Em meu último artigo no BeefPoint, mencionei que gostaria de tratar de um assunto vital para uma atividade como a nossa, que opera com pequena margem de lucros: sistema de levantamento de custos de produção, e normas gerais para uma boa administração de propriedade rural, independentemente de seu tamanho, e da complexidade de suas atividades.
Perdoem minha ausência de modéstia: a Fazenda Água Milagrosa tem um dos melhores e mais abrangentes sistemas de gestão de empresa rural do Brasil. Permito-me a falta de modéstia pois nada é fruto da influência ou labuta de uma pessoa só, e sim de uma equipe bem entrosada, motivada e competente. E muito, muito trabalho.
Como o assunto é extenso, hoje tratarei apenas de dois capítulos: (I) princípios básicos e (II) objetivos. Com intervalos de aproximadamente quinze dias, irei completando a matéria, como se fosse um fascículo. Se você achar o assunto interessante, minha sugestão é que vá imprimindo cada artigo, que terá sempre como título básico: ADMINISTRAÇÃO de PROPRIEDADE RURAL.
Ao final, você terá montado uma “apostila” a respeito deste assunto crucial, mas ainda não suficientemente priorizado no currículo acadêmico por entidades de ensino dirigidas à agropecuária.
I – Princípios básicos:
1. A função de toda e qualquer empresa, é ter lucro. Por quê? Pois só assim gera emprego, paga bons salários, recolhe imposto e contribui para o progresso do país. Não se confunda lucro, que é saudável, com usura ou especulação, que são a antítese, a negação da essência do capitalismo.
2. A imagem que se faz nos centros urbanos sobre agropecuária, é totalmente distorcida e irreal. É o que eu chamo da maldição de Pero Vaz de Caminha, em cuja carta ao rei de Portugal, e referindo-se à terra recém descoberta, disse: “Em se plantando, tudo dá”. Desde o primeiro dia de existência deste país, nossa atividade carrega o fardo do preconceito. É como se tudo acontecesse espontaneamente, sem necessidade de nossa intervenção e suor. Uma Empresa Agropecuária é uma empresa como outra qualquer, que produza tecidos ou parafusos. Por isso, eu sempre prefiro usar o termo “empresa rural” ao invés de “fazenda”, que lamentavelmente e sem razão, vem adquirindo um viés depreciativo.
3. A amortização de investimentos é praticamente igual à de qualquer empresa de outro ramo de atividade. Usa-se, por exemplo, uma planilha de TIR (Taxa Interna de Retorno) bem elaborada, e decide-se se vale à pena ou não realizar este ou aquele investimento, ou até mesmo um custeio operacional já orçado.
4. O que diferencia uma empresa rural das demais empresas, basicamente, é que a atividade rural tem um complicador chamado clima. Por isso, “análise de risco” de cada atividade rural deve ser bem pensada, antes de se investir. Quanto maior o risco (exemplo: citricultura, arroz, feijão) maior deve ser o potencial de TIR (Taxa Interna de Retorno).
5. Uma atividade com “alto risco” e baixa TIR, é suicídio empresarial.
6. Eu costumo dizer que passei 30 anos “desensinando” agrônomos, zootecnistas e veterinários, que foram treinados para obter produtividade máxima, quando o que importa, na realidade, é a receita líquida máxima (lucro). Nem sempre a maior produtividade confere o maior lucro.
7. As palavras chave para uma boa administração de sítio, fazenda ou empresa rural, são: análise de risco, planejamento, eficiência operacional, análise constante da relação de custo e benefício, e levantamento de custos de produção. Este último é a parte mais falha na formação acadêmica dos profissionais diretamente ligados à atividade rural, e é nesse aspecto que vou dar ênfase neste e nos capítulos seguintes, que serão publicados no BeefPoint, como dissemos, a cada 15 dias aproximadamente.
8. O sistema de gestão financeira e operacional da Água Milagrosa tem nove passos ou etapas
De início, pode ser um pouco confuso entender estas nove etapas. Nos capítulos seguintes, acredito que boa parte das dúvidas será elucidada.
