os alimentos de origem animal nunca foram tão seguros como agora, os progressos obtidos na conservação dos mesmos e na diminuição dos problemas higiênicos e sanitários são enormes. Porém, antigamente, toxinfecções e outros tipos de contaminações aconteciam com certa freqüência. Algumas pessoas chegavam a morrer, e na maioria das vezes, a causa não chegava a ser identificada. Hoje, as coisas mudaram. Cada dia se sabe mais, e mais fácil fica a identificação desses problemas, tudo como conseqüência desse processo de desenvolvimento. Embora ainda aconteçam infecções alimentares em todos os cantos do globo, a chance de ser acometido por uma infecção fatal é infinitamente menor do que ser atropelado ao atravessar a rua. Porém, o dito popular que diz que: “o seguro morreu de velho” nunca esteve tão atual.