A queda relativamente grande e rápida dos preços do boi gordo tende a reacender as disputas entre produtores e frigoríficos. Os frigoríficos são acusados de fazerem acordos fixando valores máximos a serem pagos, enquanto os produtores tentam reagir de forma individualizada e conseqüentemente não muito coordenada, retendo na medida do possível os bois prontos para o abate. Fatalidades climáticas, como a que está ocorrendo na região sul do Brasil Central coloca os produtores em situação muito ruim em termos de comercialização. A falta de pastagens causada principalmente pela longa estiagem deixa duas opções, ambas desfavoráveis: vender ou não vender.
Vender aumentará a oferta e baixará mais os preços. Não vender, provocará perda de peso e o atraso da comercialização, aumentando custos de produção e diminuindo o vigor de rebrota das pastagens no início da próxima estação de crescimento. É claro que os mais incautos, aqueles que manejam pastos procurando, conscientemente ou não, extrair o máximo, são os primeiros a serem afetados.
No curto prazo, o produtor tem que avaliar a decisão que será menos prejudicial a ele considerando o seu sistema de produção como um todo, isto é, levando em conta os efeitos indiretos da retenção de animais nas pastagens (diminuição do vigor de rebrota, aumento do praguejamento e conseqüente degradação ou gastos para controlar seus efeitos, etc), e na produtividade do rebanho (desenvolvimento dos animais em recria, taxa de gestação na próxima estação de monta, peso ao desmame da próxima safra de bezerros, etc).
No médio prazo, o produtor tem que repensar o seu sistema de produção e sua estratégia de comercialização, considerando alternativas que o tornam menos suscetível aos caprichos da natureza e do mercado.
Quanto ao sistema de produção, qualquer que sejam as alternativas escolhidas, elas precisam propiciar pelo menos duas condições básicas: trabalhar com uma reserva de alimentos, seja nos próprios pastos ou outras formas que melhor atenderem às características do sistema de produção; distribuir a produção de animais para o abate durante o ano todo, e não ficar sempre na espreita de conseguir o preço mais alto a qualquer custo.
Quanto à comercialização, existem dois aspectos a serem considerados: o primeiro relacionado à venda estratégica de animais em função da disponibilidade de alimentos; o segundo, em relação ao desenvolvimento de métodos de comercialização que propiciem um compromisso maior entre as partes envolvidas.
Em sistemas de produção bem elaborados e gerenciados com eficiência, a tomada de decisão para ajustar o rebanho à diminuição da disponibilidade de forragem causada por secas prolongadas e por veranicos (períodos longos sem chuvas durante a estação das águas), tem que ser rápida.
As épocas de comercialização tanto devem influir na escolha do sistema de produção a ser utilizado, como uma vez definidas, ser executadas eficientemente. A distribuição da comercialização durante o ano todo tem alguns aspectos importantes: melhora o fluxo de caixa da empresa; diminui o risco de perdas por inadimplência dos frigoríficos; permite trabalhar com um preço médio anual do mercado; permite assumir compromisso de fornecimento de animais através de contratos para abastecer nichos de mercado, etc.
A formação de grupos de produtores dispostos a fornecer determinados tipos de carne através de canais de comercialização independentes dos frigoríficos, tanto para fornecimento para o mercado interno como externo precisa ser estimulado e explorado.
O aumento das exigências e as novas demandas do mercado consumidor para tipos específicos de carne bovina (marmorizada, magra, natural, orgânica, etc), assim como a rastreabilidade ou controle de origem, parecem representar uma oportunidade ímpar para a formação dos canais de comercialização mencionados acima.
Uma característica importante a ser considerada é a resistência do setor de abate, principalmente os grandes frigoríficos que concentram as exportações, de prestarem serviços de abate para terceiros. Entretanto, algumas experiências têm mostrado que essa resistência pode ser contornada. Além disso, existem frigoríficos menores aptos e dispostos a prestarem serviços de abate para os mercados interno e externo.
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Excelente artigo. Concordo que a solução para receber o preço justo pelo nosso produto é a união de produtores de carne de qualidade em grupos para obter escala e alcançar diretamente os mercados. A industria irá disputar esses grupos pelas razões naturais de mercado.
Uma vez que os produtores tenham canais próprios de comercialização, inicialmente basta que seja para alguns cortes e que o grupo disponha de volume suficiente para assegurar abates regulares durante o ano, terão clientes entre os frigoríficos para ficar com o dianteiro, ponta de agulha, couro, etc.., aos preços de mercado interno. Há uma experiência de grande sucesso entre os criadores de Hereford na Argentina. Eles estavam entre os principais fornecedores de picanha para as melhores churrascarias do Brasil a US$ 7.000 /tonelada quando os visitei há 6 meses. Já existem alguns grupos de pecuaristas trabalhando juntos com sucesso. Não vejo essa atitude como provocação aos frigoríficos, mas o legítimo direito dos produtores de agregar valor ao seu produto que é um novilho precoce, castrado, rastreado com mais de 16@ e com 24 meses e, portanto, com maiores possibilidades de ser exportado para consumidores que são mais exigentes e pagam MAIS por esse produto. Nós já estamos participando de um grupo que está se organizando neste sentido e já temos frigoríficos interessados na parceria.
Estou de acordo com a conclusão trazida pelo ilustre expositor. Para tanto, é necessário que haja uma grande disposição e um comprometimento dos produtores para garantir um fornecimento regular e programado da carne. Isso implica em abrir mão, às vezes, de oportunidades ideais de comercialização, em proveito de um projeto mais amplo. Esta é a parte difícil
Digamos que o abate terceirizado não é uma alternativa a ser “estimulada”, e sim que será, a meu ver, um das respostas do sistema de mercado às exigências européias de rastreabilidade.
O marchante ainda subsiste no Brasil, e tende a manter seu espaço numa conjuntura em que é forte a tensão entre pecuaristas e “alguns” frigoríficos. É claro que o poder de fogo desta turma é limitado. Eu, por exemplo, tenho comprador de vacas gordas que me paga a peso vivo, é ilibado e se entende com as balanças e com as facas do frigorífico que lhe abate o gado. As carcaças, ele depois as distribui no mercado de uma grande capital do Centro-Oeste. Infelizmente não existe quem faça isso com bois, e possa absorver uma compra de, digamos, 250 cabeças.
Depois que assentar a poeira, e que o SISBOV não “pegar”, penso que uma fração do mercado de engorda poderá criar ou se associar a “tradings” que se especializarão em exportar carne rastreada. Se for esperta, essa turma trabalhará como os marchantes, contratando o abate e depois comercializando a carne do seu (caro) gado rastreado. Num segundo momento, os pecuaristas se afastarão (ou serão chutados) da direção. Afinal de contas, ou o caboclo se especializa em engordar boi direito ou então se torna “expert” em comércio internacional. Fazer as duas coisas ao mesmo tempo é que não dá! Estando o boiadeiro fora do comando, é claro que o “trader” vai dividir com ele os lucros. Ou será que não?
Ao pecuarista-rastreador ainda restará a alternativa de vender seus bois aos frigoríficos exportadores, que já conhecem profundamente os meandros das negociações com os distribuidores de carne europeus. Estando o boiadeiro fora do comando destas negociações, é claro que o frigorífico exportador vai dividir com ele os lucros. Ou será que não?