Lembretes:
– Orçamento (Planilhas Orçamentárias), Custeios Mensais e Anual são sempre expressos em dólar, cotação Ptax venda (do dia) do Banco Central.
– Todos os custos são divididos em Diretos e Indiretos. Mais adiante explicarei o que isto significa.
Voltando às nove etapas:
(A) Fecha-se custeio anual do ano anterior, em janeiro.
(B) Analisa-se, em seguida, receita líquida de cada “departamento”, o que deu certo ou não, e os motivos, ainda em janeiro.
(C) Decide-se o que vai ser feito no ano em curso, entre janeiro e fevereiro.
(D) Elaboram-se as Planilhas Orçamentárias de cada “departamento”, em fevereiro e março.
(E) Elabora-se o Programa Anual do período que vai de junho de um ano a maio do ano seguinte, e que é o espelho operacional das Planilhas Orçamentárias.
NR: As “Planilhas Orçamentárias” são documento de cunho financeiro, cuja finalidade é estabelecer custos de produção, e comparar mês a mês “orçado” e “realizado”. Já o “Programa Anual” é documento operacional: diz o que, quando e como vai ser feito em cada um dos “departamentos” de produção ou de serviço.
(F) Este Programa Anual é atualizado (ou modificado) a cada três meses.
(G) Os três gerentes (agrícola, pecuário e administrativo) têm reunião informal, toda sexta-feira, para coordenação de serviços, e para que cada um esteja informado das atividades do outro.
(H) Mensalmente: elabora-se o custeio mensal (até o 5o dia útil do mês subseqüente), que é confrontado com as Planilhas Orçamentárias, para sabermos que departamentos estão com custo dentro do orçado, ou não, e são tomadas medidas corretivas.
(I) Novo Custeio Anual, e o processo começa novamente.
9. Tudo é informatizado, com programas desenvolvidos e testados para a Fazenda Água Milagrosa, e os 10 computadores trabalham em rede. Estes programas são integrados, de forma que quando se roda folha de pagamentos; quando é dada entrada e saída de estoque de insumos; quando é feita manutenção em veículos, máquinas, implementos ou manutenção patrimonial, o custeio mensal já vai sendo alimentado.
10. Estes programas possuem “filtros” para evitar que um erro de digitação crie resultados absurdos.
11. Nunca é demais lembrar que, com raras exceções (gado de raça, por exemplo), agropecuária é setor primário, e como tal, produz bens “não diferenciados”. Ou seja, sua saca de milho, seu litro de leite, sua tonelada de cana basicamente tem o mesmo valor que o de seu vizinho. Para não ter prejuízo e/ou para maximizar os lucros só há uma saída: produzir mais barato que os outros. E para poder produzir mais barato, é absolutamente essencial ter-se um eficiente sistema de levantamento (ou apropriação) de custos de produção. Se você não o tiver, aliás, como saberá a que custo está produzindo? Como saberá que atividade está dando lucro ou prejuízo? Neste aspecto, o conceito de “caixa único” não é recomendável, pois “mascara” resultados.
12. Para se ter um bom levantamento de custos, uma aferição exata de custos/benefícios, etc., é necessário que todos os funcionários estejam engajados no processo, saibam porque estão fazendo isto ou aquilo, e sintam-se motivados em participar do processo todo. Tão importante quanto o relatado nos itens anteriores, são as planilhas de campo, onde diariamente tratoristas, chefes de serviço, motoristas, marceneiros, mecânicos, etc. preenchem planilhas simples que têm como finalidade dizer quem estava fazendo o que (serviço), onde (em que departamento), durante quantas horas (pois pode ter trabalhado em 2 ou mais departamentos no mesmo dia) e usando o que (trator no X, implemento Y, etc.). Estas planilhas, antes de serem passadas para o CPD (centro de processamento de dados), são “vistadas” ou corrigidas pelo Gerente da área.
13. Corte ou controle de custos de produção é um processo incessante, pois “custo” é como “unha”. Você corta, ela cresce, você corta de novo e ela cresce de novo.
14. Finalmente, um conselho derivado da experiência. É certo que a(s) atividade(s) rural(ais) que você empreende levaram em consideração qualidade do solo, topografia, demanda por produto, e uma série de fatores técnicos e de mercado. Mas, sobretudo, faça aquilo que você gosta. Uma pessoa jamais será boa profissional exercendo função que não a estimula.
II – Objetivos
O objetivo de se fazer criteriosa apropriação de custos, em qualquer ramo de atividade econômica, é óbvio: ter noção exata de quanto custou aquilo que produzimos, desde um parafuso a um saco de milho, desde uma caixa de laranja a uma arroba de boi.
Possivelmente, na atividade agropecuária, esta necessidade seja ainda maior, pois muitos custos de produção passam despercebidos. Alguns exemplos mais comuns:
1. Consideremos uma fazenda administrada pelo próprio dono: raramente computa-se, na apropriação de custos, que ele deveria receber “pro labore” pelos serviços prestados. O que normalmente acontece é que o proprietário faz retiradas do “caixa” da fazenda, e assim considera-se pago. Está errado: do ponto de vista de levantamento de custos, deveria funcionar como se fosse uma empresa. Ele receberia “pro labore” pelos serviços prestados como administrador: isto é custo. As retiradas de dinheiro que este fazendeiro faz não devem ser consideradas como custo, e sim como lucros ou dividendos distribuídos a acionista. Em tempo: não estamos recomendando que a contabilidade deva ser feita desta maneira, mas sim a apropriação de custos.
2. É comum que o fazendeiro e sua família morem na fazenda, ou pelo menos passem algum tempo lá, às vezes com hóspedes. A não ser que o fazendeiro faça um aporte financeiro equivalente aos custos incorridos, ao “caixa” da fazenda, ele deverá lançar como despesa estadia dele (a não ser se a serviço), da família e de convidados, pois tudo isto é custo.
3. Suponhamos uma fazenda mista que, entre outras atividades, tenha gado e laranja. Suponhamos que o esterco produzido pelo gado esteja sendo colocado em covas de plantio de laranja. Como carga, transporte e aplicação deste esterco nas covas de laranja, obviamente constitui custos, o fazendeiro então lança o custo destes serviços como custo de “Pomar em Implantação” (plantio de laranja). Correto? Sim, mas apenas em parte, pois ele esqueceu-se que produzir esterco teve custo, cujo valor deveria ser creditado a “Gado” e debitado de “Pomar em Implantação”.
4. O mencionado no item 3. acima dá muito trabalho e o valor é pequeno? Então vamos deixar de fazer, certo? Errado: A atividade agropecuária é pródiga nestes pequenos detalhes, que de início parecem insignificantes, mas cuja soma ao longo do ano demonstra que não o são. E depois de implantado sistema de apropriação de custos, e treinados os funcionários, verifica-se, com alguma surpresa, como é simples. Basta ter um programa consistente e organização administrativa.
A existência de sistema de levantamento de custos confiável é fundamental, pois:
1. É ele que vai determinar se estamos tendo lucro ou prejuízo em uma determinada atividade.
2. É através da análise das planilhas de custo que se pode determinar, dentro de uma determinada atividade, onde alguns custos estão exagerados, e tomar-se uma providência que deve ser permanente: corte de custos. Exemplo simplificado de análise: suponhamos que num pomar de laranja tenha-se aplicado 10 litros de “Round Up” por hectare. Naturalmente ocorreu algo de errado, já que é uma quantidade excessiva. No capítulo V. Como fazer Análise de Resultados? Vamos dar exemplo de análise econômico/financeira.
3. É através do levantamento de custos, quando confrontado com a receita gerada por cada atividade, no mesmo período, que poderá calcular-se:
3.1. Em atividade já totalmente amortizada (que já se pagou), a receita líquida, ou seja, se houve lucro.
3.2. Em investimentos (ou seja, atividade que ainda não se pagou), qual a TIR (taxa interna de retorno), o que quer dizer: considerando a receita líquida, quanto tempo um determinado investimento levará para se pagar.
3.3. Não fiquem surpresos se em algumas atividades, após análise detalhada e consistente, chegar-se à conclusão que a TIR é de 5% – ou seja, o investimento levará 20 anos para ser amortizado (pago). Fiquem ainda menos surpresos se constatarem que há investimentos em agropecuária, que sequer se pagam durante a vida útil deles.
Uma apropriação correta e consistente de custos de produção é ferramenta básica e fundamental para a gestão de qualquer empresa ou fazenda, seja ela grande ou pequena, simples ou sofisticada, com produção diversificada ou não.
Esta pequena apostila que vamos montar como se fosse fascículo, tem como finalidade transmitir a experiência da Fazenda Água Milagrosa em levantamento (apropriação) de custos, análise de riscos e de resultados econômico/financeiros, trabalho que fazemos há mais de dez anos, e que aprimoramos constantemente. Nosso sistema, totalmente informatizado, foi desenvolvido especificamente para as necessidades da Fazenda Água Milagrosa, mas como o assunto em pauta é abrangente e genérico, deve adequar-se, com pequenas modificações, a qualquer fazenda ou empresa rural. O artigo (capítulo) de hoje é o menos interessante desta série, posto que genérico. Os seguintes deverão captar mais sua atenção e interesse.
Uma observação feita em nossa empresa, e na de terceiros também, é que só se tomam providências para cortar custos de produção quando o negócio vai mal. Quase nunca isto é feito quando os negócios vão bem. Isto é um erro, pois exatamente quando os negócios vão bem é que existem melhores condições de “cortar custos”, e, assim, de construir reservas financeiras – que serão essenciais quando os negócios entrarem no “vermelho”. E só se consegue cortar custos, sem perda (ou quase) de produtividade quando se tem um eficiente sistema de levantamento de custos, que possibilite análises que determinem onde se está gastando mal. É o que veremos nos capítulos seguintes.
Vamos dividir a matéria em mais quatro capítulos, os quais, como dissemos no início, pretendemos veicular no BeefPoint em intervalos aproximados de quinze dias. Estes quatro capítulos são:
III – ADMINISTRAÇÃO de PROPRIEDADE RURAL: Parâmetros e Definições.
IV – ADMINISTRAÇÃO de PROPRIEDADE RURAL: Como fazer levantamento de custos?
V – ADMINISTRAÇÃO de PROPRIEDADE RURAL.: Como fazer análise de resultados?
VI – ADMINISTRAÇÃO de PROPRIEDADE RURAL.: Análise de risco: investimentos e custeio operacional, finalizando com modelos de planilhas.
E,por favor, lembre-se da regra básica:
O teor deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, nos termos das leis de imprensa e de direitos autorais. Reprodução total ou parcial apenas com autorização expressa do mesmo.
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Sr. Ortenblad!!! Achei muito interessante seu trabalho sobre administração. Esta é uma ferramenta que pode ser utilizada não só em grandes propriedades, mas sim naquelas de pequeno e médio porte. Partindo daí uma questão de capricho do produtor em usá-la ou não. No meu ver é muito eficaz e pretendo adotá-la futuramente.
Prezados Senhores,
Gostaríamos de parabenizá-los pela qualidade dos artigos que estão sendo veiculados tanto na BeefPoint como na FarmPoint e estaremos sempre acompanhando seus trabalhos.
Atenciosamente,
Luiz Pontes.
Estratégico. Atual, e mais: perene! Claro e simples. Acima: honesto! Parabéns Dr. Carlos Arthur Ortenblad.
Estratégico porque é perene. É perene porque é simples. É simples porque é honesto.
Por que é tudo isso? Veja o nº 14 do capítulo I – Princípios Básicos.
Prezados Senhores,
Agradeço suas palavras gentis, em relação a artigo antigo meu. Embora com a venda da fazenda Água Milagrosa em 2005, eu não milite mais no setor agropecuário, continuo intelectual e afetivamente ligado ao ramo.
E é sempre gratificante saber que algo que escrevi, malgrado já não faça mais parte do meu dia a dia, possa ser útil a quem se dedica ao mais importante, nobre e vibrante setor sócio-econômico brasileiro.
Atenciosamente,
Carlos Arthur Ortenblad